Manuel Rascão Marques é candidato à Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução. Concorre pela Lista H às eleições de 5 de dezembro. Promete tratar os colegas pelo nome, defende uma maior humanização e proximidade entre a Ordem e os associados.
Fala da necessidade de uma revisão estatutária, sonha com a criação de um Fundo de apoio aos solicitadores, quer reavivar a marca Balcão Único do Solicitador e promete repensar o papel do PEPEX.
Diz que esta Ordem entende que o solicitador para além de solicitador tem que ser contabilista, tipógrafo e fotógrafo. Manuel Rascão Marques reforça que é no Direito que são “bons”. E espera contribuir ao desafio colocado pelo presidente da República que falou de um pacto da justiça.
Tem como tema “Dar um novo rumo”. O que significa?
Queremos dar um novo rumo, uma forma diferente de tratar os colegas e gerir a própria casa.
Vou tratar os colegas pelo nome. Números faz lembrar-me os presidiários. Tem de haver maior humanização e proximidade entre a Ordem e os associados.
Pretende mudar o quê?
Desde logo mudar o processo de revisão estatutária. Há um elevado número de órgãos, os estatutos estão mal redigidos e com algumas inconstitucionalidades.
Inconstitucionalidades?
Não queria abordar este tema... junto do Provedor da Justiça há um pedido para que verificasse da inconstitucionalidade de algumas normas. Foi feito há dois anos. Esperamos ansiosamente por uma resposta.
E órgãos a mais?
A mais porque não têm uma função bem definida. Por exemplo, a Assembleia de Representantes funciona de acordo com os interesses do Bastonário que estiver em funções. Aumenta o custo para a própria Ordem e não se justifica.
Fala muito em custos. A sustentabilidade é uma das suas bandeiras?
Temos assistido a investimentos sem estudos prévios na área informática e em produtos de risco... [Por exemplo] na Rioforte onde esta direção perdeu cerca meio milhão de euros. Se fosse Bastonário tinha logo pedido a demissão. Nem que me recandidatasse outra vez. Em qualquer empresa um desvio deste implica a demissão. Foi má gestão.
O que o diferencia dos outros candidatos?
Vou tratar os colegas pelo nome. Números faz lembrar-me os presidiários. Tem de haver maior humanização e proximidade entre a Ordem e os associados. Não pode ser como na casa do solicitador, a sede, que para subir ao andar de cima temos de ter uma autorização. Não pode acontecer. Esta direção, em algumas medidas tomadas, é de quem já está há muito tempo e não sabe o que é a vida e as dificuldades de um solicitador que tem o seu escritório.
O Balcão Único do Solicitador foi criado como imagem de marca para qualquer cidadão em qualquer parte do país conseguisse identificar que ali estava um profissional
Além do trato e da humanização...
A revisão dos estatutos, a gestão mais transparente dos dinheiros da Ordem e a intervenção nas áreas que estão esquecidas: publicidade, balcão único, maior intervenção nas áreas cíveis, fiscais e julgados de paz.
Outras duas áreas. Intervenção na CPAS [Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores]: seguros de saúde, cálculo de pensões e período de carência aos jovens que estão a começar a carreira.
Outra ideia que vou lutar: Fundo de apoio aos solicitadores que pode ser gerido por uma Fundação que será financiada por quotas, caixa e protocolos com entidades. Sendo imaginativo podemos ajudar. Podemos com este Fundo criar a casa do solicitador pelo país e ajudar quem está muito isolado.
Defende o Balcão Único do Solicitador?
O Balcão Único do Solicitador foi criado como imagem de marca para que qualquer cidadão em qualquer parte do país conseguisse identificar que ali estava um profissional que executa certas funções. E é neste espírito que entendo ser vital reavivar esta marca. É uma forma de fazer publicidade institucional. Há muitos cidadãos que não sabem que um solicitador faz uma partilha ou um contrato de compra e venda, por exemplo.
A Ordem não promove essa divulgação?
Tem esquecido isso. E não esqueçamos que 75% dos associados são solicitadores e 25% são agentes de execução.
A Ordem tem esquecido os solicitadores. É isto que quer dizer?
Não. Este presidente tem esquecido os solicitadores. Tem focado a sua ação nos agentes de execução. E esquece a juventude que hoje em dia vai para solicitador e não para agente de execução.
Solicitadores e agentes de execução cabem na mesma ordem?
Sim, cabem. Lá está uma alteração dos estatutos: é necessário dar mais autonomia financeira aos dois colégios.
O PEPEX tem que ser bem pensado
A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS)...
Deve continuar no sentido em que está. Mas não com este regulamento deste presidente. E chamo-o presidente porque ele nunca foi eleito Bastonário e teve um bónus da ministra da Justiça, que votou favoravelmente. É um regulamento péssimo a todos os níveis. Quem desconta o mínimo teve uma redução no cálculo de aposentação de 1000 euros. Os jovens começam a pagar no estágio... os advogados têm apoio judiciário. Os solicitadores não. Esta direção agravou quem quer entrar na profissão.
Como vê o acesso à profissão e a progressão na carreira?
Todos os anos entram 600 novas pessoas no estágio. Gostava de maior rigor na universidade. Não é a Ordem que deve limitar o acesso à profissão. Têm sim de criar condições iguais para todos. Depois o mercado fará a seleção. Agora gostava que junto do ministério da Educação houvesse maior exigência e rigor no acesso à profissão. Não estou contra o estágio tal como está. Pode ser afinado em alguns pormenores.
Pode dar exemplos?
A formação teórica que é dada início pode ser melhorada. O estágio prático tem de ser bem pensado. Um patrono que seja agente de execução não serve para ensinar o estagiário porque este não vai à partida para agente de execução.
Há excesso de agente de execução e de solicitadores?
Agentes de execução está nos limites, penso. E tendencialmente haverá mais porque os processos de execução tendem a diminuir. Solicitadores... o número de advogados aumenta e muitos estão a fazer o papel de solicitadores. E temos a concorrência do Estado com a “Casa Pronta” [um serviço disponibilizado pelo Ministério da Justiça, que permite realizar de forma imediata todas as formalidades necessárias à compra e venda, doação ou permuta, entre outros aspetos, de imóveis].
Como pode defender os profissionais contra quem presta os mesmos serviços?
Quero que a Ordem se dedique às questões de Direito. É a nossa vocação. Há nichos de mercado que podemos trabalhar. Exemplo? O secretário de Sociedade. Por outro lado, sempre fizemos as Oficiosas. Simplesmente na entrada em vigor do Processo Executivo, em 2013, houve um acordo em que os advogados não entravam no processo executivo e os solicitadores saiam do apoio judiciário. O problema é que passados uns anos os advogados entram como agentes de execução. Nada contra, atenção.
Quem vai ao e-leilões? Acha que é o povo que lá vai?
E que desafios?
Muitos. Os jovens têm que procurar os nichos de mercado como o acesso ao Direito, no secretario de sociedade e o “CONSTAT” onde fomos beber os agentes de execução. Mas também o Conselho Superior de Magistratura, Ordem dos Advogados... maior intervenção dos solicitadores no processo administrativo e fiscal, nos Julgados de Paz... Essas alterações dependem mais do ministério da Justiça. Se for eleito vou incomodar os corredores do poder para que se abram janelas de oportunidades aos solicitadores.
A saída para os PALOP’s é solução?
PALOP’s [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] e UE [União Europeia]. Porque não ir à nossa diáspora fazer serviços? Os PALOP’s têm sido uma oportunidade perdida. Vamos promover, embora não se resolva a curto prazo.
O PEPEX (Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo) é uma boa medida?
O PEPEX tem que ser bem pensado. Não digo que seja para acabar. Temos que ter cuidado com os investimentos. Carece de um estudo para verificar da validade e interesse. Não pode ser da forma como está. Se for de interesse, apostamos. Caso contrário teremos que repensar.
E o e-Leilões?
É uma plataforma [para realização da venda de bens através de leilão eletrónico] nossa que também carece de ser estudada. Perceber se nos processos judiciais a Ordem pode ou não exercer... Depois, o e-Leilões é um acréscimo de trabalho do agente de execução sem qualquer compensação. A única entidade que ganha com isso é a Ordem e um gestor que não lhe é dada a cara.
A evolução não terá a ver com pedido de maior transparência?
O maior contacto que havia entre o juiz e o agente era na abertura das propostas. É preciso que as pessoas se olhem nos olhos. Haverá maior transparência que um juiz a controlar? Quem vai ao e-Leilões? Acha que é o povo que lá vai? Temos imobiliárias e pessoas com capital. E depois ver os processos que entraram no e-Leilões e ver que processos chegaram até ao fim. Vamos tirar fotografias a uma casa. É necessário que o juiz autorize. E requerer uma autorização judicial em Lisboa pode demorar 6 meses.
E quem ganhou com isso?
É preciso entender que somos profissionais liberais que estamos aqui para ganhar dinheiro. E não é a Ordem que tem de ganhar dinheiro. Os associados pagam, pagam e não tem benefícios. Há má gestão, há perda de dinheiro e alguém tem de compensar.
Qual a sua opinião sobre o Balcão Único do Prédio (BUPi), iniciativa de cadastro do território criada entre a Ordem dos solicitadores e dos agentes de execução e o governo?
Tem a ver com o Geopredial [uma plataforma informática de consulta e visualização de imagens de bens imóveis lançado em 2013]. Se estiver atento sabe que o Estado faculta gratuitamente esse serviço. Se tiver um terreno, e sabendo disso, vai procurar um profissional? Não vai. Tem aí a resposta sobre o que penso.
Uma coisa é o cadastro, a outra é sermos tipógrafos. O Geopredial é uma função de tipografia. Não é a nossa vocação
Quer dizer que há concorrência desleal?
Não digo que há. Está a ser aplicado agora com a área ardida. As pessoas perdem as suas terras, não querem ter mais custos. A “Casa Pronta” é concorrência desleal. Aqui não. As pessoas estão muito sofridas e é bom que o Estado as ajude.
Os incêndios colocam o assunto na ordem do dia. Os solicitadores são ou não vocacionados para o cadastro predial?
Uma coisa é o cadastro, a outra é sermos tipógrafos. O Geopredial é uma função de tipografia. Não é a nossa vocação. Estamos numa Ordem que entende que o solicitador para além de solicitador tem que ser contabilista, tipógrafo e fotógrafo. Parece um saco. Temos que ser sérios: nós somos do Direito. É onde podemos ser bons. Há bocado falava do PEPEX. Já há muito que a Ordem devia ter as pautas de distribuição. Se se fala de transparência porque não é a Ordem a dar esse exemplo.
Este PEPEX foi vocacionado para uma entidade privada que provavelmente ocupou 80 a 90 % dos PEPEX. E depois de uma peça na televisão [sobre a NOS] houve um decréscimo. Até à data não sabemos as conclusões.
O cadastro das terras é determinante?
É fundamental o Estado saber quem é o proprietário para agir em nome da Lei.
A Justiça necessita de mais reformas?
Não necessitamos de mais reformas. Temos que consolidar as leis e pontualmente refiná-las. O Processo Executivo está no bom caminho e pode ser afinado. Um tema que acompanho, a Lei do Inventário, malfeita e com lacunas. Que me desculpem os senhores Notários, mas não estão vocacionados para dirimir questões entre partes.
Entende que as diversas entidades da Justiça devem sentar-se à mesma mesa?
É fundamental. O presidente da República falou de um pacto da justiça e espero contribuir. Há 10 anos numa iniciativa do CES, advogados, solicitadores, juízes, procuradores, oficiais de justiça fez-se um Manual de Procedimentos. Não se quis impor nada, mas era importante que se tentasse criar uma harmonia de funcionamento entre diferentes tribunais. Não estamos a discutir questões de direito. Estamos a discutir a aplicação do direito.
Estamos com novo Orçamento de Estado. Algum comentário?
Uma questão muito seria é os agentes de execução no seu desempenho terem que cobrar o IVA. Estamos em funções públicas. Se não fosse possível de isentar as partes, pelo menos reduzir a mínimos. A “Casa Pronta” não tem custos. Nem a Ordem dos Solicitadores nem Ordem dos Advogados, não os vejo publicamente a revoltarem-se. O Estado não cobra IVA, argumentam. Ora, ou retiram o IVA de quem pratica esses atos ou sobem as tabelas na “Casa Pronta”. E aí o cidadão escolhe quem acha ser o mais competente. Não estou a defender benefícios. Estamos em funções públicas, a substituir o Estado, logo devemos ter um tratamento adequado a essas funções.
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