Uma manhã a carregar trouxas e embrulhos na cabeça rendeu 11 dólares (10 euros) a Elisa Matingo, 54 anos, que ajuda quem atravessa a fronteira de Machipanda, entre Moçambique o Zimbábue. A dona de casa celebra o dinheiro ganho num dia com fartura de bagagens e cargas para transportar de um lado para o outro na principal passagem terrestre entre os dois países da África Austral.
Há muitas cargas a circular porque o Zimbábue voltou a viver uma derrapagem económica, acentuada com uma grave escassez de dólar americano, que circula em paralelo com o “bond” zimbabueano, altamente desvalorizado.
“É preciso coragem” para pegar em tanta carga por dia, diz à Lusa Elisa Matingo, uma “viúva de frete”, nome dado às carregadoras porque, no início, era um biscate de viúvas que precisavam de um rendimento alternativo.
Todo o dinheiro é bem-vindo, mesmo que seja às custas da crise no Zimbabué. “Eles precisam muito do lado moçambicano, sendo por isso uma vantagem para nós”, diz Elisa, enquanto equilibra uma barra de sabão na cabeça.
Em 2018, o Zimbabué impôs restrições às compras dos seus cidadãos em Moçambique, limitando as quantidades de óleo, arroz e farinha de milho, produtos básicos para a dieta das famílias africanas.
Isso refletiu-se também no negócio das “viúvas de frete”, já que do Zimbabué nada saía para Moçambique.
Mas, em 2020, o cenário mudou: agora os zimbabueanos vendem sabão, bebidas energéticas, pão de forma e sumos em Moçambique e com os lucros compram arroz, farinha de milho, óleo e roupa e sapatos usados para o seu consumo.
“Trabalhamos todos os dias e apenas descansamos aos domingos para ir à igreja”, explica Elisa.
O esforço é grande, mas a atividade “ajuda a completar” o rendimento, aliviando o fardo com as despesas escolares.
“As crianças vão à escola usando transporte público, então o dinheiro também sai daqui”, acrescenta a moçambicana.
Outra “viúva de frete”, Rosa Mudewe, diz à Lusa que chega a ganhar 70 dólares (66 euros) por semana, com os quais ajuda a sustentar uma família de oito membros num dos bairros da única aldeia junto à fronteira do lado moçambicano.
“Carrego carga do Zimbabué para o lado de Moçambique e no regresso carrego produtos moçambicanos, também muito requisitados pelos zimbabueanos”, enfatiza.
Ao lado, Alice Rodolfo diz que ganha até 700 meticais (10 euros) por dia, o que “já é uma grande ajuda”.
O vai e vem era exclusivo de mulheres mais velhas e muitas eram mesmo viúvas, mas a atividade está a atrair pessoas mais jovens, incluindo homens, que também são apelidados de “viúvos de frete”.
O movimento de zimbabueanos que entraram em Moçambique teve um aumento exponencial na primeira quinzena de fevereiro de 2023, segundo os Serviços provinciais de Migração de Manica.
Um total de 9.524 zimbabueanos atravessaram a fronteira de Machipanda de 01 a 15 de fevereiro, contra 2.380 no período homólogo de 2022, revela Abilio Mate, porta-voz dos Serviços provinciais de Migração da província de Manica.
O porto da Beira e o seu papel no comércio de toda a África Austral são uma das razões do crescimento, conclui.
Comentários