Eles são Carvalho, Mendes ou Gomes, entre outros, alguns transformados “em Mendy ou Gomis”, explicou Eugène Tavares, diretor da Unidade de Artes e Letras da Universidade Assane Seck, de Ziguinchor, uma instituição pública.
Casamança foi cedida a França em 1886, após 241 anos de presença portuguesa que depois recuou as fronteiras e se ficou pela Guiné-Bissau, a sul, mas os apelidos são apenas um dos sinais da cultura que ainda hoje existe e que se tenta preservar.
“Os portugueses deixaram aqui um património que devemos valorizar” uma vez que continua a ser “desconhecido pela população de Ziguinchor e do Senegal”, disse Eugène Tavares à Lusa.
A herança lusófona é uma das suas paixões e levou-o a presidir à organização de um colóquio de três dias, que terminou na sexta-feira, sobre a presença lusófona em Casamança.
O Senegal “é o único país francófono que tem um crioulo de base lexical portuguesa”, porque embora Casamança tenha sido entregue aos franceses, os luso-africanos cujos laços se estendiam a Cacheu, Bissau e Bolama, mantiveram-no vivo, até hoje.
Da mesma forma há edifícios com arquitetura portuguesa, gastronomia (como os caldos, semelhantes aos da Guiné-Bissau), trajes, usos e costumes que descendem da tradição portuguesa e que se mantiveram como sinais identitários apesar das mudanças políticas.
“Parece-me que o nosso país não tem consciência desta grande riqueza”, lamentou Eugène Tavares, que encara o colóquio como “um primeiro passo”.
“Queremos continuar este trabalho de pesquisa”, porque “a partir do momento em que vamos identificar este património, é uma parte da nossa memória que vamos descobrir”.
Para Leopoldo Amado, diretor-geral do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) da Guiné-Bissau e um dos oradores convidados, África é feita de diferentes linhas históricas que se cruzam e a colonização portuguesa é uma dessas linhas — por mais desagradável que seja recordar o comércio de escravos, por exemplo.
“Houve gente que herdou a cultura, descendentes de colonos portugueses que adotaram a língua portuguesa no processo de escolarização, que se diferenciaram da restante população africana e passaram a ter uma posição de predomínio ao nível político, mas também ao nível comercial. Isto produziu-se ao longo de vários séculos”, destacou à Lusa, ao explicar como foi possível preservar a herança cultural até hoje.
Faltam dados que mostrem de quantos luso-africanos ainda é feita a Casamansa – por entre outros povos locais, como os Diola ou Bainounck -, mas há um número que mostra o interesse pela lusofonia: o número de estudantes de Português está a crescer em todo o Senegal – a língua é uma das seis que os alunos têm que escolher no percurso escolar público.
Natália Pires, docente na Escola Superior de Educação de Coimbra, foi a única convidada que viajou expressamente de Portugal para participar no colóquio organizado pela Universidade de Ziguinchor e encara o legado como “parte da história” de Portugal e da identidade lusófona.
“Nós somos um povo cuja identidade foi construída a propósito daquilo que conheceu fora das fronteiras portuguesas. Nós somos também fruto do contacto que mantivemos com os outros povos”, sublinhou.
Eugène Tavares espera organizar novas edições do colóquio que este ano foi sobretudo “uma reunião científica”, que juntou especialistas em diferentes disciplinas, da História à Sociologia, passando pela Literatura.
Em certa medida, há a noção de que se trata de uma corrida contra o tempo, porque “a nova geração não conhece esta parte da história da região e do Senegal”, mas ter o anfiteatro cheio durante três dias de debate talvez seja um bom augúrio.
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