Filha de pai militar, Helena Ferro de Gouveia nasceu na Guiné-Bissau e conta que a dimensão da guerra sempre esteve presente na sua família. A vida levou-a a assentar na Alemanha por 20 anos, já a carreira deu-lhe o mundo como destino, tendo viajado para mais de 100 países, em 4 continentes, muitas dessas viagens em cenários hostis. Licenciada em Comunicação Social, pós-graduada em Direito da Comunicação e mestre em Liderança, sabe de cor o que é estar na guerra: "Na instituição onde eu trabalhava tínhamos uma preparação com uma psiquiatra, mas nada nos prepara totalmente para aquilo que vamos ver e enfrentar no terreno. Não é só o que se vê, é também o cheiro. A primeira coisa que se sente é o cheiro da morte".

Neste 50 minutos de conversa com Patrícia Reis e Paula Cosme Pinto, durante a Humanity Summit, em Lisboa, frisou que os "riscos quando se é mulher são acrescidos", principalmente em termos de assédio e de violência sexual. E relatou a sua própria experiência. "Sofri uma tentativa de violação quando estava na Namíbia, perto da fronteira com a Angola. A pessoa que me devia proteger, que era meu motorista, tentou violar-me. Demorei anos de terapia para ultrapassar essa experiência terrível, pensei que ia morrer ali. Consegui defender-me, nem sei como, mas não consegui apresentar queixa", conta, relembrando, porém, que a violência sexual em contexto de guerra continua a acontecer também em plena Europa, no século XXI, e que enquanto "demonstração de poder" é transversal: "Também há a violação de homens. E para um homem, dizer-se vítima consegue ser ainda muito pior. O objetivo de quem viola é sempre humilhar, desumanizar, partir a comunidade. Muitas vezes, não tem a ver com prazer sexual".

Embora as mulheres no papel de vítimas ou de cuidadoras sejam as narrativas mais comuns sobre a presença feminina na guerra, a comentadora da CNN Portugal fez questão de mostrar o outro lado da equação no seu mais recente livro. "Desde a China antiga que tivemos mulheres marechais, estrategas, pensadoras da guerra. Os vikings eram homens e mulheres. Muitos dos achados dessa época mostraram, através do ADN, que havia mulheres. Também na Segunda Guerra Mundial, o espião mais procurado era, afinal, uma mulher", lembra a autora de "Mulheres na Guerra - Combatentes. Comandantes. Espias". "Ainda hoje as mulheres têm de reivindicar esse lugar. Nas forças armadas ucranianas há muitas mulheres, mais de 60 mil. Temos mulheres snipers, em carros de combate, na linha da frente. Sempre houve. Mas muitas foram condenadas ao silêncio".

Contrariar o ciclo plural de silenciamento feminino é algo que faz proactivamente. "É muito importante as mulheres terem voz, não se deixarem interromper. Mas não é um processo fácil", explica Helena Ferro de Gouveia. "No meu caso, fiz um percurso, há muitas horas de estudo envolvidas, trabalho muito, não sou menos que um homem. Ando de moto, salto de paraquedas, disparo, não permito que me menorizem ou que me ponham a pedir desculpa. Não aceito que me façam mansplaining". Mãe de duas raparigas, assume-se como mulher de direita, católica praticante e feminista convicta, provando que nem tudo tem de ser incompatível. "Como feminista, acredito em construir pontes. Não acredito em fundamentalismo algum, nem político, nem ideológico. Acredito profundamente nos valores humanistas, independentemente de se ser católico ou não, de esquerda ou de direita, não importa. Há algo que nos une, e é isto de sermos humanos".

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