“Este é o Barracuda, o meu primeiro submarino. Fiz aqui muitas viagens”, afirma, orgulhoso, Daniel Véstias Letras, Primeiro Imediato, à entrada do Núcleo Museológico Fragata D. Fernando II e Glória, na doca seca em Cacilhas, Almada.

De branco dos pés à cabeça puxa pela memória. “Entrei para a Marinha em 1984, especializei-me em submarinos em 1992 e saí da esquadrilha em 2000. Fui Imediato do Albacora, Barracuda e do Delfim”, conta ao SAPO24 ao portão do “museu”.

“Portugal tem submarinos desde 1913. O primeiro, o Espadarte, comprado em 1913 à Itália. Depois, a 2.ª esquadrilha, a 3.ª, submarinos ingleses que estavam encostados após a 2.ª Guerra Mundial. E a 4.ª, a que pertence o Barracuda, foram comprados a França, em 1967. Eram quatro, mas vendemos o Cachalote, em 1974 ou 1975, à França que o vendeu ao Paquistão. Em 2010, o Barracuda foi desativado”, historiza. Foi para Cacilhas para ganhar nova vida e abriu espaço ao Arpão e ao Tridente, adquiridos à Alemanha.

O NRP Barracuda, construído nos estaleiros de Nantes, pertence à classe Albacora, submarino convencional do tipo Daphné. “O primeiro dá nome à esquadrilha. Eram iguais, só mudava o número da mura. Este é o 5164”, indica.

“A visita começa neste painel. Damos uma breve introdução sobre o submarino para as pessoas lá dentro perceberem minimamente o que estão a ver”, refere.

“Explicamos o que são os submarinos diesel-elétricos, como o Barracuda. Tudo é elétrico lá dentro, incluindo a propulsão. As hélices são acionadas por motores elétricos alimentados por grandes baterias (160) que precisam de ser carregadas. Aí entra o diesel que, para funcionar, tem de fazer admissão de ar do exterior. Os motores de combustão precisam de ar para carburar e o ar para alimentar a combustão dos diesel e carregar as baterias entra pelo mastro snorkel”, completa.

Uma infografia traça a história. “Entrada efetiva (1968), guarnição (54 militares, mas podia ir até 64), camas (36) e camas quentes, água (13.500 litros), milhas (263,358 ou 12 voltas ao mundo), horas de navegação (52,622) e dias de mar (3090 dias)”, resume.

“Este submarino fez 31 dias, um recorde, num exercício da NATO, no Atlântico”, recupera, mas eu só “estive 18 dias de máximo”, sublinha. “Como se aguenta?”, questiona. “É não pensar nisso. É um dia após o outro, fazer quarto e descansar. O sistema de números de dias em falta era proibido a bordo, é a pior forma de estar numa navegação longa”, adverte.

Foram 42 anos ao serviço da Marinha de Guerra portuguesa, resumidos num filme de vida da Marinha  e sumariamente calendarizados num blogue.

Bravo Zulu. O tiro no porta-aviões nuclear

Em maio de 1983, um tiro virtual no porta-aviões nuclear USS Eisenhower, fortaleza norte-americana, durante um exercício do comando regional do Atlântico Norte da NATO (Cinciberlant), ao largo do Estreito de Gibraltar, constituiu a medalha de ouro do bebé entregue às mãos do nosso cicerone.

“A história caiu nas bocas do povo, mas é banal um submarino penetrar uma cobertura de uma unidade de alto valor (porta-aviões) e fazer ataques”, elucida.

O feito mereceu uma mensagem elogiosa do comandante da Cinciberlant. “Para o Barracuda, a rara oportunidade de atacar um porta-aviões, provavelmente fez-vos o dia. Bravo Zulu (código para bom trabalho) e boa viagem”, lê-se no blogue.

Nunca esteve no teatro de guerra. “O Delfim foi o único da esquadrilha que participou numa operação real, no desmantelamento da ex-Jugoslávia, numa missão NATO, no Adriático”, relembra. Mas o Barracuda foi o único submarino que disparou um torpedo real, em dezembro de 1982, face a um navio mercante de transporte de gás butano semiafundado a 120 milhas a oeste de Sines, que constituía um perigo para a navegação e tinha de ser afundado. O Barracuda disparou um torpedo”, recorda.

“A maior máquina de guerra do mundo” 

Num submarino é fulcral “ter capacidade de ataque para ser dissuasor, porque se não tiver, não dissuade ninguém”, refere. Em poder de dissuasão e de capacidade bélica “é a maior máquina de guerra do mundo, isso pode-se dizer e não é mentira”, assegura. É também “um excelente meio de patrulha, pode estar em todo lado e pode não estar em lado nenhum, é um polícia invisível”, conta. 

Começo da visita. “Temos um sistema de torniquetes, porque não queremos mais de 30 pessoas dentro do submarino”, avisa antes da “aula” sobre o tanque de lastro e as entradas de ar e água que permitem que o submarino mergulhe  no mar ou venha à luz do dia.

A entrada é feita pelo Posto a Vante. Do lado esquerdo, quatro camas, suspensas, sobrepostas, como morcegos pendurados. A cabeceira estava virada para o local onde repousavam torpedos. “Na prática, eram sortudos porque tinham cama só para eles, algo que mais ninguém tinha, a não ser o Comandante. Não faziam quartos, como chamamos aos turnos de serviço, eram os cozinheiros e os militares (praças) que davam apoio aos oficiais e sargentos”, adianta.

É o maior compartimento de bordo. Vira à direita. “Tem duas mesas para as refeições e cabem 32 pessoas, 40 com alunos. Não há camas para todos, temos ali 4, 12, 14...18 camas”, enumera, levando-nos a imaginar a lotação sobrelotada do curto espaço. 

Barracuda
Barracuda créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

O sistema de cama quente. Menos para o Comandante

Não há camas para todos os efetivos. “Era rotativo, sistema de cama quente, só necessitávamos de cama para 2/3”, informa. O bem maior é que um “tinha a sua almofada e fronha, uma capa de plástico branca com o nome escrito. Por acaso, falta aqui”, admite. “Eu trazia toalha de rosto”, confessa. “Lavávamos as fronhas na lavandaria da esquadrilha de submarinos porque a maior parte das nossas mulheres não queria a nossa roupa em casa, cheirava mal”, sorri.

A água era reservada para a cozinha e higiene básica. Há dois lavatórios para “lavar dentes e fazer a barba”, menciona. “Não se podia tomar duche”. Os dodots eram a solução. “O único chuveiro a bordo não era usado a não ser pelo Comandante, na véspera de atracar num porto, quando ia aos cumprimentos às autoridades locais, presidentes de câmara, Chefe de Marinha, em Espanha ou Almirante, em Inglaterra”, refere.

O olfato é acionado para sentir o lastro da guarnição a entrar nos hotéis (onde por vezes dormiam) nas curtas paragens quando partiam em missão.

Há centenas de caixas. “Contém um granulado para reter dióxido carbono, quando saturado o produto era entregue em terra”, anota. “O único problema de ar era o dióxido carbono e tínhamos muito cuidado com o hidrogénio, porque as bolsas são explosivas. Com o oxigénio, não tínhamos problema porque a periodicidade com que renovávamos o ar, vínhamos à cota periscópica, não ia além de 18 horas”, frisa.

No caso de falta de oxigénio, entravam em ação as velas [de oxigénio]. “A ignição é feita através de um sinal elétrico ativado com um dínamo manual, entravam em queima num recipiente de inox, atingem 300 e tal graus de temperatura para libertar o oxigénio. Nem nós bem sabemos como é que funciona”, pormenoriza.

O chão vinil é recuperado do original. “Foi reposto em substituição de um outro que acompanhou o submarino até Cacilhas, que era tipo lixa”, confidencia.

Há malas de viagem de cada um que embarcava. “Era o nosso saco de viagem. Eram identificados por cargo, tínhamos dois cozinheiros, TFH é a sigla usada na Marinha. THF1 e THF2 entre o mais antigo e o mais marreta”, nomeia.

E há fachos de fumo. “É um tipo very light usados para comunicar. O verde é ataque, o amarelo significa que estou a preparar-me para ir a cota periscópica, uma manobra arriscada, tivemos um acidente e muita gente não gosta de falar disso”, reconhece.

Não gasta um fogacho sobre o assunto, mas o enigma é resolvido no blogue já mencionado. Foi em 1994, “no final de um exercício FOST quando emergia à cota periscópica, embateu num cargueiro no Canal da Mancha, não se registaram baixas, apenas danos estruturais na torre”, lê-se.

Tempo de falar sobre a viagem da superfície até à imersão. “Rápido, em 20 segundos”, cronometra. “Depois lemes, horizontal e vertical, dos 12 aos 50 metros, um minuto e fazíamos patamares para verificar a estanquidade. Máximo que fomos foi 300 metros, a quota de implosão está calculada para 575 metros, mas nunca testámos”, informa.

Espartana é o adjetivo que melhor descreve as condições e a vida no Barracuda. Hoje, em doca seca, está injetado de modernices. “Tivemos de fazer quase um submarino novo, ar-condicionado, sistemas de deteção de incêndio, câmaras de vigilância, iluminação da emergência, mais de mil metros de cabo”, regista.

O curto pé direito comprime o ar, quase que nos sufoca de claustrofobia e só somos quatro pessoas na visita. O espaço exíguo chega a não permitir que duas barrigas normais desenhem duas faixas de rodagem no percurso. É só imaginar um exercício.

Do teto suspende-se uma escada a partir da escotilha de embarque de torpedos. “Oito torpedos, à Vante (proa) e mais quatro à Ré (popa). Os torpedos de Vante entravam cá por dentro, os de Ré atracam pela boca, por fora”, sinaliza.

“A escada é para ir abrir a escotilha. Entrava com sistemas de força, roldanas e montava-se aqui um arraial muito grande para se meter (torpedo) ali no tubo. Fechava-se o tubo, punha-se os soquetes e ficava pronto para disparar”, menciona.

Segue. “O soquete empurra o torpedo para fora do tubo. É um sistema telescópio, um antena que se estende para evitar ruído. Os navios disparam os torpedos através de ar de alta pressão, mas as bolhas de ar fazem ruído e quando se dispara um torpedo, não queremos que se saiba que se disparou, é um sistema mais silencioso”, especifica. 

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Estão a ver o Almirante Melo Gouveia, que foi o comandante do Barracuda, aí deitado?

Cessa os detalhes e dá um passo, curto, até à cantina. “Isto é um frigorífico normal, onde metíamos as coca-colas, os sumos e as cervejas”, assinala. “A copa dos oficiais é o sítio para onde os rapazes que nos dão apoio traziam a comida da cozinha, na Ré, preparavam as refeições, o café, o leite, essas coisas e faziam torradas para o pequeno-almoço”. Há outro lavatório para “dentes e barba”.

Alojamento de oficiais. “Só os oficiais dormiam aqui. Eram sete, às vezes nove com alunos”, retifica. A cama do Comandante parece uma cápsula. “É curtinho, não é? Estão a ver o Almirante Melo Gouveia, que foi o comandante do Barracuda, aí deitado”, pergunta. “Tinha um lavatório só para ele, escondido debaixo desse armário, uma secretária, uma mesa e não tinha porta, só cortinas”, descreve.

A tripulação era “exclusivamente masculina. Agora já há mulheres”, anota. “O pessoal cansado dormia em qualquer lugar e os alunos dormiam no chão. Os praças passavam-lhes por cima e pisavam os tornozelos, às vezes de propósito”, ri.

Barracuda
Barracuda créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

As distâncias medidas num esparguete

Escutam-se sonidos persistentes. “É ruído marinho que ouvíamos muito frequentemente e, neste caso, estamos a ouvir golfinhos e baleias”, constata.

“As ondas eletromagnéticas não se propagam na água. Não ouvíamos televisão, rádio, mas há uma coisa que se propaga muito bem na água: o som”, avisa. “Basicamente, os submarinos funcionam como sonares à escuta, ouvem o que se passa à volta. Tem um problema acrescido. Não podem transmitir com os sonares, ou não devem, para não denunciar a posição”, alerta.

“Só ouvem e não têm a noção, nem informação da distância, só do azimute, da direção do ruído. Podem ouvir o ruído de uma hélice de um navio marcante”, identifica o som.

“Os homens do sonares estavam treinados, conseguiam contar as rotações, saber se era um navio, maior ou mais pequeno, se tinha uma ou duas hélices. Sabíamos mais ou menos a velocidade e isso dava o cálculo da distância a que estavam”, assinala.

“Temos telefones submarinos, para falar entre submarinos e de submarinos para navios e usa a água como meio de transmissão e receção”, explica. Mas nem tudo fica claro. “O som propaga-se mais rápido na água do que no ar e temos de falar mais pausadamente. Normalmente, usávamos códigos de três letras, Victor Foxtrot Mike, que significa, vamos fazer um check de distância. Tínhamos sempre os telefones submarinos com algum volume. E estávamos sempre a ouvir”, confessa. Um barulho hoje suave, nada igual à barulheira que era.

“Também é um meio de segurança. Estava sempre alguém a segurar o volume que estava alto. Ouvíamos a fauna marinha. Às vezes, não conseguíamos dormir, fazia muito barulho. Fazíamos uma transmissão e afastavam-se”, revela.

No Barracuda de hoje dois sonares dão a mão. “O da década de 60 e o de fim de vida, mais eletrónico”, mostra. É o aparelho onde mora toda a informação na sala de operações e registos. “Era enviada toda a informação relevante a um sargento”, sentado defronte de uma mesa. “É tudo em papel vegetal a que chamamos de esparguete. A lápis, escreviam e riscavam as direções, editava-se e fazia-se cálculos, distância e velocidade, usando o compasso de 11 pontas, todas iguais para ver o rumo”, sintetiza.

Interrompe-se. “Como é que não batemos no fundo é uma pergunta muitas vezes feita. Temos uma carta com as linhas batimétricas marcadas, logo, sabemos em cada sítio qual é a profundidade do fundo do mar”, certifica.

“O som propaga-se de formas esquisitas”, dispara enquanto mostra “um equipamento fundamental a bordo”, uma espécie de leitor. “Faz a leitura da velocidade do som na água ao longo da profundidade. Mas como o submarino varia em profundidade, vê a variação do som ao longo da profundidade”, adianta.

Introduz nova explicação técnica. “A lei de Snell diz que o som é preguiçoso e tende a curvar-se sempre quando a velocidade é menor. Só que o perfil do som é irregular. Por exemplo, no verão, a temperatura é maior e o som propaga-se mais rápido à superfície”, compara. “Gera as ondas de sombra onde as ondas sonoras não chegam e os submarinos utilizam isso em seu favor”, realça Daniel Vestas.

créditos: Paulo Rascão | MadreMedia

Nos olhos, boca, braços e mãos do submarino

Periscópio. “Chegámos aos olhos do submarino”, diz enquanto pede para subirmos e espreitarmos. O Terreiro do Paço fica perto da vista e o coração acelera.

“Eram os oficiais que faziam o periscópio. Não regula em altura, está sempre fixo”, realça. “O Comandante usava o de ataque, mais fininho, regulado em altura. Sentava-se naquela cadeirinha, pode pôr mais ou menos fora d'água, é mais difícil de ser vistos pelos opositores”, reforça. “O Barracuda quando fez o ataque ao navio marinho marcante utilizou esse periscópio”, recupera.

Cabine de comunicações. “Como as ondas eletromagnéticas não se propagam na água, tínhamos que vir à cota periscópica içar o mastro de comunicações para a antena ficar acima da linha d'água e comunicar com terra”, desenvolve.

“Há uma particularidade. As ondas eletromagnéticas não se propagam na água, mas a componente magnética das ondas eletromagnéticas entra ligeiramente na água. E há comunicações de muito baixa frequência, que dá para receber até aos 20 metros. Não dá para enviar ,porque o comprimento das antenas é proporcional ao comprimento das ondas eletromagnéticas”, chama a atenção.

“A velocidade de transmissão é inversamente proporcional ao comprimento da onda. A largura de banda de uma transmissão VLF é muito pequena e leva pouca informação. A velocidade de transmissão é 50 baldes, 50 palavras da dimensão “Paris” por minuto. Ou seja, recebiam 50 vezes a palavra “Paris” num minuto. Era baixo, mas é melhor do que expor o mastro para receber mais rápido”, nota.

O acesso à torre é feito entre manómetros, indicadores de pressão dos tanques de lastro, garrafas de ar e de alta pressão. “Se lá atrás era o cérebro do submarino, onde estivemos, aqui são os braços e as mãos. É aqui que se faz o controle físico do submarino. Dois lemes horizontais e o leme vertical. Isto vê-se nos filmes”, refere.

Tocamos no porta-voz, bengala de metal finalizada num bocal. “Falava-se por aqui e quem estava lá em baixo punha o ouvido e ouvia. E tínhamos o altifalante”, informa.

“Os lemes, horizontais, um na Vante e um à Ré, é para ir para baixo ou para cima. O vertical serve para ir de bombordo a estibordo. O navio em imersão tem de ser regulado em peso e o ideal é que a impulsão provocada pelo volume seja igual ao peso”, salienta.

“O exercício de regular o peso é feito por um chefe de posto de controle, um dos cargos mais importantes a bordo, normalmente um sargento muito experiente”, destaca. O navio está pesado, então, esgota 200 litros, diz lá para baixo”, imita.

Corredor higiénico e duas sanitas à frente da cozinha para mais de 50 marinheiros

Continuamos. Parece que andámos muito (o ponteiro do relógio leva-nos a um engano de perceção), mas quase não saímos do mesmo sítio. “Aqui chamamos o corredor higiénico”. Desvenda. “Duas únicas sanitas em frente à cozinha, uma casa de banho comum a todos, até para o Comandante”, confessa.

“Púnhamos aqui o lixo biodegradável, restos de comida iam para estes sacos, eram furados com chave de fendas para afundar, mandávamos pelo esgoto de lixo. Era uma manobra arriscada, operado pelo Imediato, ou engenheiro. O lixo não biodegradável era armazenado em soquetes e entregávamos quando íamos a terra”, elucida.

Uma G-3 feita em 3 D antecede a casa das máquinas. “No compartimento da propulsão ouvia-se barulho, geradores diesel, motores elétricos, o controle de carga das baterias e da velocidade dos motores elétricos é aqui feito. O que o computador do Tesla faz, aqui era feito tudo à mão”, equipara.

O SAPO 24 deu os primeiros passos no NRP Submarino Barracuda a atropelar camas e sai atropelado por camas. “No posto da Ré viviam 15 sargentos”, enumera. “Existe uma separação de categorias, podemos ou não concordar, hoje já há Marinhas a evitar essa diferenciação, mas é uma questão de disciplina. Nas nossas Forças Armadas, praças, oficiais e sargentos, há uma separação que se quer manter”, atesta.

No posto de motores elétricos de propulsão (MEP) acolhia um praça e o sargento, cada qual com uma tarefa. “O praça ia lá baixo mudar o óleo, o sargento tinha o conhecimento técnico, controlava o posto de controle”, separa as águas.

Aponta para a terceira escotilha, depois do visitada no alojamento de oficiais e outra no acesso à torre. A finalidade desta, de salvamento, está patente num filme (curtas imagens da RTP) de um exercício ao largo da Escócia, em 2001, numa das televisões a preto e branco espalhadas pelo navio”, destaca.

Estava “preparada para receber os submarinos de resgate que só levam 5 ou 6 pessoa de cada vez”. Traduz para leigos. “O submarino é assente no fundo e o outro faz o acoplamento. A escotilha permite escape livre, isto é, se o navio ficar afundado a 30 metros posso sair para a superfície com boca aberta a libertar ar que não sofro lesões nos pulmões. O navio dá-se como perdido (nunca aconteceu), alaga-se, arreia-se uma saia em napa, equilibro a pressão com o ar, a água deixa de subir, mergulhamos, entramos na manga e saímos com boca aberta até à superfície”, descreve.

A mancha do cocó de pombo

Aproveitamos a deixa para abandonar a embarcação. Respiramos ar direto. O teto passa a ser o limite do céu e não os milhares de cabos emaranhados no aço que estava, por vezes, a dois palmos acima da nossa cabeça ou perto do nariz.

Cá fora, Daniel Véstias Letras, aponta. “Mastro comunicações UHF, mastro de guerra eletrónica, antena de vara para transmitir comunicações para terra de Alta Frequência, mastro sonoro, o mais baixo e números. O 32 quer dizer 3,2 metros até à quilha”.

Tempo ainda para percorrer o Barracuda de popa à proa, por cima, e espreitar a parte de baixo, acesso feito ao descer minúsculas escadas de pedra. Um par de andaimes é a prova viva da parte final de uma pintura. Um trabalho manchado pelo cocó de pombo. “Eles consideram a casa deles, nasceram aqui, pomos redes, mas descobrem sempre um sítio para entrar”, desabafa, à despedida.