Num debate em que foram os mais novos a sobressair, falou-se sobre a política de imigração da Europa, os desafios do alargamento da União Europeia a Leste e sobre o imperativo de uma política de defesa Europeia, capaz de responder uma deriva isolacionista dos EUA se Trump voltar à Casa Branca. E quanto a António Costa na presidência do Parlamento Europeu, só o PS garante o apoio ao ex-primeiro-ministro.

Marta Temido, cabeça de lista do PS, Sebastião Bugalho, da AD, João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, e Francisco Paupério, do Livre, estrearam esta noite a ronda de debates que antecedem as eleições europeias.

O pacto "imperfeito" para as migrações e asilo

A arrancar as "hostilidades" esteve a discussão em torno do novo pacto sobre as migrações e asilo, aprovado em abril deste ano.

Marta Temido, confrontada com o posicionamento favorável do seu partido a este pacto, assume-o como "o compromisso possível". É, diz, um pacto que assume uma "visão humanista e realista", mas que carece de melhorias. "Não podemos ter regras para a pesca da sardinha e não uma abordagem decisiva e determinada, de grande revolta, para com as tragédias que se passam no Mar Mediterrâneo".

Sebastião Bugalho, assume que é um pacto "com limitações", que apesar de reforçar a solidariedade entre estados-membros, é desigual quando permite aos países mais ricos pagar para não receber migrantes. E, critica, este novo pacto é "pouco ambicioso" no que concerne os mecanismos de migração legal, pelo que propõe-se levar à discussão no Parlamento Europeu novas regras para a atribuição do "cartão azul" europeu, o mecanismo da UE para atrair e manter trabalhadores altamente qualificados, nomeadamente, "baixar o salário" anual bruto necessário para ter acesso a este mecanismo, "democratizando o acesso".

O objetivo de reforçar os mecanismos de migração legal foi acompanhado por Cotrim de Figueiredo, para quem o foco está não apenas em "afinar" este pacto, mas em colocar em práticas regras que já existem, dando como exemplo a base de dados Eurodac, que permite recolher dados e monitorizar movimentos de migrantes dentro da Europa, e que continua por aplicar. "Se estamos verdadeiramente interessados em receber bem as pessoas temos de dar organização a isto. Há regras que hoje existem e que não são aplicadas", criticou.

A contrariar todos os demais — e por isso também a destacar-se no debate sobre esta matéria — esteve Francisco Paupério, que se manifestou "contra um pacto que permite prender crianças e separar famílias" ou "externalizar as fronteiras da UE". O candidato do Livre denuncia uma política de migração que coloca "um preço na vida de um refugiado [20 mil euros]" e que incentiva "países autocratas" a utilizar os refugiados como "arma" para pressionar os restantes países europeus. "Os Verdes europeus defendem que devemos ter um pacto que humaniza as causas das pessoas e isto não humaniza. Se é melhor ter um pacto assim ou não ter um pacto? É melhor não ter um pacto", concluiu.

Marta Temido não apreciou a crítica e apressou-se em esclarecer que "mercantilizar a vida humana não é o caminho" do PS, mas, defendeu, têm de existir mecanismos para "impulsionar os estados-membros a fazer coisas que não fariam de outra forma. A Europa também isso [consensos]".

Menos feliz foi a sua justificação para os problemas com a Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) dizendo que "as mudanças levam tempo a dar resultado". A extinção do SEF foi trazida a debate por Cotrim de Figueiredo, que criticou a falta de preparação da nova agência nacional. "Interessa pouco o que se proclama a nível europeu quando os países individualmente considerados não fazem a sua parte", disse. Sebastião Bugalho aproveitou para lembrar que "há 400 mil imigrantes em Portugal que estão à espera que os seus processos sejam concluídos". A par, acusou o PS de "entregar a política migratória em Portugal a redes de tráfico humano". "Demagogia", respondeu Temido.

A "conta" que ninguém quer discutir do alargamento a Leste

Questionados sobre o custo para Portugal do alargamento da União Europeia a  Leste — Albânia, Bósnia-Herzegovina, Geórgia, Moldávia, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia, Turquia e Ucrânia têm atualmente estatuto de candidato —, os cabeças e lista às europeias concordaram na base para discordar na forma.

Sobre a possibilidade de Portugal perder fundos europeus que podem divergir para países mais pobres — o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, defendeu a sua proposta de concretizar a próxima ronda de alargamento da União Europeia em 2030 —, Sebastião Bugalho salientou que "o alargamento não pode ser lido à luz do dinheiro que vamos perder, mas da Europa que vamos ganhar". À equação, Francisco Paupério acrescenta questões de "coesão e segurança". Cotrim de Figueiredo reitera que além da "obrigação moral" em fazê-lo, existem interesses de segurança e económicos que o sustentam. Marta Temido reiterou o "compromisso com o alargamento", mas assume que serão necessárias "adaptações" da UE.

E aqui é onde se levanta a voz da discórdia. Cotrim de Figueiredo defende um "alteração da estrutura lógica dos fundos europeus" para acomodar este alargamento — "hoje em dia 34% do orçamento europeu é dedicado à Política Agrícola Comum, e esta desproporção é insustentável". Os restantes defendem outras vias, como o aumento do orçamento da União Europeia através de receitas próprias — como, por exemplo, através da taxação das grandes tecnológicas —, ao invés de se sobrecarregar em impostos os contribuintes europeus ou alterar o modelo dos fundos.

Exercito único europeu? Há muito para fazer antes disso

Questionado sobre a resposta europeia a uma deriva isolacionista caso Donald Trump regresse à Casa Branca, Francisco Paupério defendeu que "o que a Europa precisa é de uma política de defesa comum. Antes de se falar de exército único há outros passos a dar". Entre esses passos está "uma discussão sobre qual será a política de defesa comum a seguir" e acautelar que "a reindustrialização militar da Europa não fica concentrada só em França". Por fim, lembrou, um exército comum é apenas um dos eixos de segurança europeia, trazendo para o debate temas como a segurança alimentar, energética e não só, o que passa em grande medida pela autosuficiência do bloco europeu em aéreas-chave.

Sebatião Bugalho defendeu que "cumprir com o mínimo exigido pela NATO até 2030 é uma prioridade". Portugal é um dos países que ainda não atingiu o valor mínimo de investimento na defesa, estabelecido nos 2% do PIB, estando atualmente a rondar os 1,5%. A par, o candidato da AD defende que é tempo de "a Europa assumir-se como pilar europeu da NATO", de forma não ficar tão dependente dos EUA — ideia que foi subscrita por Cotrim de Figueiredo. Nesta matéria, Bugalho destacou a proposta de serem utilizados mecanismos de mutualização de dívida (defense bonds) para aquisição de material militar, algo que não obrigue os estados-membros a escolher "entre construir um hospital ou comprar tanques".

Mais pragmático, Cotrim de Figueiredo assumiu que "quando se fazem escolhas e se definem prioridades há coisas que ficam para trás". Marta Temido tem isso bem presente e apressou-se a esclarecer que apesar de reconhecer a necessidade de "reforçar a nossa política de defesa comum", "obviamente não vamos investir em armas e não investir em habitação". E acrescentou — numa tentativa reiterada de mostrar as divergências existentes entre a AD e o grupo do Partido Popular Europeu — que os "defense bonds" são uma ideia que a PSD/CDS têm o no seu manifesto às europeias, mas que não tem coro no grupo parlamentar que integram.

Costa na presidência do Parlamento Europeu? Sem garantias

Foi António Costa a fechar o debate, ou melhor, a possibilidade de se vir a ter o ex-primeiro-ministro como presidente do Parlamento Europeu. Cotrim é perentório: "no meu ponto de vista não há vantagem [em ter António Costa como líder do PE], porque o que interessa é o que as pessoas fazem e pensam e não o sítio onde nasceram". Esta forma de ver as coisas tem, diz, "uns laivozinhos xenófobos". "Eu não sei entre que candidatos é que será a escolha", mas "António Costa nunca será capaz de reformar a Europa como achamos que será preciso".

Sem responder diretamente, Sebastião Bugalho recusa-se a deixar que António Costa ocupe um lugar central no debate às eleições europeias, até porque os eurodeputados não têm voto na matéria. Já Francisco Paupério defende que a seu tempo se verá: "António Costa ainda não se assumiu como candidato, vai depender de todos os outros candidatos, e aí teremos a nossa escolha".

Só Temido se atravessa por Costa, sem surpresa. "A visão que António Costa tem para a Europa é uma visão com provas dadas, (...) uma visão de solidariedade, é a garantia de que a Europa avança e não recua".

Quem ganhou o debate? A juventude

Com a matéria bem estudada, Francisco Paupério destacou-se neste debate pelo domínio dos dossiers e pela clareza com que conseguiu transmitir o posicionamento da sua candidatura. Focado, escusou cair na armadilha de misturar questões de política interna com temas europeus.Terá também beneficiado do elemento surpresa, uma vez que era, de todos os candidatos, o menos conhecido do grande público e sobre o qual recaiam mais dúvidas quanta ao desempenho num frente a frente.

Sebastião Bugalho, mais calmo, mais explicativo, quis mostrar que não foi uma escolha imponderada de Luís Montenegro e que tem ideias e propostas efetivas para a Europa. O impeto reformador do candidato da AD foi menos feliz quando sugeriu reforçar a participação em atos formais de países ainda em processo de adesão para "verem o ambiente", sendo prontamente lembrado pelo candidato do Livre que esse tipo de mecanismos de integração gradual já existem.

Sempre pragmático e fiel aos seus princípios, esperava-se um desempenho mais efetivo de Cotrim de Figueiredo que ora subscreveu propostas da AD, ora perdeu tempo precioso a discutir diretamente terminologias com Francisco Paupério ao invés de focar a conversa nas suas próprias propostas.

De mal semelhante sofreu Marta Temido, a derrotada da noite. A necessidade que  sentiu de defender o legado europeu e nacional do PS fragilizou a ex-governante neste debate, tendo ficado condicionada a jogar à defesa, incapaz  de focar o discurso nas propostas que tem para a Europa.