As denúncias de ilícitos em espaço escolar estão a diminuir, mas, mesmo assim, a PSP e a GNR registaram 6.422 ocorrências no ano letivo de 2017/2018. Lisboa é a zona do país com mais problemas: Quase 2.500 ilícitos chegaram ao conhecimento dos agentes policiais.
As equipas da Escola Segura da 4.º esquadra da PSP estão entre as que têm mais casos, sendo responsáveis por 116 escolas da cidade. A Lusa acompanhou durante um dia duas equipas desta esquadra e constatou que os pedidos de ajuda foram uma constante.
“Todas as escolas têm problemas - umas mais e outras menos - mas, muitas vezes, não passam cá para fora os problemas”.
“Há ocorrências que acontecem logo de manhã”, contou à Lusa o chefe João Cunha, coordenador da Escola Segura, a propósito do Dia Internacional da Não Violência e da Paz nas Escolas, que hoje se assinala, lembrando que o trabalho começa às 8:00, antes do toque de entrada para as aulas.
À Lusa, o agente Antero Correia desmistificou a ideia de que os problemas acontecem apenas nos estabelecimentos de ensino situados em zonas mais carenciadas: “Todas as escolas têm problemas - umas mais e outras menos - mas, muitas vezes, não passam cá para fora os problemas”.
A ideia é corroborada por João Cunha que recorda o dia de 2019 em que os agentes foram a uma escola secundária numa zona nobre de Lisboa fazer uma ação de sensibilização junto dos adolescentes para os perigos do tabaco e acabaram por fazer uma grande apreensão: várias armas brancas.
No seguimento desta apreensão, foi realizada uma busca domiciliária a um dos alunos e foram encontradas armas de fogo, entre as quais caçadeiras de canos serrados e revólveres.
No total, desta operação resultou a apreensão de 37 armas.
O chefe João Cunha garante que estas situações “não ocorrem todos os dias” e que o mais grave é perceber “a facilidade de aquisição de armas através de plataformas na internet”.
“Muitas vezes há conflitos nas escolas e a polícia nunca está presente”
Adérito Edengue é um dos alunos daquela escola e garante que o ambiente dentro da escola “é calmo”. O adolescente assume que tem colegas que gostam de fumar canábis, mas considera que isso “não é o problema”.
“No exterior é que é problemático”. Segundo o adolescente de 19 anos, os maiores problemas são provocados pelos estudantes de outra escola do mesmo agrupamento, situada a poucos metros.
“Muitas vezes há conflitos nas escolas e a polícia nunca está presente”, lamenta o jovem, dizendo que já houve casos em que “roubaram e bateram em miúdos do 7.º e 8.º anos”.
Os furtos, ofensas corporais, injúrias e ameaças estão precisamente entre os principais crimes registados na 4.º esquadra, refletindo um pouco os problemas das escolas de todo o país.
Os oito agentes têm de se desdobrar entre ações de sensibilização e informação nas escolas, que estão previamente agendadas, e os pedidos de ajuda de algumas das 116 escolas que telefonam diretamente para os polícias de serviço.
O agente Antero Correia traz no bolso do casaco dois telemóveis sempre ligados: um é da Escola Segura e o outro da Universidade Segura, um projeto-piloto que pretende alargar ao ensino superior o programa que, há 18 anos, começou apenas nas escolas mais problemáticas do país.
Ao longo do dia o telemóvel da Escola Segura de Antero Correia tocou várias vezes: desacatos à porta de uma escola, um furto e um comportamento desadequado por parte de alunos foram algumas das chamadas a que a Lusa assistiu.
“Temos de estar preparados para responder às chamadas das escolas que são constantes”, frisou João Cunha.
“Em dez anos passou-se do ‘bullying’ para o ‘cyberbullying’”
O programa Escola Segura abrange mais de oito mil escolas frequentadas por mais de um milhão de alunos.
Entre as missões da PSP estão as ações preventivas junto dos alunos. O dia de Antero Correia e Filipa Gomes começou precisamente numa sala de aula de uma turma do 5.º ano para debater o problema da violência nas escolas.
Durante a ação, cinco alunos acabaram por admitir que já tinham sido vítimas de ‘bullying’, outro dos problemas que assola as escolas.
O agente Antero Correia reconhece que houve mudanças na forma de agredir e humilhar: “Em dez anos passou-se do ‘bullying’ para o ‘cyberbullying’”. O que significa que o crime passou a ser mais difícil de detetar, mas, por outro lado, agora há mais provas, porque tudo fica registado.
À Lusa, a delegada de turma Camila Guerra, de 10 anos, admitiu que gostaria de ser “uma embaixadora do ‘bullying’”, ou seja, alguém sempre disponível para ajudar os colegas.
Para Camila Guerra, as “aulas” com os polícias são muito interessantes e “os temas abordados são sempre importantes”: “Antes falámos do abuso sexual e agora é sobre violência nas escolas”, referiu.
O colega Bruno Fontes Lima diz que já falou sobre estes assuntos com os pais e com a professora, mas admite que quando é a polícia a abordar os temas “parece muito mais sério” e “importante”.
Também a professora e diretora de turma Sandra Lourenço acredita nos benefícios da presença da polícia, que tem uma experiência e forma de falar diferentes. Além disso, acrescenta, o facto de os polícias estarem próximos, na sala de aula, é “importante para percebem que os agentes são pessoas que estão do lado deles para os ajudar”.
Apesar de considerar que a escola onde dá aulas não é problemática, Sandra Lourenço reconhece que hoje o ambiente é mais complicado. “Dou aulas há 22 anos e não está nada igual. Está tudo muito diferente”, contou a professora do 2.º ciclo, reconhecendo que “há mais agitação dentro da sala de aula”.
Segundo um inquérito feito às escolas portuguesas pelo professor Alexandre Henriques, especialista em gestão de conflitos, os casos de indisciplina começam a ser visíveis no 2.º ciclo (cerca de 34,2%) mas é no 3.º ciclo que os problemas se agravam: 63,2% dos casos registaram-se entre alunos do 7.º ao 9.º anos.
“A sociedade está extremamente violenta e a escola é um reflexo da sociedade. Os meninos vêm para a escola mais violentos e agressivos”, lamentou a docente Sandra Lourenço.
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* Sílvia Maia (texto) e Miguel Lopes (fotos), da agência Lusa
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