Não obstante as diferenças político-ideológicas que possam existir entre o governo central e cada um dos municípios em cada momento, dependendo das forças políticas vencedoras dos atos eleitorais em cada domínio, a verdade é que a vida dos cidadãos é influenciada pelas leis aprovadas pelo conjunto de forças representadas na Assembleia da República, as opções e decisões do governo em exercício (com especial destaque para as que afetam os serviços públicos) e as decisões e ações dos executivos autárquicos. 

Esta multiplicidade de atores, a atuar em diferentes camadas e com diferentes poderes, impacta o dia-a-dia dos cidadãos. Num Estado de tradição burocrática como o nosso, tal resulta, muitas vezes, em inoperâncias, constrangimentos e prejuízos para os cidadãos e comunidades, pelo que importará revisitar o nosso modelo de governação política em torno de algumas opções.

Caso contrário, não conseguiremos anular as entropias existentes nestas diferentes camadas do Estado nem ganhar a agilidade que o processo discussão-deliberação-ação precisa de ter numa economia desenvolvida.

Mas, se a existência de políticas integradas é algo desejável, ou seja, a garantia de que as administrações diretas, indiretas e autónomas do Estado têm mecanismos para viabilizar a integração harmoniosa das políticas defendidas nos diferentes níveis, consubstanciando-as em valor nos serviços prestados aos cidadãos, já a integração de políticas deverá merecer mais cautela, pois tal implica um jogo contínuo de forças improdutivas caracterizado pelo esforço constante de subordinação ou sabotagem das políticas definidas a um nível pelos outros. Muitas das vezes por mero clubismo partidário ou querelas pessoais, ao invés da defesa do interesse público.

De um ponto de vista genérico, os governos nacionais costumam priorizar, em matéria de políticas públicas, a estabilidade macroeconómica, a defesa, a política externa e a infraestrutura nacional. Já os governos locais focam-se mais (dependendo do nível de regionalização em vigor em cada país) na educação, saúde, transporte e habitação, ou seja, questões que impactam diretamente a vida dos cidadãos. Quando as políticas nacionais não se alinham com as necessidades locais, surgem tensões.

Um exemplo de tensões: o governo nacional impõe medidas de austeridade para reduzir a dívida pública, mas os governos locais, pressionados pela procura por serviços sociais, resistem aos cortes orçamentais.

Vários países desenvolveram mecanismos para tentar equilibrar o controlo centralizado com a autonomia local (i.e. França, EUA), já que o excesso de centralização sufoca a inovação local enquanto que a descentralização extrema pode levar a políticas inconsistentes e à aplicação enviesada das normas nacionais.

Por outro lado, os governos locais têm dificuldades na geração de receitas próprias, dependendo muito das transferências do Estado central, o que cria um desequilíbrio de poder e dificulta o planeamento a longo prazo. Além disso, os governos nacionais impõem por vezes políticas (como regulamentações ambientais ou padrões educacionais) sem fornecer os recursos suficientes, o que acaba por sobrecarregar ainda mais os orçamentos locais. 

Quando as responsabilidades de órgãos nacionais e locais se sobrepõem, surgem ineficiências e falta clareza sobre quem deve agir.  No outro extremo deste dilema da responsabilidade temos os casos onde não existem estruturas formais para a coordenação intergovernamental, o que resulta em decisões improvisadas. Por exemplo, no Brasil a ausência de governança metropolitana tem levado a um planeamento urbano desorganizado em cidades como São Paulo.

Como apontámos acima, quando os governos locais e nacionais são controlados por partidos opostos, a cooperação rompe-se e as políticas são bloqueadas por interesses políticos. Um dos casos mais paradigmáticos e recorrente é o dos EUA, onde os Estados governados por republicanos entram frequentemente com ações judiciais contra as políticas federais dos democratas, como no caso do Affordable Care Act (Obamacare).

Em Portugal, temos o exemplo do PSD na Câmara do Porto, que frequentemente entrou em conflito com o governo do PS sobre financiamento para projetos como a Linha Violeta do Metro, alegando discriminação política.

Todavia, as questões culturais assumem tanta preponderância quanto as políticas. Regiões com identidades culturais fortes podem rejeitar políticas nacionais, vistas como imposições. Temos o exemplo da Catalunha, com o seu histórico de conflitos com o governo central de Madrid sobre a autonomia e a independência.

Sistemas federativos (como na Alemanha e no Canadá) permitem mais autonomia local, enquanto que Estados mais unitários (como Japão e Suécia) mantêm maior controlo central. Todavia, há que atender aos trade-offs de qualquer um dos modelos. Por exemplo, aquando do Brexit, a Escócia votou pela permanência na UE, mas foi obrigada a sair junto com o resto do país.

No nosso caso, podemos afirmar que Portugal é um Estado unitário com um grau significativo de descentralização administrativa, mas a relação entre o governo central e os municípios enfrenta desafios estruturais, políticos e financeiros. 

Temos uma longa tradição de forte centralização, remontando ao Estado Novo. Apesar das reformas pós-25 de Abril e do processo de descentralização em curso, a verdade é que muitos dos nossos municípios ainda dependem fortemente do governo central.

Por exemplo, o processo de descentralização de 2019 transferiu competências em educação, saúde e gestão florestal para os municípios, mas muitos alegam falta de financiamento adequado. A própria Câmara de Lisboa criticou a transferência de escolas sem recursos suficientes para a sua manutenção.

Enquanto que o governo central prioriza investimentos em Lisboa e Porto, muitas autarquias do interior enfrentam a desertificação e a falta de serviços básicos. O próprio Plano Nacional de Investimentos 2030 concentra-se em grandes infraestruturas, enquanto que municípios como Bragança ou Beja lutam por financiamento para transportes públicos e hospitais.

Acresce a esta realidade os atrasos nos pagamentos por parte do governo central, afetando projetos locais. Em 2023, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) denunciou que o Estado devia mais de 200 milhões de euros em transferências atrasadas, prejudicando obras em várias cidades.

Em termos de burocracia e lentidão na coordenação temos áreas, como o ordenamento do território, que envolvem múltiplos níveis de governo, gerando conflitos e demoras. Por exemplo, o Plano Diretor Municipal (PDM) de Almada foi contestado pelo governo central por questões ambientais, o que atrasou a aprovação por anos devido a disputas jurídicas.

A inexistência de um conselho intergovernamental forte para resolver as disputas entre o Estado e as autarquias continua a ser uma fragilidade. O próprio Conselho Nacional de Descentralização, criado em 2018, tem um papel mais consultivo do que decisório, o que limita a sua eficácia.

Vejamos alguns exemplos concretos dos desafios que o nosso nível de descentralização acarreta:

Educação: a descentralização da gestão escolar trouxe mais responsabilidades aos municípios, mas sem o financiamento proporcional, como apontado pela Câmara de Cascais ao criticar a transferência de escolas sem a verba para a sua manutenção, obrigando a autarquia a usar fundos próprios.

Saúde: os municípios têm pouca influência na gestão dos hospitais, mas acarretam com as consequências do encerramento das extensões dos centros de saúde. O encerramento da Urgência Básica de Loulé em 2022 gerou protestos locais, com a autarquia a acusar o governo de desinvestir no Algarve.

Transportes: o governo central gere os transportes metropolitanos (como a CP e o Metro de Lisboa), com os municípios a exigirem maior participação. A Câmara de Sintra reclama há anos por mais comboios na Linha de Sintra, mas a decisão depende da CP e do Ministério das Infraestruturas.

A verdade é que o pacto para a descentralização (2018-2022) prometeu mais autonomia, mas os resultados são limitados. Por exemplo, a transferência de competências na área social (como lares de idosos) foi bem-recebida, mas muitos municípios ainda não têm a capacidade técnica para geri-las.

Em jeito de conclusão podemos afirmar que a integração entre políticas nacionais e locais em Portugal enfrenta alguns desafios profundos:

  • Dependência financeira dos municípios em relação ao governo central;
  • Conflitos políticos entre autarquias e Estado;
  • Burocracia e lentidão na coordenação;
  • Desigualdades regionais (Litoral vs. Interior).

Algumas soluções possíveis são:

  • Maior autonomia fiscal para os municípios;
  • Conselhos intergovernamentais com poder real;
  • Financiamento estável e previsível para evitar atrasos;
  • Planeamento conjunto entre Estado e autarquias.

Enquanto Portugal não resolver estas questões, a eficácia das políticas públicas continuará comprometida, com os cidadãos a sofrerem as consequências da descoordenação entre Lisboa e os municípios.