A seca não é de agora, mas agravou-se com um início de um outono pouco chuvoso e com temperaturas acima dos 30 graus celsius. De norte a sul do país, a situação está a alarmar agricultores, criadores de gado, autarcas e população. Os dados de setembro do boletim mensal do Serviço Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) mostram que a maior parte das bacias hidrográficas tinham níveis de armazenamento abaixo da média para esta altura do ano. No distrito da Guarda, os números não são alarmantes, mas ainda assim causam alguma preocupação.

No início do ano, a capacidade total de armazenamento da Barragem do Caldeirão – que abastece as freguesias do concelho da Guarda e várias localidades de Celorico da Beira, Fornos de Algodres e Pinhel – situava-se nos 85,9 por cento e até maio (mês em que atingiu os 89,7 por cento) as oscilações foram pouco significativas. A grande diferença regista-se na transição de julho para agosto: a taxa passou de 75,3 para 59,1 por cento. Em setembro a capacidade total de armazenamento da albufeira já era de 52,4 por cento, quando no período homólogo se situava nos 65,4 por cento (uma variação de 13 pontos percentuais). O INTERIOR falou com Sérgio Costa, vereador da Câmara da Guarda e presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS), que remeteu o assunto para a Águas do Vale do Tejo por ser «a empresa responsável pela captação, tratamento e distribuição da água em alta».

Contudo, a falta de água na barragem começa a ter efeitos e em Fornos de Algodres já foram tomadas medidas para a racionar: as piscinas municipais fecharam e houve um corte na rega dos jardins públicos. «Na passada terça-feira o nosso açude estava completamente seco. Já não tínhamos água para fazer face às necessidades básicas da população», confirma Manuel Fonseca, lembrando que «é importante alertar a população para a forma como usa a água». «O abastecimento para consumo humano está garantido pelo menos até meados de novembro, mesmo que não chova», acrescenta o autarca com base em informação da Águas do Vale do Tejo. Embora o cenário esteja normalizado, a aldeia de Forcadas vive uma situação «mais complicada», pois o depósito tem sido «periodicamente abastecido por uma cisterna dos bombeiros», adianta Manuel Fonseca, dizendo ser urgente que os autarcas revejam «posições relativamente à forma como a água é gerida» na região.

Agricultores preocupados com o ano que aí vem

De acordo com o IPMA, o período de abril a setembro foi «extremamente seco», com valores mensais da quantidade de precipitação inferiores ao valor médio. As temperaturas altas e a falta de chuva fizeram de 2017 o segundo ano mais seco, depois de 2005.

Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a Barragem do Sabugal tem neste momento uma capacidade total de armazenamento de 63 por cento. «O que mais me preocupa é a questão da pecuária», admite o presidente da Câmara. António Robalo alerta que este é um ano «preocupante» e espera que chova: «Se chover o problema resolve-se. Já é altura de termos água», deseja o autarca, segundo o qual o consumo humano está garantido. A preocupação são as explorações agrícolas do concelho raiano: «A medida prioritária que adotámos foi a reativação de captações antigas, mas é uma ação pontual e de recurso. O que precisamos são estratégias de longo prazo», refere o edil sabugalense. António Robalo pede, por isso, «uma abordagem global da região em termos de reservas estratégicas de água para que no futuro seja mais fácil responder a estes défices».

A ausência da chuva não se sente apenas nas albufeiras, também as charcas estão vazias, o que dificulta a vida aos agricultores. É o caso de Joaquim Nobre, que se dedica à agropecuária há mais de 20 anos. «Estou a ter muitos problemas por causa da falta de água», adianta o criador de 49 anos que tem cerca de 100 vacas aleitantes em Badamalos (Sabugal). «O que me vale é que passa ali perto o Rio Côa», afirma, dizendo que «num ano normal não há necessidade de ir ao rio». Para este agricultor foi uma «grande ajuda» a autarquia ter reativado captações antigas. «Se fosse um ano como outros, as charcas que temos nos terrenos teriam água. Mas este é um ano fora do normal e não está fácil», garante Joaquim Nobre.

À falta de precipitação, e de comida, acrescem os gastos. «A palha, em anos normais, custaria 5 cêntimos. Neste momento está a 8,5 e se isto continuar por mais um mês é possível que chegue aos 10 cêntimos», lamentou o produtor, afirmando que aquela zona «é muito problemática», pois «vai-se embora o calor e vem a geada». Joaquim Nobre acredita que não haverá pastos até à próxima Primavera, mas ainda assim pede chuva. «É importante que chova porque isso será bom para as sementeiras e para as palhas. Se houver sementeira haverá produção para o ano e as coisas equilibram-se», acredita, augurando que «o resto deste ano será muito complicado e o próximo também».

Situação preocupante no Vale do Rossim

Na região, a situação mais complicada é a da albufeira do Vale do Rossim (Gouveia), que serve as centrais de aproveitamento hidroelétrico da Serra da Estrela e apresenta uma capacidade total de armazenamento inferior a 50 por cento. Em setembro a ocupação hidrográfica estava nos 20,7 por cento, quando no período homólogo era de 40,7 por cento (uma descida de 20 pontos percentuais). Estes valores não têm influência no abastecimento da população, uma vez que a maior parte das freguesias do concelho de Gouveia é abastecida pelo sistema municipal das Águas do Vale do Tejo e algumas fazem a sua “autogestão”.

A O INTERIOR, o autarca Luís Tadeu adianta que duas das freguesias que gerem o seu abastecimento – São Paio e Vila Cortês da Serra – estão a sentir algumas dificuldades: «Penso que Vila Cortês já terá ultrapassado o problema, mas São Paio ainda vive uma situação complicada e julgo estar a haver racionamento da água», lamenta o edil. Naquela aldeia o abastecimento tem sido feito através de cisternas dos bombeiros para os depósitos da freguesia e, durante a madrugada, a água da rede é cortada para não haver desperdícios. «Está a haver um controlo no consumo humano», confirma Luís Tadeu, sublinhando que, ainda assim, «ninguém deixou de ter água». «Se continuar este período de seca, com este calor e falta de humidade no ar, é possível que haja problemas sérios», receia Luís Tadeu, declarando que no seu município o abastecimento a explorações agrícolas é «o mais afetado».

Aguardando as chuvas do Inverno

A cerca de 50 quilómetros da cidade mais alta está a Covilhã, mas nem a distância encurta o problema. A Barragem do Viriato, que abastece o concelho, registava em setembro uma capacidade total de armazenamento de 45,7 por cento – uma diferença de 15 pontos percentuais em relação ao período homólogo. «Ainda não entrámos no quadro de situação problemática», afirma Rui Moreira, administrador não executivo da ICOVI (empresa que fornece a água à Águas da Covilhã). Diminuição da periodicidade da rega dos jardins, exploração de captações superficiais, bombagens a partir do rio e captações do regadio da Cova da Beira são algumas das alternativas que, segundo Rui Moreira, podem ser tomadas dentro de semanas pela Águas da Covilhã. «O alarmismo não é bom conselheiro nestas matérias», alerta o responsável, para quem «não podemos fazer muito mais, só nos resta esperar que chegue o Inverno e a chuva».

Agência Portuguesa do Ambiente atenta ao problema

«A APA e as entidades que integram a Comissão de Gestão de Albufeiras estão a avaliar de forma ativa a evolução dos níveis de armazenamento das albufeiras, racionalizando os usos para evitar atingir situações críticas e garantir os usos prioritários, nomeadamente o abastecimento público», respondeu a O INTERIOR a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Aquele organismo considera que a situação das albufeiras da Covilhã e Sabugal «está dentro dos valores habituais para a época do ano, mas as altas temperaturas e a falta de precipitação no início do novo ano hidrológico revelam a importância dos usos da água serem racionalizados, incluindo os usos urbanos». A APA acrescenta que, «mesmo que a água não falte nas torneiras, não significa que não se deva promover o seu uso eficiente e regrado». A 19 de julho a Comissão Permanente da Seca definiu várias medidas, que estão a ser implementadas em todo o país e, em particular, nos locais onde foram identificadas as zonas mais críticas. O INTERIOR tentou falar com os responsáveis das empresas Águas do Vale do Tejo e Águas da Teja, responsável pelo abastecimento no concelho de Trancoso, mas não obteve respostas até ao fecho desta edição.

Por: Sara Guterres