Na nova Faculdade de Medicina, da Universidade Católica Portuguesa (UCP), fazem-se os últimos preparativos para a inauguração: As salas e laboratórios decoram-se com equipamentos prontos a estrear, na biblioteca as prateleiras ainda despidas esperam para se encherem de milhares de livros e os corredores são percorridos por trabalhadores que, numa corrida contra o tempo, preparam tudo para a inauguração, na segunda-feira.
Rodeado de macas e manequins numa das muitas salas da faculdade, o diretor, António Medina de Almeida, revela em entrevista à agência Lusa as suas expectativas para o último dos próximos seis anos, quando estiver a ver sair os primeiros médicos ali formados.
“Gostava de ver médicos confiantes, dedicados ao doente, dedicados a promover a saúde na sociedade e dedicados, sobretudo, a desenvolver a saúde na sociedade”, resume.
O Mestrado Integrado de Medicina da UCP será o primeiro curso de Medicina ministrado em Portugal por uma instituição privada. Depois de um processo de acreditação que começou há quase três anos, em 2018, é inaugurado já na segunda-feira, no ‘campus’ de Sintra, em Rio de Mouro.
O novo curso pretende não ser igual aos outros e uma das principais diferenças identifica-se, desde logo, no processo de seleção. Para entrar na Faculdade de Medicina da UCP não basta ter boas notas, é preciso mostrar vocação para ser médico.
Com apenas 50 vagas para o primeiro ano letivo, os mais de 600 alunos que manifestaram interesse em candidatar-se tiveram de passar por um processo de seleção que incluiu um teste de competências e oito mini-entrevistas e nessa fase o número de candidatos já tinha sido reduzido a cerca de 200. No final, as notas de candidatura variaram entre 19,3 e 17,4 valores.
“Nós queremos ter pessoas que querem ser médicos, mas em todas as suas competências, desde a académica, à científica, à comunicativa, à empatia com os doentes e à integridade. Todas as características que o médico precisa ter, é o que nós queremos recrutar”, justificou o diretor.
Entre conhecimento geral e motivação para estudar Medicina na UCP, foram também avaliadas competências como a comunicação, com os candidatos a serem desafiados a montar um modelo de Lego, descrevendo passo a passo todo o processo. Em outro exercício, tiveram de explicar como reagiriam perante alguém que estivesse a ter um ataque de pânico no avião.
“Ao avaliarmos todas estas competências, chegamos ao fim das entrevistas com uma visão muito completa daquilo que cada candidato podia trazer para a faculdade e também daquilo que a faculdade podia dar a cada candidato”, explicou António Medina de Almeida, relatando que os próprios alunos também se sentiram mais valorizados.
“Isso não só reflete positivamente sobre o aluno, porque temos alunos satisfeitos que estão verdadeiramente a fazer aquilo que querem, como também reflete sobre a faculdade, porque o sucesso de uma faculdade acaba por ser medido pelo sucesso que os seus estudantes”, adiantou.
Na opinião do diretor da nova Faculdade de Medicina, trata-se de competências importantes em qualquer bom médico e, por isso, além de avaliadas logo à partida, também serão trabalhadas ao longo do curso.
A partir do primeiro ano, os alunos vão poder participar numa espécie de consultas com doentes simulados, que são gravadas e depois revistas e comentadas em conjunto. O objetivo é que estejam mais bem preparados quando estiverem com doentes a sério, uma lógica que não só se aplica às chamadas ‘soft skills’.
“Desde o primeiro ano que os alunos já começam a ter contacto com técnicas profissionais, de maneira a terem muito mais à vontade, muito mais confiança e mais competências quando chegarem à fase de terem contactos com doentes”, afirmou António Medina de Almeida.
Esse trabalho vai ser desenvolvido na sala onde o diretor falou à agência Lusa, um dos muitos laboratórios de competências da Faculdade de Medicina, onde o modelo será a aprendizagem através da resolução de problemas, trabalhados em pequenos grupos de 10 pessoas, a par das aulas teóricas tradicionais.
A metodologia de ensino, bem como todo o currículo, foram importados da Universidade de Maastricht, nos Países Baixos, parceira da Católica neste curso, e é um dos principais diferenciadores do plano curricular, defendeu António Medina de Almeida.
Outro aspeto que também distingue este de todos os outros cursos de Medicina ministrados em Portugal é, naturalmente, o valor das propinas. Para se formarem na UCP, os futuros médicos terão de pagar 1.625 euros mensais ao longo dos seis anos do curso. No total, são 97.500 euros a que acrescem ainda outras taxas e emolumentos.
Questionado sobre os custos, o diretor não foge à pergunta e admite a necessidade de “desmontar um bocadinho porque é que este curso é tão caro”, ressalvando que as contas já foram feitas e o custo de formar um médico ao longo de seis anos ultrapassa os 100 mil euros.
“Ainda assim também temos que perceber porque é que é tão caro. Eu acho que olhando para esta sala percebe-se imediatamente que o equipamento para um curso de Medicina é completamente diferente do equipamento para um curso de Direito ou de Economia”, começou por justificar.
António Medina de Almeida referiu também os custos associados aos diferentes laboratórios da faculdade, à sala de anatomia que foi preparada para receber corpos que serão depois estudados pelos alunos, e aos recursos humanos.
A Faculdade de Medicina da UCP será inaugurada na segunda-feira, que marca também o primeiro dia do ano letivo, numa cerimónia em que estarão presentes o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa.
Alargar oferta formativa é “mais-valia para o país”
“Eu acho que tudo o que sejam novas ofertas formativas, mais competição, mais contribuição para o tecido educativo e de investigação nacional, é uma mais-valia para o país”, disse António Medina de Almeida.
O diretor recordou o processo moroso até à acreditação do mestrado integrado da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e a oposição de várias associações, numa altura em que o tema da formação médica voltou a estar em debate.
“Eu prefiro olhar para os comentários que foram feitos não tanto como uma crítica, mas como uma preocupação legítima que todos temos, de que as ofertas novas sejam de qualidade”, admitiu o responsável.
Ao longo dos quase três anos em que se prolongou o processo de acreditação do novo curso, levantaram-se vozes críticas, que argumentavam que o alargamento da oferta ameaçaria a qualidade da formação médica, que sobrecarregaria as instituições de saúde formadoras da região de Lisboa, ou que as necessidades do país em termos de recursos humanos não estavam a ser consideradas.
Alguns dos mesmos argumentos voltaram a ser invocados recentemente, depois de o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior ter defendido o alargamento do ensino da medicina até 2023, com a abertura de três novos cursos, em Aveiro, Vila Real e Évora.
Comentando o recente debate, que não tem sido muito diferente daquele que há cerca de um ano tinha no seu centro o novo curso da UCP, o diretor da Faculdade partilhou a visão do ministro Manuel Heitor, sublinhando os objetivos da sua própria escola.
“O nosso objetivo é, principalmente, preenchermos e adicionarmos oferta educativa em Portugal”, sublinhou António Medina de Almeida, para quem uma nova e diversificada oferta formativa é também um contributo para aumentar a riqueza educativa do país.
Por outro lado, o também diretor do serviço de hematologia clínica do Hospital da Luz em Lisboa, considera que aumentar a oferta e, no caso concreto da UCP, alargá-la ao setor privado, é igualmente uma forma de manter em Portugal muitos bons alunos.
“Nós temos muitas faculdades excelentes em muitos pontos do país, mas continuamos a ter muitos alunos, muito bons, que vão para fora estudar Medicina. Com esta Faculdade, queremos não só reter o talento que perdemos quando os alunos vão para fora, mas também diversificar a oferta formativa”, defendeu.
Na semana passada, declarações do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior geraram polémica também por Manuel Heitor ter sugerido que a formação de um médico de família não precisa de ter a mesma duração ou complexidade do que outras especialidades.
Questionado sobre a posição da Católica sobre este tema, e da Faculdade de Medicina em particular, o diretor da instituição assegurou que a Medicina Geral e Familiar será “uma das grandes apostas” do novo curso.
“Nós reconhecemos que os cuidados de saúde primários, com a proximidade que podem ter das pessoas, são muito, muito importantes. Vamos ter um tempo grande de estágios em unidades de saúde familiar e vamos focar muito na prevenção primária”, antecipou.
Sobre as declarações do ministro, António Medina de Almeida admitiu que “os anos de formação talvez não precisem ser tão largos, mas a dificuldade mantém-se lá e é muito importante”.
Numa altura em que se ultimam os preparativos para a inauguração da Faculdade de Medicina, sediada no ‘campus’ de Sintra, em Rio de Mouro, António Medina de Almeida respondeu também a algumas das críticas e ressalvas de que o novo curso foi alvo.
Referindo a parceria com o Grupo Luz Saúde, assegurou que os hospitais não seriam sobrecarregados pelos novos alunos, da mesma forma que a experiência dos estudantes não seria limitada, já que terão também contacto com o Serviço Nacional de Saúde, através dos centros de saúde da região de Lisboa e do Hospital Beatriz Ângelo.
O responsável reafirmou ainda a qualidade da formação da Católica, referindo como um dos principais destaques a proximidade entre alunos e docentes, com algumas aulas em que as turmas são constituídas por 10 pessoas, a integração de apenas dois estudantes em cada equipa médica nos estágios clínicos, e a atribuição de um mentor a cada aluno, que o acompanhará ao longo dos seis anos do curso.
*Por Mariana Caeiro (texto) e Mário Cruz (foto), agência Lusa
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