Na leitura do acórdão, realizada no Juízo Criminal de Sintra, sobre um caso de agressões numa paragem de autocarro na Amadora em 2020, a juíza Catarina Pires aplicou uma pena de oito meses de prisão para Cláudia Simões, suspensa na execução, por um crime de ofensa à integridade física qualificada, e condenou o polícia Carlos Canha a três anos de prisão, também com pena suspensa, por dois crimes de ofensa à integridade física e dois crimes de sequestro relativamente aos cidadãos Quintino Gomes e Ricardo Botelho, que tinham sido levados para a esquadra.

Os agentes Fernando Rodrigues e João Gouveia foram absolvidos do crime de abuso de poder, com o tribunal a entender que os dois polícias que foram chamados à ocorrência na Amadora não atuaram à margem da lei no exercício das suas funções.

Numa sala de audiência com dezenas de pessoas presentes, a magistrada descreveu os factos considerados provados e assegurou que “o racismo não teve nada a ver com a situação”, ao declarar que o agente Carlos Canha “deteve legitimamente Cláudia Simões”.

“O arguido Carlos Canha não atuou com qualquer motivação racista. Atuou como se impunha, usando os movimentos estritamente necessários para tal. O combate ao racismo impõe-se, mas foi aqui mal servido, baseado numa má perceção do caso e panfletário”, frisou.

Já em relação a Cláudia Simões, a juíza vincou que esta teria mentido para “passar por vítima” e que simulou “um desfalecimento” à entrada da esquadra para onde tinha sido levada, além de saber que a sua conduta era ilegal e que Carlos Canha era agente da PSP, mesmo estando fora de serviço naquele momento.

“Ninguém fez mal a Cláudia Simões. Cláudia Simões é que não quis pagar o bilhete à filha, deliberadamente atemorizou o motorista, recusou identificar-se, agrediu e empurrou. Serviu-se de impossíveis simulações e agressões. O choro da filha é à mãe que se deve”, disse, observando ainda que os vídeos gravados e depois partilhados nas redes sociais “são bem reveladores da atitude violenta e falsa” da mulher.

Quanto aos crimes pelos quais Carlos Canha foi condenado, a magistrada sublinhou que, apesar da confusão, “nada havia que justificasse a ordem de detenção” dos cidadãos Quintino Gomes e Ricardo Botelho, pelo que ambos deveriam ter apenas sido notificados como testemunhas, sem acabarem por ser agredidos a soco pelo agente.

“Carlos Canha sabia que o fazia como agente da PSP no exercício das funções e que Quintino Gomes e Ricardo Botelho não podiam ser detidos e levados para a esquadra, molestando o bem-estar físico dos assistentes. (…) Naquela data, quando descomprimiu, acabou por fazer o que nunca devia ter feito”, resumiu.

O tribunal entendeu ainda absolver Carlos Canha do pedido de indemnização de 200 mil euros de Cláudia Simões, mas condenou-o a pagar 3.500 euros de indemnização a Quintino Gomes.

Os factos remontam a 19 de janeiro de 2020, quando Cláudia Simões, cozinheira de profissão, se envolveu numa discussão entre passageiros e o motorista de um autocarro da empresa Vimeca, pelo facto de a sua filha, à data com 8 anos, se ter esquecido do passe. Chegados ao destino, o motorista decidiu chamar a polícia e, após alguns momentos de tensão, o agente Carlos Canha decidiu imobilizar Cláudia Simões, junto à paragem do autocarro, após esta se recusar a ser identificada.

Carlos Canha foi acusado de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, três de sequestro agravado, um de injúria agravada e um de abuso de poder, enquanto os agentes João Gouveia e Fernando Rodrigues respondiam por um crime de abuso de poder, por não terem atuado para impedir as alegadas agressões do colega. Cláudia Simões foi acusada de um crime de ofensa à integridade qualificada.

Condenados vão recorrer

A defesa do agente da PSP Carlos Canha e a família de Cláudia Simões garantiram hoje, à saída do tribunal de Sintra, que vão recorrer das condenações no caso das agressões numa paragem de autocarro na Amadora em 2020.

A juíza Catarina Pires aplicou uma pena de oito meses de prisão a Cláudia Simões, suspensa na execução, por um crime de ofensa à integridade física qualificada, e condenou o polícia Carlos Canha a três anos de prisão, também com pena suspensa, por dois crimes de ofensa à integridade física e dois de sequestro relativamente aos cidadãos Quintino Gomes e Ricardo Botelho, ambos levados para a esquadra, absolvendo-o das acusações de agressão a Cláudia Simões.

Foi perante uma manifestação antirracista de cerca de 30 pessoas com tarjas e cânticos à porta do tribunal, depois da leitura do acórdão, que uma das filhas de Cláudia Simões leu, emocionada, uma curta declaração na qual garantia que vão lutar pelos seus direitos e avançar com um recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

“Estávamos longe de imaginar que, depois do que fizeram à nossa mãe, no dia 19 de janeiro de 2020, ela fosse retratada neste tribunal como selvagem, arrogante e exagerada, mesmo perante todas as evidências. A vítima não pode ser transformada em culpada. Embora cansados, anunciamos que recorreremos desta sentença, pela minha mãe e por todas as pessoas que já estiveram ou possam estar a passar pela mesma situação”, afirmou.

A defesa do polícia Carlos Canha, a cargo da advogada Fátima Oliveira Esteves, manifestou também a sua vontade de recorrer da pena (aplicada em cúmulo jurídico) ao agente da PSP.

“Vamos recorrer, obviamente. Vou ainda analisar, mas vamos recorrer da condenação”, disse, sem querer fazer mais comentários aos jornalistas.

Neste processo eram ainda arguidos os polícias Fernando Rodrigues e João Gouveia, ambos acusados de um crime de abuso de poder e absolvidos hoje pela juíza, com o seu mandatário a insurgir-se contra os protestos à porta do tribunal.

“Estudem, vejam e analisem os processos. Isto é um circo que está montado à porta do tribunal e eu não tenho interesse nenhum nisto. Não estamos num país de justiça popular. Os juízes decidem em nome do povo, mas não é o povo que decide. São os juízes, que têm preparação técnica para esse efeito”, salientou José Abreu Fonseca.

(Notícia atualizada às 14h00)