“Os dados confirmam estudos internacionais que sugerem que a população prisional tem mais patologia psiquiatra do que a população em geral, o que pode explicar as razões porque cometeram alguns crimes”, explicou hoje à agência Lusa Joaquim Cerejeira, coordenador do trabalho e professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (UC).
O estudo foi realizado durante cerca de um ano por psiquiatras e alunos da Faculdade de Medicina da UC e envolveu 101 reclusos, com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos, com inteligência normal (QI superior a 85), sem qualquer outra doença psiquiátrica.
Segundo o psiquiatra, que preside à Associação Cérebro & Mente, a investigação indica ainda maior “comorbilidade psiquiátrica (mais do que um transtorno) entre os reclusos com PHDA, patente nos altos níveis de perturbação obsessiva-compulsiva, depressão, ansiedade e sintomas de paranóia, bem como início precoce da criminalidade e reincidência”.
“Temos de atender à possibilidade de haver muitas pessoas que estão presas que poderiam melhorar o seu comportamento se fossem tratadas, porque nesta doença as pessoas são mais impulsivas e têm comportamentos fora das regras”, acrescentou.
O estudo revelou ainda que o grupo de reclusos com PHDA apresenta “mais experiências adversas na infância, maior consumo de estupefacientes previamente à reclusão, maior taxa de reincidência criminal e níveis mais elevados de psicopatologia atual e traços psicopáticos”.
De acordo com Joaquim Cerejeira, também clínico no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), os dados obtidos realçam a necessidade de diagnóstico e tratamento atempado, bem como a necessidade de intervenções psicossociais nos reclusos.
“O acompanhamento médico seria uma grande vantagem para o doente e para a sociedade, uma vez que o paciente teria menos probabilidades de se meter em problemas”, frisou.
O coordenador do estudo considera que “os delinquentes adultos com PHDA são frequentemente mal diagnosticados ou nunca foram devidamente rastreados, o que torna difícil o seu encaminhamento para os serviços de saúde mental”.
Para Joaquim Cerejeira, se o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estivesse preparado para o diagnóstico atempado da PHDA “muitas pessoas não cometeriam crimes”.
“O ideal seria, no futuro, o reconhecimento da doença na infância, quando os sintomas começam, e iniciar o seu tratamento”, sublinhou o psiquiatra, referindo que o SNS desvaloriza a doença e não há “muitos médicos e serviços a tratar desta patologia”.
As conclusões do estudo indicam que o correto diagnóstico e tratamento (farmacológico e não farmacológico) de PHDA na infância ou mesmo na idade adulto podem ter efeito benéfico sobre os caminhos para o comportamento delinquente, prevenindo a criminalidade.
A PHDA é uma doença neuropsiquiátrica crónica que se caracteriza pelo excesso de atividade motora, impulsividade e/ou desatenção, em maior frequência e gravidade do que habitual, perturbando negativamente a capacidade para estudar, trabalhar ou ter relacionamentos familiares e sociais.
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