O Centro Ismaili em Lisboa foi hoje de manhã alvo de um ataque, perpetrado por um homem armado com uma faca de grandes dimensões, segundo a PSP, que foi detido e conduzido ao hospital, depois de matar duas pessoas, de acordo com a informação divulgada.

O ataque ocorreu quando decorriam aulas e outras atividades no Centro Ismaili, precisou o presidente do Conselho Nacional da Comunidade Muçulmana Ismaili, Rahim Firozali.

O que são os ismaelitas?

Oficialmente denominada “Comunidade Shia Imami Ismaili”, é uma subdivisão da corrente Xiita do Islão, como explica o documento enviado ao SAPO24 pelo Conselho Nacional da Comunidade Muçulmana Ismaili.

No culto islâmico há duas grandes correntes, o Xiismo (Shia), corrente minoritária, e o Sunismo (Sunni), corrente maioritária. “De acordo com a doutrina Xiita, onde a Comunidade Ismaili se insere, O profeta Maomé designou o seu primo e genro Ali, como o Imam da Comunidade Muçulmana, estabelecendo assim a instituição do Imamat, a quem conferem a autoridade de liderar a comunidade em assuntos espirituais e seculares”, lê-se na nota.

A Comunidade Shia Ismaili, a segunda maior da corrente Xiita (com perto de 15 milhões de crentes), surgiu por homenagem a Ismail, filho mais velho do Imam Jafar as-Saqid. “Os Ismailis têm vindo a ser governados por um Imam vivo e designado de forma hereditária desde a morte do Profeta Maomé. Ou seja, traçam a linha do Imamat por sucessão hereditária desde o primeiro Imam Ali até Sua Alteza O Príncipe Karim Aga Khan”, o atual líder da comunidade.

Quantos ismaelitas há em Portugal?

A Comunidade Muçulmana Ismaili em Portugal é constituída entre 8 mil a 10 mil pessoas.

É importante referir que os ismaelitas seguem duas Constituições distintas: a nacional do país de que são cidadãos e a Ismaili, e devem-lhes igual importância.

A comunidade “está presente nos quatro continentes e rege-se por uma Constituição, ordenada em 1986 e retificada em Lisboa em 1998, que à semelhança das anteriores, é fundada na aliança espiritual de cada um ao atual Imam, mantendo em simultâneo a aliança que todos os Ismailis devem às entidades nacionais dos países onde são cidadãos”, explica a nota.

Quem é Aga Khan?

Shah Karim al Hussaini, príncipe Aga Khan, é o 49.º imã hereditário dos muçulmanos ismaelitas, sendo considerado descendente direto do profeta Maomé.

Tido como uma das pessoas mais ricas do mundo, Aga Khan IV nasceu a 13 de dezembro de 1936 na Suíça, filho do príncipe Aly Khan e da princesa Tajuddawlah Aly Khan. Cresceu no Quénia, frequentou a Le Rosey School, na Suíça, durante nove anos, e estudou depois em Harvard, nos Estados Unidos.

Aga Khan sucedeu ao avô em 1957 como líder dos ismaelitas, o que o obrigou a durante vários meses viajar para conhecer as comunidades espalhadas pelo mundo, formando-se em História Islâmica dois anos depois, em 1959.

Tem hoje 86 anos, foi duas vezes casado e tem quatro filhos. Apaixonado por esqui, mas também por cavalos, Aga Khan criou um império que vai da banca à hotelaria e é conhecido pela sua discrição, apesar da imensa fortuna.

Uma parte significativa dessa riqueza destina-se a financiar projetos de desenvolvimento social, incluindo em Portugal, através da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN). Esta funciona num conjunto de agências privadas internacionais com a missão de melhorar as condições de pessoas em várias regiões do mundo através de projetos de desenvolvimento social e cultural, com um orçamento anual, para atividades sem fins lucrativos, que ronda os 600 milhões de euros, empregando 80 mil pessoas e estando presente em 30 países.

A presença ismaelita em Portugal cimentou-se com a chegada em 1983 da Fundação Aga Khan.

É desde essa data que os ismaelitas estão em Portugal?

Não, as relações da comunidade com o país são bem mais antigas, mesmo do tempo da ditadura, mas esse foi o ano em que essa fundação se estabeleceu em Portugal.

Em 1996, a Fundação Aga Khan Portugal foi oficialmente reconhecida, por decreto-lei, como uma Fundação Portuguesa, e em 1998 foi inaugurado o Centro Ismaili, nas Laranjeiras. Seria, no entanto, em 2015, que o nosso país passou a ter um papel fundamental para a comunidade ismaelita. A 3 de junho de 2015 foi assinado com o Governo português um acordo para o estabelecimento da sede formal e permanente do Imamat Ismaili (instituição ou gabinete do imã dos muçulmanos) em Portugal, em Lisboa.

Aga Khan disse na altura que o acordo representava um marco histórico nos mais de 1.400 anos da história do “imamat ismaili” (imamato ismaelita). O local escolhido foi o Palacete Henrique Mendonça,  na Rua Marquês da Fronteira, que passou a ser denominado como o "Diwan do Imamat Ismaili". Mais tarde, em 2020, foi adquirida a propriedade adjacente, o Palacete Leitão, por 13,5 milhões de euros.

Em 2005 já tinha sido assinado um protocolo de cooperação entre o governo português e o “Imamat Ismaili” e três anos depois um protocolo de cooperação internacional. Em 2009 Portugal reconheceu a personalidade jurídica do “Imamat Ismaili”.

Quanto a Aga Khan, o príncipe já foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito, e com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo. Além disso, em 2006, a Universidade de Évora conferiu-lhe o grau de Doutor Honoris Causa e, em 2009 Aga Khan tornou-se membro estrangeiro da Academia de Ciências de Lisboa.

Não obstante todos estes marcos, nos últimos anos as relações entre a Aga Khan e o estado português aprofundaram-se ainda mais.

Em que sentido?

Em 2018, Aga Khan escolheu Portugal como "o local ideal" para concluir as celebrações do aniversário do jubileu de diamante, 60 anos como imã dos muçulmanos shia ismaili, calculando-se que tenha atraído 45 mil fiéis de todo o mundo.

As celebrações contaram com uma receção com honras de chefe de Estado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a que se seguiu um encontro com o primeiro-ministro, António Costa, participando à noite num jantar em sua honra, oferecido pelo chefe de Estado, no Palácio de Queluz.

Houve também sessões na Assembleia da República, nomeadamente na Sala do Senado — onde, depois de cumprimentar os deputados, assinou o livro de honra e posou para a tradicional "foto de família" — e no Salão Nobre, em que esteve ao lado do, à época, presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e do ex-presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina.

As festividades foram ainda marcadas pela visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao Centro Ismaili de Lisboa para assinalar os 20 anos da sua criação, onde plantou uma oliveira, que se juntou a outra plantada há 20 anos pelo então Presidente da República Jorge Sampaio, presente também nessas comemorações.

Em 2019, Aga Khan tornou-se oficialmente um cidadão nacional. “O Governo concedeu ao Príncipe Aga Khan, a seu pedido, nos termos da Lei da Nacionalidade, a nacionalidade portuguesa”, anunciou o Ministério da Justiça, depois de o Presidente da República ter revelado a informação durante o encerramento dos Prémios Aga Khan para a Música.

A este gesto, o Imam tem reagido com repetidas ações beneméritas ao estado português.

Quais?

Só nos últimos anos, a Rede Aga Khan doou e financiou o restauro de três pinturas doadas a Portugal do pintor régio de D. Pedro II, Bento Coelho da Silveira:"Apresentação da Virgem no Templo" foi oferecida ao Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, ao passo que "Repouso no Regresso do Egipto" e "Virgem com o Menino e a Visão da Cruz" foram dadas ao Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

Além disso, apoiou com 250 mil euros a compra de uma salva de prata do séc. XVI para o Museu do Tesouro Real.

Noutra área de ação, como a da saúde, a comunidade ismaelita contribuiu com 250 mil euros para a “Resposta global ao COVID19 – Conferência de Doadores”, uma iniciativa europeia de desenvolvimento da vacina e tratamentos da Covid-19, e ofereceu um robô cirúrgico ao Hospital Curry Cabral, à época o primeiro no Serviço Nacional de Saúde.

*com Lusa