“A Portos dos Açores necessitaria de um prazo superior a 148 anos para reembolsar a dívida atual, o que não é sustentável”, refere o documento, a que a Lusa teve acesso, acrescentando que o acionista, o executivo açoriano (PSD/CDS-PP/PPM), deverá considerar a realização de um “saneamento de parte da dívida da Portos dos Açores e reestruturação, junto das entidades bancárias, do restante montante”.

Em causa estão 69,5 milhões de euros de “dívida não sustentável”, que a empresa que gere os portos do arquipélago acumulou ao longo de vários anos, a somar a outros 5,4 milhões de euros de “dívida sustentável”, que os auditores consideram que se adequa à capacidade de geração de ‘cash’ da Portos dos Açores.

A auditoria agora revelada, que incide no período compreendido entre 2016 e 2020 (último ano do mandato do anterior executivo socialista), lembra que a empresa “herdou um ‘stock’ de dívida elevado”, justificado, em parte, pela construção do complexo das Portas do Mar, em Ponta Delgada, e pelos anos de crise financeira que se seguiram, mas deteta também falhas na estrutura de gestão da empresa.

“A atual estrutura de capital da Portos dos Açores não é compatível com o nível de atividade. A insuficiência de fundos libertos pela operação compromete a capacidade da Portos dos Açores em cumprir com o serviço de dívida acordado”, pode ler-se no documento.

Esta situação tem provocado um aumento da dívida, através de operações de refinanciamento, com “impacto negativo” ao nível dos juros, acrescenta.

Os auditores propõem, por isso, que seja “desenhado um cenário com o acionista”, por forma a definir uma estratégia para o nível de dívida não sustentável da empresa, caso contrário, a Portos dos Açores necessitaria de quase um século e meio para reembolsar a dívida atual.

O documento conclui também que existem várias áreas de negócio que estão sob a gestão da Portos dos Açores, mas que não se enquadram na atividade prioritária da empresa, como é o caso de piscinas, marinas e das Portas do Mar, que terão contribuído também para a acumulação de dívida no passado.

“Deverá ser realizada uma análise de opções para cada uma das atividades, que permita concluir sobre que solução se afigura mais rentável, quer para a Portos dos Açores, quer para a Região Autónoma dos Açores”, refere a auditoria, que sugere três soluções possíveis: “alienação a um privado; gestão direta do acionista; ou implementação de estrutura de compensação para a Portos dos Açores”.

A relação entre as empresas públicas Portos dos Açores e a Atlânticoline (que assegura o transporte marítimo de passageiros inter-ilhas) mereceu também reservas por parte dos auditores, que lembram que a primeira “suportou encargos” com a segunda, através da concessão de “descontos e isenções” à operação dos navios, na ordem de 1,5 milhões de euros anuais.

“Em 2019, a Atlânticoline foi transferida para a Região Autónoma dos Açores, não tendo a Portos dos Açores sido compensada pelos anos que geriu a atividade da mesma, e pelo défice gerado”, adianta o documento, que identificou ainda mais 470 mil euros de défice, resultante de “encargos com donativos e patrocínios” para ‘rallys’ e regatas, que no entender dos auditores deviam ter sido suportados pelo Governo e não pela empresa.

A auditoria refere ainda que o Governo tem utilizado a Portos dos Açores para lançar diversas obras públicas marítimas, maioritariamente financiadas por fundos comunitários, mas ressalva que o executivo açoriano não terá transferido, atempadamente, a totalidade dos fundos regionais para essas obras, obrigando a empresa a assumir dívidas desnecessariamente.

“Apesar de o investimento ser financiado praticamente na íntegra, exigindo por parte da Portos dos Açores níveis reduzidos de fundos próprios, o facto de a empresa gerir obras públicas com características e exigências particulares, de forma contínua, tem um impacto negativo na sua atividade”, adverte o documento.

A auditoria lembra, no entanto, que apesar da situação financeira verificada, a Portos dos Açores prevê um plano de negócios ambicioso para os próximos anos, prevendo um investimento total de 397,7 milhões de euros destinado, sobretudo, a reparações de instalações e equipamentos danificados pelo furacão Lorenzo, que ocorreu em outubro de 2019.