Uma sala repleta aguarda uma sessão organizada pelo Sindicato dos trabalhadores do setor do açúcar, ramo de Ancara, fundado em 1963 e situado num grande complexo industrial nos arredores da capital.

A pausa na atividade laboral é justificada pela presença de Tekin Bingol, 67 anos, vice-presidente do Partido Republicano do Povo (CHP, principal força da oposição), responsável pela organização política do partido desde 2014 e de novo candidato a deputado por Ancara.

O encontro reúne trabalhadores do ramo, do setor público e privado. Das 25 fábricas de açúcar que existem na Turquia, dez já foram privatizadas e registaram-se despedimentos. Os trabalhadores escutam Bingol atentamente e no final questionam o orador, que deixa a promessa do fim das privatizações caso o partido regresse ao poder.

Pressente-se apreensão. Alguns passam entre os dedos as contas do terço islâmico. Outros estão sentados em mesas onde por vezes se entretêm no popular jogo “ok” – peças tipo dominó com números coloridos que vão sendo colocadas num tabuleiro. Quase todos com farda de trabalho.

Uma carrinha que transporta outro candidato a deputado está identificada com o símbolo do CHP, de onde irradiam as “seis flechas” instituídas pelo mentor deste partido e fundador da República turca em 1923, Mustafa Kemal Ataturk.

São seis palavras-chave que o principal partido da oposição ainda reivindica: republicanismo, laicismo (secularismo), nacionalismo, populismo, estatismo e reformismo – uma designação interpretada como progressismo pelos setores “kemalistas” menos conservadores.

“Estas eleições são importantes não apenas para a Turquia mas para todo o mundo”, indica Tekin Bingol em declarações à Lusa no final da sessão, com a sala a desmobilizar.

Deputado entre 2007 e 2011, formado em Medicina, regressou ao Parlamento em 2015 ao ser eleito pelo segundo distrito eleitoral de Ancara e é um dos homens de confiança de Kemal Kiliçdaroglu, líder do CHP e candidato presidencial da oposição, que nas eleições de domingo tentará pôr termo a 20 anos de poder do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) e do Presidente Recep Tayyip Erdogan.

“Todos serão afetados por esta eleição. O atual sistema é negativo para a Turquia, um sistema presidencial de um só homem, e queremos alterá-lo para um sistema parlamentar democrático. Transpor a autoridade de um só homem para um parlamento que adote as leis necessárias para o país”.

Na perspetiva do dirigente da formação social-democrata e laica, as alterações constitucionais aprovadas por referendo em 2017 e que instituíram um regime presidencial deverão ser revertidas pela nova Assembleia Nacional, onde cabem 600 deputados.

A profunda crise económica da Turquia, com uma inflação sem controlo e desemprego acima dos dois dígitos, são evocadas diariamente nos encontros e comícios promovidos pelas forças da oposição, números de imediato contrariados pelo Governo e diversos institutos oficiais.

“É necessária mais justiça nos impostos, temos a intenção de planificar toda a vida económica. E sabendo que o aumento da produção é particularmente importante”, sublinhou, numa crítica velada à gestão neoliberal do AKP, também assolado por diversos casos de corrupção.

A repressão a diversos setores da oposição, com a detenção nas últimas semanas de dezenas de ativistas, mereceu uma resposta pragmática do dirigente “kemalista”.

“Kiliçdaroglu já prometeu, caso seja eleito Presidente, que em 100 dias irá analisar a situação dos presos políticos, em particular os acusados de terrorismo por alegadas ligações ao ilegalizado Partido dos Trabalhadores de Curdistão [PKK, a guerrilha curda] e dos professores universitários que foram afastados”, assegurou.

“Não somos juízes, mas respeitaremos uma decisão independente dos tribunais. O Tribunal Constitucional é o tribunal supremo, e o AKP não obedece às suas deliberações. São necessários julgamentos justos e a independência das instituições judiciais”.

A recusa pelos sociais-democratas de uma “política racista na Turquia”, os direitos das minorias, uma “gestão social” mais justa foi outro aspeto que sublinhou.

“Todos têm as suas ideias, a sua honra, que não devem ser suprimidas. Em relação às minorias, étnicas ou religiosas, a solução tem de passar pelo Parlamento, e com um Parlamento forte estes problemas podem ser solucionados”, frisou.

Tekin Bingol assegura que o CHP se tem preparado nos últimos cinco anos para um regresso ao poder, também para evitar erros do passado num partido com ampla, mas contraditória experiência governativa.

“Acredito que com Kiliçdaroglu na presidência e uma maioria de deputados eleitos pela nossa coligação, e em coordenação, iremos trabalhar arduamente para a mudança”, referiu.

Um eventual afastamento do AKP do poder que também implicará, na sua análise, alterações significativas no relacionamento internacional.

“Apoiamos a integração europeia da Turquia, no primeiro mandato do AKP existia muita esperança sobre este tema, mas acabou por colapsar. Penso que os restantes partidos da coligação pensam como nós e no Parlamento iremos conversar e colocar uma ênfase particular no processo de integração na Europa”, concluiu.

*Por Pedro Caldeira Rodrigues (texto) e Manuel de Almeida (foto), em Ancara / Agência Lusa