“Foi dito hoje em reunião privada pelo senhor presidente que, com base nos dados que existem, os indícios são muito graves. Se os indícios são assim tão graves, o CDS entende que a Câmara deve enviar para os órgãos competentes todo o processo”, sustentou o centrista João Gonçalves Pereira.

Falando à agência Lusa no final do encontro, o autarca sublinhou que “a Câmara não tem poderes para aferir a legalidade ou ilegalidade dos factos”, razão pela qual deve solicitar um “esclarecimento cabal”.

“O processo deve sair da esfera política para a esfera judicial o mais rapidamente possível. Se alguém cometeu uma ilegalidade, deve ser punido por isso”, frisou João Gonçalves Pereira.

A seu ver, a medida deve ser adotada para “preservar a integridade da Câmara e dos seus funcionários” e também “para a defesa do interesse público”.

Em setembro, a Câmara de Lisboa anulou o concurso para a requalificação da Segunda Circular e anunciou a abertura de um inquérito para averiguar a existência de eventuais "conflitos de interesses" por parte de um projetista.

O presidente do município, Fernando Medina, afirmou, na ocasião, que as medidas resultavam “de o júri do concurso ter detetado indícios de conflitos de interesses, pelo facto de o autor do projeto de pavimentos ser também fabricante e comercializador de um dos componentes utilizados" na mistura betuminosa.

A decisão, que visa a não adjudicação da obra, também suspendeu "a empreitada já em curso relativa à intervenção na Segunda Circular, no troço entre o nó do Regimento de Artilharia de Lisboa [RALIS] e a Avenida de Berlim", iniciada a 04 de julho, já que "a equipa [envolvida] é a mesma", acrescentou.

Na altura, Fernando Medina adiantou que as averiguações visavam apurar os factos que pudessem determinar o envio do processo "à Autoridade da Concorrência, à Ordem dos Engenheiros e ao Ministério Público".

Hoje, em reunião privada, o executivo aprovou – com os votos contra do CDS e PCP e voto favoráveis da maioria socialista (que inclui os Cidadãos por Lisboa) – a introdução de "retificações pontuais no programa de concurso e no caderno de encargos", bem como a não adjudicação da empreitada.

Os vereadores do PSD não participaram na votação.

“Quisemos marcar de forma clara e inequívoca a nossa distância a todo o processo, que antecipámos que iria correr mal”, explicou à Lusa o social-democrata António Prôa.

“Sempre considerámos esta uma proposta precipitada porque nunca foi sujeita à ponderação que uma obra desta dimensão exigia”, acrescentou o responsável, falando num “capricho do dr. Fernando Medina, que queria que esta fosse a sua marca do mandato”.

Na sua ótica, a anulação da empreitada veio “demonstrar que o PSD tinha razão” e traduziu-se na “derrota política fortíssima” de Medina.

Sobre o envio do processo ao Ministério Público, António Prôa entendeu que isso só deve acontecer depois de concluído o inquérito interno anunciado por Fernando Medina em setembro.

Segundo fonte oficial do município, esse inquérito estará “pronto dentro de três meses”.

A mesma fonte adiantou à Lusa que a autarquia vai, entretanto, avançar com “obras urgentes” na Segunda Circular, também anunciadas por Fernando Medina no mês passado.

Na ocasião, o presidente falou em “medidas de contingência” em “áreas críticas do pavimento, na sinalização, nos mecanismos de controlo de velocidade ou no viaduto do Campo Grande".

Hoje, esteve ainda em apreciação o mais recente relatório realizado pelo júri do concurso, concluído a 04 de outubro.

Entre outras questões, o documento refere que “durante as fases de esclarecimentos dos dois concursos da Segunda Circular, apesar de questionado pelos concorrentes sobre o assunto, o projetista (Consulpav) não esclareceu que marcas e/ou produtos equivalentes poderiam satisfazer as exigências do caderno de encargos”.

Reagindo ao documento, o vereador do PCP João Ferreira destacou que “estas questões eram do conhecimento da Câmara desde abril”.

“Há aqui um enorme horizonte temporal que decorre sem que nada tenha sido feito”, criticou o comunista, concluindo que “os erros e a forma deficiente como o processo foi conduzido, sem acompanhamento ao projetista, são culpa da maioria socialista”.