As equipas da PSP da Escola Segura realizaram, no passado ano letivo, só na 4.ª divisão 164 ações sobre violência escolar. A maioria foi dirigida a crianças e jovens, mas há cada vez mais professores e funcionários interessados no assunto.

“Os professores estão aflitos e preocupados e necessitam de aconselhamento sobre como agir”, conta à Lusa, a propósito do Dia Internacional da Não Violência e da Paz nas Escolas, que hoje se assinala, João Cunha, coordenador da equipa da Escola Segura da 4.º Divisão da PSP, em Lisboa, e que tem a seu cargo 116 escolas.

As sessões de esclarecimento com quem trabalha diariamente nas escolas são cada vez mais procuradas. “Temos vindo a ser abordados para essa dificuldade das escolas em exercerem a sua autoridade”, explica.

Na semana passada, uma equipa da 4.º divisão esteve na escola EB23 Paula Vicente a pedido da direção que queria saber como “prevenir futuras ações”, clarifica David Restelo, coordenador do estabelecimento de ensino.

Durante a ação percebe-se que os agentes conhecem bem alguns professores e alunos. A escola tem problemas que são do conhecimento da polícia. Mas a Paula Vicente não é uma exceção. O que se passa aqui repete-se um pouco por todo o país.

No ano letivo de 2017/2018, a PSP e a GNR registaram mais de seis mil ocorrências em meio escolar. Em média, os agentes tiveram de se deslocar 17 vezes por dia a uma escola do país, segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna que revela uma diminuição de registos.

O Ministério da Educação também garante que há uma tendência de redução dos casos de violência, mas a perceção de quem passa todo o dia na escola é bem diferente.

Na Paula Vicente, por exemplo, até o diretor que assumiu funções apenas em setembro já foi ameaçado por um encarregado de educação.

As injurias e ameaças são a terceira principal razão das queixas à PSP e GNR. Em primeiro lugar aparecem as ameaças à integridade física e depois o furto.

Durante a sessão de esclarecimento, as histórias de agressões entre alunos e de professores humilhados dentro da sala de aula sucedem-se. A maioria dos casos relatados aconteceram longe dali, mas ninguém na sala parece ficar admirado com a violência que existe no meio.

Além dos casos de professores agredidos e ameaçados por alunos, há docentes ameaçados por pais porque deram uma má nota ao filho, porque o mandaram para a rua ou apenas porque o repreenderam, como aconteceu com o diretor da escola.

Em setembro, David Casimiro censurou um estudante por bater num colega e, quatro meses depois, foi alvo de represálias. Em meados de janeiro, um encarregado de educação simulou ter um problema no carro e pediu ajuda ao diretor. Quando David Casimiro passou os portões da escola foi surpreendido. “O senhor vira-se para mim e diz-me: `Se voltas a ameaçar o meu filho, parto-te a cara toda´”, recorda.

Naquele momento, valeu-lhe dois funcionários que acorreram em seu auxílio. Ninguém ficou ferido, mas, muitas vezes, os auxiliares também são agredidos ao tentar defender professores ou separar alunos.

As agressões por parte de pais são cada vez mais frequentes. Para evitar que as escolas se transformem em campos de batalha, o agente Antero Correia recorda algumas regras de segurança básica que devem ser acauteladas.

Sair da escola para falar com encarregados de educação “não será a melhor opção”, alerta Antero Correia. Além disso, o professor deve ter ao seu lado “sempre alguém presente e chamar [o encarregado de educação] para a sua zona de conforto e zona segura”, acrescenta. No fim, o conselho de quem anda há uma década a acudir a problemas em escolas: “Não sai você da sua zona segura”.

David Casimiro reconhece que foi negligente porque nunca imaginou que tal poderia acontecer. Depois do choque, não hesitou e fez queixa à Escola Segura. A decisão é aplaudida pelo chefe da PSP: “Não podemos deixar que os pais queiram mandar aqui”.

Mas há muitas outras situações que nunca chegam ao conhecimento das autoridades e João Cunha admite que tem dificuldades em aceitar que as vítimas não façam queixa.

“Se um aluno insulta um professor na sala de aula não se pode ficar por um processo disciplinar. Isso é crime e é dever do professor fazer uma denúncia, caso contrário também poderá estar a incorrer no crime de ocultação”, lembra o chefe da PSP.

Professores agredidos, ameaçados e até expostos nas redes sociais são casos que chegam diariamente ao conhecimento da polícia.

Num email da direção da escola enviado para o chefe da 4.º Divisão da PSP, os professores apresentaram alguns cenários de problemas na sala de aula: “O aluno começa por provocar o professor dentro da sala de aula. O que faz o professor?”; “O aluno resiste a sair da sala de aula”… vai lendo João Cunha. Para os agentes da Escola Segura, nada disto é novidade.

Aos cenários sugeridos no email, João Cunha acrescenta casos reais muito mais violentos. Os agentes recordam umas fotografias “manipuladas de uma professora dentro da sala de aula em atos sexuais”. As imagens da “stora” tornaram-se virais.

“Aquilo estava mesmo bem feito”, recorda Antero Correia, explicando a dificuldade de conseguir repor a verdade.

“O ano de 2019 foi atípico no que toca à divulgação de imagens e sons dentro das salas de aulas”, acrescenta João Cunha.

No final, o chefe da PSP deixou um pedido: “Não hesitem, não tenham medo. A classe de professores não pode ter medo. Compete a cada um de nós exercer a autoridade que cada um de nós tem”

João Cunha acredita que até pode demorar, mas a “restituição da autoridade vai acontecer”. Até lá, lembra, “o aluno não pode ver medo nem fraqueza”.

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* Sílvia Maia (texto) e Miguel Lopes (fotos), da agência Lusa