“Estou muito desiludido pelas violações à Constituição, por o próprio parlamento ter feito aquele assalto ao poder, por o Governo ter feito uma mudança brutal nos sistemas existentes, no sistema financeiro que está horrível, e pela própria justiça que não funciona”, disse Xanana Gusmão, em entrevista à Lusa.

“Tudo isto fez recuar o país, no contexto da fragilidade”, disse.

Líder do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), segundo maior partido no parlamento, Xanana Gusmão ambiciona chegar à maioria absoluta e recordou alguns dos momentos políticos do passado recente, incluindo a saída do seu partido do atual Governo, que acabou por ser viabilizado pela Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).

“A nossa saída do Governo ocorreu porque o primeiro-ministro não queria ouvir-nos. Dizíamos que algumas das coisas violavam as leis. Mas ele dizia: isto é do outro Governo, agora sou eu que governo”, disse.

Xanana Gusmão refere-se ao atual chefe do Governo, Taur Matan Ruak, líder do Partido Libertação Popular (PLP), que tem apenas oito assentos no parlamento, mas a favor de quem o líder do CNRT abdicou do cargo de primeiro-ministro.

O atual Governo saiu das eleições antecipadas de 2018 nas quais CNRT, PLP e o Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO) concorreram com uma coligação pré-eleitoral, que obteve a maioria absoluta.

Várias questões, incluindo a decisão do anterior Presidente, Francisco Guterres Lú-Olo (da Fretilin), não dar posse à maioria dos membros do Governo do CNRT, e desavenças entre Taur Matan Ruak e Xanana Gusmão levaram à saída do CNRT do Governo, em 2020.

A Fretilin acabou por entrar no executivo tendo participado, em maio desse ano, numa polémica votação no plenário do parlamento que demitiu o presidente do parlamento, então do CNRT, e elegeu o atual, da Fretilin.

Questionado sobre como olha hoje para a ação de Taur Matan Ruak no Governo, Xanana Gusmão mostra-se bastante critico, mas faz algum ‘mea culpa’.

“Estou muito desiludido, mas em certo sentido compreendo. Não tem nada na cabeça. A minha desilusão seria muito maior se ele tivesse algum conhecimento sobre finanças, sobre administração. Mas conheço-o desde pequeno então fico desiludido comigo mesmo por lhe ter confiado isto”, afirmou.

Mostra-se igualmente crítico da atual liderança na gestão do importante setor do petróleo e gás, especialmente no quadro do processo de negociação sobre o projeto do Greater Sunrise.

“Neste capítulo, agradeço muito à covid-19. Porque atrasou as coisas. […] Tem sido horrível, mas teria sido pior e para corrigir teria sido muito difícil. Mas já está quase, vamos lá ver”, afirmou.

Xanana Gusmão disse que o seu partido deu apoio à eleição do atual chefe de Estado, José Ramos-Horta, exatamente para começar a corrigir “alguns erros” do passado recente.

“O meu partido deu apoio concreto e real ao doutor Ramos-Horta para ser Presidente, para facilitar que esta instituição superior do Estado comece também a rever os erros e falhanços cometidos e fazer a reaproximação ao povo”, explicou.

“Mas o Presidente não pode fazer isso sozinho, por isso estamos a preparar-nos para num futuro próximo podermos governar. Acreditamos que o povo esteja já com olhos abertos, para fazer a devida mudança, a correção, com o parlamento e com o Governo”, acrescentou.

Ex-Presidente e ex-primeiro-ministro, Xanana Gusmão disse que Timor-Leste continua a ser um país frágil, argumentando que essa condição se agravou nos últimos anos, e que há que assumir esse compromisso de fazer correções.

Incluindo no setor da justiça, em que considerou ter havido perseguições políticas a ex-responsáveis sem que se persiga, com igual afinco, outras decisões de governantes.

Sobre a ambição de chegar aos 33 assentos que garantem a maioria absoluta — atualmente controla 22 — Xanana Gusmão admitiu que “é complicado”, mas que “nada é impossível”, explicando que tem vindo a dialogar com a população sobre exatamente qual é o papel dos partidos.

“Se um partido político apresenta uma visão, um princípio, significa que quando vai ao poder é para cumprir isso, não é para meter este ou aquele num cargo ou outro. Vai para trabalhar. Se um não serve, mete-se outro”, disse.

E garantiu que o CNRT não voltará a escolher uma pessoa de fora do partido para primeiro-ministro.

“Está totalmente fora de hipótese ser outro PM que não do CNRT. Percorri o território e percebi que em 2017 perdemos por falhas do partido, que estava demasiado confiante, mas talvez 50% da causa da derrota foi ter entregado o cargo de primeiro-ministro a Rui Araújo da Fretilin em 2015”, disse.

“Não perceberam isso e o partido não explicou bem. Mas ainda acho que foi a melhor solução para [fechar a negociação das fronteiras marítimas com a Austrália) e de termos capacidade de unir as forças vivas da sociedade aqui, os maiores partidos, impedindo que a Austrália nos dividisse”, afirmou.

A aproximação hoje entre CNRT e a Fretilin “é difícil”, explicando que não perdoa àquele partido ter votado contra o acordo de fronteiras, e considerou que “o maior erro” foi ter avançado em 2018 com uma coligação pré-eleitoral que o “amarrou” a outras forças políticas.

“O maior erro que cometemos e nunca mais vamos cometer foi a coligação pré-eleitoral. Depois de ganharmos, estávamos atados. Até na distribuição de lugares. Doeu-me mais a cabeça ali do que noutros tempos mais difíceis do país. Pediam isto e pediam aquilo. Aprendemos essa lição”, afirmou.