Chegando ao largo em frente à capela de Santa Justa, em Valongo, distrito do Porto, já não há indícios do teatro de operações. Só dois repórteres vão arrumando um tripé e uma câmara num carro. Não há bombeiros, polícia, Proteção Civil — só povo, que vai chegando pouco depois da hora do almoço.
“O que é que vêm cá fazer?”, perguntamos aos dois homens que conversam junto à capela. Riem. “Olhe, é a curiosidade”.
“Não é todos os dias que isto acontece”, diz um deles, depois de vir do lugar onde está a antena. “É quase como se caísse um avião”. É de São Pedro da Cova, no concelho vizinho de Gondomar, e veio à procura de encontrar o que viu na televisão. “Pelo que eles mostravam, era ali daquele lado”, diz ao SAPO24, enquanto aponta na direção do que supõe ter sido o local onde o helicóptero veio a cair.
“Na televisão dizia não sei o quê, Couce, Valongo. Mas não é, ali não é Couce”, vai atirando o outro, de blusão vermelho apertado até ao cimo, ao lado da capela de Santa Justa.
“Nem na festa anda aqui tanta gente”, diz Hugo, que percorre esta serra todos os dias. “Durante a semana não anda aqui ninguém. Vou passear o cão e passam semanas sem encontrar alguém”.
“Parecem tolinhos”, atira Fernando, que esclarece logo que não vai dar entrevistas. Apesar disso, vai falando. E ao lado há quem discuta teorias: poderá ser que tivesse ficado sem gasolina; poderá ser que as antenas estivessem sem pirilampos. Outros dizem que podiam os pilotos ir com pressa e a atalhar caminho. “Ele costuma passar naquele fundão”, mais abaixo e mais longe das antenas, alguém explica. Mas o nevoeiro: “às vezes há bancos de nevoeiro em que nem te consigo ver a ti”, diz Hugo.
Porém, isto são só teorias. Suposições do povo que subiu ao monte para ver do helicóptero.
“De manhã”, diz Fernando, “veio aí um homem que trazia uma peça de plástico. Depois até aí esteve a polícia”, conta. “Eu não sou de me calar, perguntei para que queria ele aquilo e ele diz que era uma lembrança. Também lhe disse logo: ‘que lembrança macabra que o senhor leva aí’".
A queda de um helicóptero do INEM, ao final da tarde de sábado, causou a morte aos quatro ocupantes. A bordo do aparelho seguiam dois pilotos e uma equipa médica, composta por médico e enfermeira.
O Governo determinou à Proteção Civil a abertura de um “inquérito técnico urgente” ao funcionamento dos mecanismos de reporte da ocorrência e de lançamento de alertas relativamente ao acidente com o helicóptero.
A avaliação preliminar dos destroços indica que a queda da aeronave aconteceu na sequência da colisão com uma antena emissora existente na zona, segundo o gabinete que investiga acidentes aéreos.
A aeronave em causa é uma Agusta A109S, operada pela empresa Babcock, e regressava à sua base, em Macedo de Cavaleiros, Bragança, após ter realizado uma missão de emergência médica de transporte de uma doente grave para o Hospital de Santo António, no Porto.
“Vamos lá abaixo?”
Alheio ao rebuliço, Max, um pastor alemão, vai na mesma dar o seu passeio. É Hugo quem o leva, com Fernando, pelo bosque. Os caminhos de lama estão todos calcados, dada a romaria de gente que por ali tem passado desde domingo.
Estes homens que daqui são partem em busca do lugar onde caiu o helicóptero, já depois de provavelmente ter batido na antena, conforme dizem as averiguações iniciais.
Vamos atrás. Subindo e descendo as leiras da serra, procuram-se indícios do teatro de operações. Umas fitas caídas entre umas árvores dão sinal. É meter pelo quelho e tentar não enganar.
Pelo caminho, vão falando do turismo macabro que tomou conta do lugar. Do circo mediático que insiste em fazer perguntas a quem não pode ter respostas; aos que vão orgulhosos mostrar as lembranças que trazem para as câmaras, igualmente sedentas de indícios.
“Aqui foi por onde andaram os da CMTV. Apanharam boleia dos bombeiros”, vai dizendo Hugo. “Os bombeiros depois ainda ouviram dos de cima”.
“E agora anda tudo a falar das duas horas… Que interessa as duas horas? Deviam estar à espera de que eles estivessem bonitos depois de uma coisa destas. Nem deram pela morte”, atira Fernando, que por ali andava na noite do acidente.
“A menina da RTP veio-me perguntar se tinha ouvido alguma coisa. Queria uma entrevista. Disse que não. Se desse a um tinha de dar a todos”.
Fernando ouviu. Mas ouve tantos. O helicóptero de Macedo de Cavaleiros passa ali todos os dias, conta. E não se via nada. “Dali da janela não conseguia ver isto, diz, indicando uma distância de cerca de cinquenta metros.
Depois, também se questiona o estado das antenas, que ali são muitas: “Tem ali uma torre que com o mau tempo caem bocados [grandes]”, avisa Hugo.
A aproximação ao local nota-se pelo cheiro a combustível. A confusão de terra remexida indica o resto: bem como o grupo de homens que vai pisando a lama para descobrir macabras relíquias da tragédia. “Já viu ali uns auscultadores?”.
Há quem vá de bolsos cheios. Outros pegam e deixam novamente no chão. Há máscaras de oxigénio, seringas, manuais de procedimentos, mantas térmicas. E muitas partículas amarelas.
“Isso que levas aí é uma bomba”, diz um homem para Eduardo. “Uma bomba de óleo ou combustível. Mas é uma bomba”, continua. O outro vai juntando cacos.
“Para que quer isso?”, perguntamos. “Olha, para sucata”, brinca. “Não é para estar em exposição. Isto ia ficar a apodrecer na natureza. Eles não limparam tudo”, justifica.
“Vamos lá acima?”
“Isso são as hélices”, diz um homem apontando para cabos do que parece ser fibra de vidro. Parece e talvez seja mesmo fibra, pelo aspeto em que ficaram as mãos de um rapaz que nelas estava a mexer.
Estes enormes cabos atravessam todo o terreno. Vêm de uma ponta do cume e escorrem por entre o arvoredo, desaparecendo na floresta. São o maior indício de que alguma coisa se passou ali e satisfazem a vontade de ver evidências tangíveis do desastre.
Ver o lugar que aparecia nas imagens das televisões, com as operações de remoção dos destroços, não se faz dali. Mas de um monte ao lado.
Para ver a antena, também. Subir ao local onde está a antena de emissão onde o helicóptero terá batido obriga a meter por uma íngreme faixa de terreno. O desnível é grande e a distância também, pondo em perspetiva os momentos finais da aeronave.
“Esta merda é o destino. Numa serra tão grande vir bater aqui. É que foi mesmo na pontinha”, diz Eduardo, de olhos postos no topo da torre.
Ao cimo do monte vêm novos, vêm velhos. E até crianças de colo, trazidas em busca à procura de qualquer coisa.
“Ainda falta muito para lá chegar?”, alguém pergunta. “Faltar não falta, é ali, mas não se vê nada”. “Ó pai, se não se vê nada, vamos voltar para trás”.
“Tens de vir cá é no verão. No verão é que isto é bonito. Agora, está tudo assim, molhado”, convida Hugo. “Deviam vir era por coisas boas, não por coisas más”, lamenta.
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