A APAV considera que “três falhas graves” devem preocupar a entidade cuja missão é de inspeção da atividade dos magistrados judiciais: “a minimização do impacto e das consequências da violência doméstica, o desconhecimento de características e aspetos básicos relativos a este fenómeno” e “o escamoteamento de partes da matéria dada como provada em julgamento”, o que levou “à redução da pena”.
Na missiva, dirigida ao presidente do Conselho Superior da Magistratura, a associação defende que algumas considerações constantes no texto da decisão do juiz desembargador devem ser alvo de análise “por parte das instâncias próprias”.
Para a APAV o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de novembro, na sequência de um caso de violência doméstica dado como provado em primeira instância, merece “uma leitura e análise atentas”, nomeadamente o relato do juiz desembargador.
A associação considera crucial não perder de vista que esteve em causa uma situação que durou cerca de quatro anos, durante os quais a vítima foi constantemente injuriada, controlada, ameaçada e agredida.
“Numa das vezes, o arguido apontou à vítima um objeto (…) com forma de pistola e disse-lhe que a matava. Noutra, agarrou numa catana e ameaçou matá-la e ao filho”, escreve a associação na exposição, sublinhando que o episódio mais grave ocorreu quando o agressor desferiu vários socos na cabeça da vítima, tendo-lhe provocado, além de outros ferimentos, a perfuração de um tímpano.
A APAV recorda ainda que a mulher teve abandonar a casa e de encerrar o estabelecimento comercial que explorava para se esconder do arguido.
A associação afirma que a exposição não se centra na questão legal da retirada da pulseira eletrónica, já abordada, e frisa que encara com preocupação que mais um caso de violência doméstica com estes contornos, “descritos e reconhecidos pelo tribunal de 1ª instância”, tenha resultado em pena de prisão suspensa e na redução do tempo.
“O sinal que decisões como estas dão à sociedade e aos operadores do sistema é mais uma vez o de desvalorização, de minimização deste tipo de condutas criminosas”, considera a APAV no documento.
“Mais uma vez, a prevenção geral fica claramente prejudicada”, sustenta a associação, sublinhando que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto faz transparecer um tom de minimização, em passagens como estas: “(…) Tirando os factos por que foi julgado, apresenta-se como um cidadão fiel ao direito (…). O que suscitou em geral a ideia no cidadão comum de que, tirando o facto de ter andado durante quatro anos, por vezes com bastante violência, a insultar, ameaçar, controlar etc, outro ser humano, o arguido até é pessoa boa e cumpridora da lei”.
A organização destaca que não foram tidos em conta “aspetos cruciais da matéria de facto fixada em primeira instância” e que o Tribunal da Relação do Porto decidiu reduzir a pena e o tempo de suspensão da mesma, na sequência de “um entendimento desfasado da matéria provada”.
Uma sentença, diz a APAV, “não é um trabalho de autor, é um documento da República”.
Os juízes – alega - “julgam segundo as provas, julgam segundo os elementos que têm, julgam segundo a leitura que fazem da interpretação da lei, segundo os critérios de valores que são valores proporcionais”.
“Donde a manifestação de crenças pessoais e de estados de alma ou as formulações de linguagem de subjetividade excessiva não são com certeza prestáveis como argumentação e não contribuem para a qualidade da jurisprudência”, lê-se no documento remetido ao Conselho Superior de Magistratura e subscrito pelo presidente da APAV, João Lázaro.
Em entrevista hoje publicada pelo jornal Expresso, o juiz reitera que os casos de violência doméstica que julgou "não são particularmente graves" e considera fazer sentido citar a Bíblia para fundamentar acórdãos sobre agressões motivadas por infidelidade conjugal.
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