Eleito, por unanimidade na noite de sábado, novo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, não se perdeu em palavras na sua primeira intervenção nessa qualidade. Num forte apelo à mobilização do "coletivo partidário", o novo líder comunista pediu que "todos e cada um dê mais um pouco, faça mais um esforço, ganhe mais confiança" e estendeu o apelo a "toda a sociedade", afirmando: "Não estamos, nem queremos estar sós".

No discurso com que finalizou a Conferência Nacional do partido, Raimundo enumerou todas as frentes de luta do PCP: pelo direito das crianças e dos jovens, pelo direito a uma reforma digna, pelo SNS, a educação pública e gratuita, a cultura, entre muitos outros problemas do país, não se eximindo de falar da guerra na Ucrânia, apelando a negociações, porque “o fogo não se apaga com gasolina”.

Foi, todavia, a atual política do Governo PS que mereceu do novo líder comunista a maior crítica, se bem que de forma menos veemente com que outros dirigentes comunistas o fizeram, ao longo do dia e meio de trabalhos no pavilhão no Alto do Moinho.

“Não nos faltam razões para lutar, e todos os dias se somam novas. Aí estão mais três mil milhões de razões, uma por cada euro de lucro de 13 grandes grupos económicos nos primeiros nove meses deste ano”, afirmou.

“A isto não se chama crise, isto tem outro nome, injustiça”, realçou, assim caracterizando e criticando as políticas do Governo PS.

Segundo o novo secretário-geral, essas opções do Governo estão “bem evidentes no Orçamento de Estado” e é a mesma das forças políticas de direita, um tema que outros delegados à Conferência referiram com frequência ao longo dos dois dias de trabalho.

Esta opção “é com mais ou menos berraria e aparente discordância, a opção de fundo de PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal”, disse.

Este mesmo ponto foi repetido por outros intervenientes durante a Conferência, nomeadamente Jerónimo de Sousa que, no seu derradeiro discurso como secretário-geral, se pronunciou contra um PS a fazer "costas com costas" com o PSD, o CDS, a IL e o Chega "no que era decisivo para garantir os interesses do grande capital".

E o ex-líder parlamentar, João Oliveira, que geriu a atividade da bancada do partido no tempo da "Geringonça", a que o PCP se refere como "nova fase da vida nacional", endureceu o discurso ao defender uma rutura total com o Partido Socialista.

No mesmo sentido, a atual líder parlamentar, Paula Santos, advogou que, com a maioria absoluta do PS, voltou “o discurso das inevitabilidades”, da degradação das condições de vida dos portugueses, desafiando o Governo a acolher propostas dos comunistas no Orçamento.

Dirigentes nacionais, regionais e setoriais apelaram à mobilização para "tomar a iniciativa" de liderar as lutas em torno dos problemas concretos das populações.

Foi o caso de Margarida Botelho, membro do Secretariado do PCP, que apelou a que os militantes fizessem “um trabalho de formiga”, dando “estímulo e confiança” a quem precisa para dar o primeiro passo.

O papel do PCP é “tomar a iniciativa (…) proporcionar os contactos, as conversas, os espaços de convergência que façam das injustiças força para lutar”, disse.

É “um trabalho de formiga, de esclarecimento e construção, que é simultaneamente um trabalho de massas, audaz e confiante”, disse.

A mensagem foi reforçada por Armindo Miranda, membro da Comissão Política: “Estamos proibidos de desistir”, disse, acrescentando que se pode “fazer melhor”, até porque “há muitas formas de luta”, e deu exemplos: greves, marchas lentas, cortes de trânsito, abaixos-assinados, entre outras.

Coube ao comunista Francisco Lopes fazer a intervenção mais ideológica, em que afirmou a fidelidade à matriz marxista-leninista e ao objetivo da luta por uma sociedade socialista, sem exploradores nem explorados. E advertiu para os ataques do capital ao partido, avisando, "não ficam sem resposta".

No discurso, Paulo Raimundo também falou para "dentro" do partido, avisando que “há quem salive e desespere pelo fim do PCP”, apesar de reconhecer insuficiências que acredita que serão ultrapassadas: "Aqui não escondemos as nossas próprias insuficiências. Identificamos os problemas, procedemos à crítica e à autocrítica, mas o que sobressai de todo este processo é a confiança e a determinação para superar dificuldades".

“Pois daqui fica o conselho, esperem sentados, porque um partido ligado aos trabalhadores, às populações, aos seus problemas e anseios, determinado em lhes dar esperança, um partido assim e como aqui se reafirmou na Conferência, a única coisa a que está condenado é a crescer e a alargar a sua influência”, defendeu, num dos momentos altos do seu discurso em que foi mais aplaudido.

*com Lusa