A frase é de André Lima, ex-jogador da seleção nacional de futsal e que continua ligado à modalidade enquanto treinador, e foi proferida à RTP a propósito da conquista de mais um campeonato da Europa de Futsal pela equipa de Jorge Braz.

Apesar dos esforços contínuos de Marcelo Rebelo de Sousa em tentar melhorar a nossa autoestima — pensemos no número de vezes que tem elogiado publicamente o povo português —, a verdade é que não estamos habituados a ser os melhores. Eduardo Lourenço explicou-o de uma forma que nunca poderia ser replicada nestas linhas, pelo que não valerá a pena caminhar em terrenos pantanosos da psicanálise e/ou da filosofia.

O ponto assente é: temos de começar a habituar-nos à ideia de que vivemos numa superpotência do futsal, não obstante a relativa obscuridade da modalidade perante o grande público.

Os alquimistas de Jorge Braz, selecionador ele próprio um mago do desporto, que conseguiram hoje feito inédito de fazer de Portugal o único país da história a conquistar dois Europeus de futsal consecutivamente: em 2018 e agora em 2022, já que em 2020 não houve competição. Pelo meio, em 2021, conquistaram o campeonato do Mundo.

Ou seja, estamos perante uma equipa que afirmou a sua hegemonia na modalidade esta tarde em Amesterdão. Depois de um percurso sem derrotas, Portugal repetiu contra a Rússia a mesma fórmula aplicada nas semifinais contra a Espanha: entrar mal no jogo, começar a perder e dar a volta.

Foi precisamente o que aconteceu na final hoje disputada. Dois golos da Rússia na primeira parte abalaram, mas não desestabilizaram a equipa das quinas, que respondeu com quatro tentos — o último, marcado por Pany Varela, perante a baliza russa aberta, já no último segundo. O relógio parou, a Rússia ainda teve de dar o pontapé de saída, mas o apito final foi uma mera formalidade: já se sabia que Portugal iria revalidar o título europeu.

Se é preciso dar o crédito aos jogadores — em particular Zicky Té, o miúdo maravilha do Sporting que foi considerado o jogador do torneio — e clubes que os formaram e lhes dão condições para serem os melhores, é preciso reservar uma palavra especial a Jorge Braz.

Apesar da saída de cena de Ricardinho — que, não obstante a retirada da seleção, esteve nos Países Baixos para acompanhar de perto os antigos colegas — e da lesão do guarda-redes Bebé, juntando-se ainda os sustos provocados pela covid-19 (Bruno Coelho e Zicky testaram positivo antes do Euro), o selecionador tem conseguido renovar o grupo com o talento que tem à disposição.

Contudo, mais do que isso, é a sua gestão do grupo — aliada à óbvia competência tática — a pedra de toque desta seleção. “Sermos nós. Desfrutar. Sermos nós. Ter muito orgulho no que fazemos”, foi a sua resposta quando lhe perguntaram, já de troféu na mão, qual o segredo para o sucesso. Mais ainda: “Seja quem for. Olhamos para nós (...). A minha felicidade e o meu orgulho nesta malta toda era intocável fosse qual fosse o resultado”.

Esse, está à vista. Portugal tornou-se uma máquina tão bem oleada que, não obstante a desvantagem inicial, pairou sempre a sensação que a equipa era capaz de dar a volta. O próprio Presidente da República disse-o em declarações à RTP. Agora, num gesto que começa a ser hábito, Marcelo vai receber os atletas e equipa técnica em Belém.

Claro que, cada vez que uma seleção nacional em representação de Portugal numa modalidade que não futebol conquista títulos — vide o igualmente cintilante percurso da seleção de hóquei em patins —, os responsáveis políticos prestam-se aos elogios públicos. 

Todavia, mais do que ter esta reação pavloviana, talvez fosse mais proveitoso passar das palavras aos atos e dedicar real atenção às condições desportivas neste país. O problema é que os nossos atletas têm-nos habituado mal. Nos primeiros dias dos Jogos Olímpicos de Tóquio, falava-se no défice de medalhas e nas causas do mesmo. No entanto, os feitos de Fernando Pimenta, Patrícia Mamona, Pedro Pichardo e Jorge Fonseca fizeram cair o tema, substituindo a preocupação pela euforia.

E agora? Será que esta nova prova de vitalidade desportiva servirá como abre-olhos? A história diz-nos que o mais provável é que não. Para Jorge Braz e restante equipa, contudo, não é isso que interessa por agora. É hora de celebrar e aterrar em Lisboa perante a aclamação pública.

O próximo passo é a defesa do título mundial, mas quanto a isso, façamos das palavras do selecionador nossas: “Acho que o próximo [título] a revalidar vai ser um bocadinho mais difícil, o mundial. Mas siga: já está um, agora ainda falta outro. A confusão ainda não está resolvida. Mas o próximo vai ser um desafio gigantesco, mas vamos a isso. Mas agora é desfrutar disto que merecemos. Eles merecem".