Em comunicado hoje divulgado, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que a investigação da tragédia da praia do Meco — em que seis estudantes perderam a vida — foi ineficaz, dando razão à família de Tiago Campos, uma das vítimas. Portugal foi condenado a pagar 13 mil euros de indemnização.
Na noite de 15 de dezembro de 2013, quatro raparigas e dois rapazes da Universidade Lusófona de Lisboa foram arrastados por uma onda naquela praia de Sesimbra, tendo os seus corpos sido encontrados nos dias seguintes. Apenas um estudante, dos sete presentes, sobreviveu.
O acidente voltou a chamar a atenção para as praxes violentas que de vez em quando vinham a público, promovendo acesos debates entre quem olha para as praxes como uma forma de integração dos caloiros e quem as vê como meras práticas de humilhação e subserviência.
Os pais levaram o caso à justiça e sempre consideraram que as reais circunstâncias da morte nunca foram esclarecidas.
José Carlos Soares Campos, pai de Tiago Campos, apresentou queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por considerar que não tinha tido o benefício de uma investigação eficiente, capaz de descobrir as circunstâncias da morte do seu filho. O tribunal dá-lhe agora razão.
O pai do jovem questionou igualmente se o enquadramento legal existente à data relativamente às prazes era suficiente para prevenir, suprimir e punir as ofensas que colocaram em risco a vida do filho, numa referência às praxes. Nesta matéria, o tribunal considerou que não havia vazio legal.
A caso deu entrada no tribunal a 27 de maio de 2016.
O tribunal considera que a casa onde os estudantes estavam instalados deveria ter sido salvaguardada, isto é, devia ter sido impedido o acesso a pessoas externas à investigação para não comprometer as provas do caso — o apartamento terá sido limpo a 9 de janeiro de 2014, poucos dias depois do ocorrido.
Em segundo lugar, o tribunal salienta que "a inspeção do local do incidente deveria ter sido conduzida assim que possível, mas as análises forenses à casa não começaram até 11 de fevereiro de 2014 [após a referida limpeza]". A par, reforça, "a apreensão de itens na casa do Meco e na praia poderia prevenir a interferência de vários indivíduos e teria evitado à polícia ter de os reclamar mais tarde".
Nota ainda o tribunal, que as roupas utilizadas pelo aluno que sobreviveu na noite da tragédia e o seu computador podiam ter sido imediatamente apreendidos e submetidos a análise forense. Estes não foram obtidos até 7 de março de 2014.
Em quarto lugar, a reconstrução dos eventos na praia e o envolvimento do aluno que sobreviveu "deveria ter sido realizado assim que possível depois dos eventos. No entanto, isto não aconteceu até 14 de fevereiro".
Em quinto lugar, refere o tribunal, "não há a explicação para o facto de as autoridades não terem imediatamente recolhido testemunhos das pessoas presentes no local, incluindo os vizinhos e as pessoas responsáveis pela casa onde estavam as vítimas. Essas pessoas não testemunharam até 8 e 10 de fevereiro de 2014, isto é, um mês e meio depois dos eventos".
Por fim, "a investigação não foi iniciada até ser assumida pelo procurador público de Almada, mais de um mês depois dos eventos".
Por todas estas razões, considera o tribunal, "a investigação criminal às circunstâncias da morte do filho do requerente não satisfazem os requisitos processuais".
Assim, segundo a decisão publicada no ‘site’ do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), além dos 13.000 euros de indemnização, o Estado português terá que assegurar os mais de 7.000 euros de custas.
No entanto, o mesmo Tribunal também determinou que não havia vazio legal no que se refere às praxes, uma vez que a legislação nacional continha já uma série de “disposições penais, civis e disciplinares destinadas a prevenir, suprimir e punir ofensas pôr em risco a vida das pessoas ou a sua integridade física ou psicológica”.
"Embora reconheça a natureza indubitavelmente trágica do presente caso, a Corte não considerou que o Estado [português] tenha fracassado nas suas obrigações relativas ao artigo 2.º e [que pudesse] por isso ser responsabilizado pela morte do filho de Soares Campos [pai de Tiago André Campos]", refere o Tribunal.
A cronologia do caso
- 15 de dezembro de 2013: quatro raparigas e dois rapazes da Universidade Lusófona de Lisboa foram arrastados por uma onda no Meco, Sesimbra;
- 16 de dezembro de 2013: procuradoria abre uma investigação criminal para determinar as circunstâncias da tragédia;
- 9 de janeiro de 2014: o apartamento onde as vítimas estavam instaladas é limpo. Nesta limpeza foi alegadamente encontrada uma colher de madeira típica das praxes;
- 5 de fevereiro de 2014: o aluno que sobreviveu, identificado como J.G. neste processo, testemunhou dizendo aos investigadores que os colegas foram arrastados por uma onda;
- 25 de fevereiro de 2014: pais das vítimas avançam com uma queixa contra J. G., suspeito de homicídio por negligência. Os queixosos alegaram que as vítimas [alunos que participavam das praxes] foram sentados de costas para o mar e de olhos vendados, como parte de um desafio colocado por J.G.;
- 28 de julho de 2014: o procurador público deixa cair o caso. Os queixosos, pais das vítimas, apelam da decisão e requerem a abertura de uma investigação judicial. Esta é aberta em outubro desse ano e J.G. é acusado;
- 4 de março de 2015: O Tribunal de Investigação Criminal decide que o caso não deve seguir para tribunal, sustentado a decisão de descontinuar o caso. Os pais das vítimas apelam da decisão. Entretanto o Tribunal de Apelação de Évora considera que as vítimas eram adultos e não foram privados da sua liberdade e autonomia durante o fim de semana em que estavam a participar das atividades de praxe;
- 29 de dezembro de 2015: José Carlos Soares Campos, que avançou com o caso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, avança com uma ação civil contra J. G., procedimentos que continuavam aberto pelo menos até abril de 2018.
- 27 de maio de 2016: Caso dá entrada do caso no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
- 14 de janeiro de 2020: Tribunal Europeu dos Direitos do Homem dá razão a José Carlos Soares Campos e considera que a investigação à tragédia do Meco foi ineficaz e condena Portugal ao pagamento de uma indemnização de 13 mil euros à família. O tribunal não considera porém que tenha havido vazio legal relativamente ao enquadramento da atividade das praxes.
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