Volodymyr Zelensky — Os principais destaques da declaração:
- "Na cidade de Borodyanka, não muito longe de Kiev, encontraram mais duas sepulturas feitas pelos russos. São os corpos de um homem de 35 anos e de uma rapariga de 15 anos. Noutra sepultura, encontraram mais seis".
- "Lembramo-nos todos das fotografias de Bucha, dos corpos das pessoas espalhados no meio das ruas. Os russos nem tentaram arrumá-los nem os deixaram sepultar".
- "Os ocupantes mataram as pessoas só por diversão e também assaltaram as suas habitações. As pessoas foram torturadas e violadas".
- "Estou só a descrever a região de Kiev, ainda não conseguimos contabilizar todos os mortos. Até agora, 1106 ucranianos foram mortos, dos quais 40 são crianças".
- "Nós estamos a lutar não apenas pela nossa independência, mas pela nossa sobrevivência, pelas nossas pessoas, pelos ucranianos, para eles não serem mortos, não serem torturados, para não serem violados, para que não sejam capturados pela Rússia".
- "Os russos já capturaram e deportaram mais de 500 mil ucranianos. É duas vezes o tamanho da população da cidade do Porto".
- "O Rússia está a fazer o que os outros regimes totalitários faziam. Os deportados não têm direito a estabelecer ligação com as famílias, eles estão a ser deportados para as regiões mais longínquas da Rússia, onde fizeram campos especiais para que essas pessoas fossem divididas, alguns são mortos, as raparigas são violadas".
- "Em 57 dias de guerra, desocupámos mais de 1000 localidades ucranianas ocupadas pelos russos, que continuam a destruir as nossas cidades, habitações e estruturas necessárias para as pessoas sobreviverem: escolas, universidades, até igrejas".
- "Imaginem se toda a população de Portugal fosse obrigada a fugir. Não somos refugiados, fomos obrigados a sair temporariamente. Espero que os ucranianos consigam em breve voltar. Contudo, não conseguimos garantir quando isto vai ser".
- Mariupol tem quase o mesmo tamanho de Lisboa, também fica junto ao mar, está completamente destruída. Não há uma habitação intacta. Os russos ficaram lá um mês e fizeram dela um inferno. Nessa cidade foram mortas dez mil pessoas ou mais, não temos certeza do número, porque fizeram crematórios móveis para destruir os corpos, para nunca mais podermos ter provas".
- "Quando pedimos coisas, pedimos armamento, para que consigamos expulsar os russos das nossas terras."
- "Este mal que está a ser feito à Ucrânia é tão mau como o que foi feito na Segunda Guerra Mundial. Precisamos de armamento pesado, de tanques."
- "Porque é que a Rússia começou esta guerra? É apenas o primeiro passo para conquistar o leste da Europa. Querem acabar com a democracia na Ucrânia".
- "Tivemos duas revoluções, em 2004 e em 2014, que conseguiram parar a ditadura na Ucrânia. Vocês, que se preparam para celebrar o aniversário da Revolução dos Cravos, que também vos a libertou de uma ditadura, sabem o que estamos a sentir".
- "O que estão a fazer na Ucrânia, querem fazer na Moldávia, na Geórgia e nos países bálticos. Mas nós podemos parar a Rússia".
- "Agradeço ao vosso Governo e a todos os portugueses por todo o apoio que nos têm dado e pelas sanções contra a Rússia".
- “A Ucrânia já está a caminho da União Europeia (…) Quando essa questão for colocada, peço-vos, peço-vos mais uma vez, que nos apoiem nesse caminho. Estamos o mais a leste e vocês o mais a oeste, mas ambos sabemos que os valores que defendemos são iguais”.
- "Espero pela vossa decisão para que defendam o embargo do petróleo. Espero que se juntem a outros países da União Europeia para que o sistema bancário russo seja bloqueado. Não pode haver um banco russo a operar na Europa".
- "Espero que possam transmitir a nossa luta pela independência, pela soberania e pela democracia a todos os países que falam português em África. Lutem contra a propaganda russa, influenciem esses países".
- "Eu sei que os nossos povos se compreendem, que se conhecem muito bem".
- "Temos de garantir que todas as pessoas têm direito à felicidade e à saudade".
Augusto Santos Silva — os principais destaques das declaração:
- "Portugal condenou desde o primeiro momento com firme determinação a agressão da Federação Russa à República da Ucrânia".
- "No dia 24, todos os órgãos políticos de soberania – o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo – condenavam em uníssono o agressor e exprimiam solidariedade e apoio ao agredido. Fizeram-no então, e têm-no reiteradamente feito, sem qualquer hesitação nem ambiguidade. Para Portugal, o agressor é a Federação Russa e o agredido é a Ucrânia".
- "O agredido tem o direito de se defender e deve ser apoiado nessa legítima defesa".
- "Defendendo-se a si própria, a Ucrânia defende-nos a todos".
- “É uma honra para o parlamento português recebê-lo solenemente e ouvir as suas palavras. A participação do Presidente e do primeiro-ministro de Portugal nesta sessão solene mostra bem a unidade nacional em torno do apoio à Ucrânia, um apoio que junta os órgãos de soberania e que é partilhado por partidos políticos do Governo e da oposição”.
- "No mesmíssimo dia 24 de fevereiro, o nosso Conselho Superior de Defesa Nacional aprovou, sob proposta do Governo e concordância do Comandante Supremo das Forças Armadas, as medidas indispensáveis para reforçar a participação militar na defesa europeia e atlântica; e os nossos embaixadores de Portugal na União Europeia e na NATO transmitiram a posição nacional de empenhamento nas medidas de sancionamento da Rússia e proteção da Ucrânia".
- "Apoiámos imediatamente a condenação expressa pelas Nações Unidas à agressão russa e estivemos no primeiro grupo de países a solicitar ao Tribunal Penal Internacional a investigação sobre os crimes de guerra”.
- "Portugal é um país médio à escala europeia e pequeno à escala mundial. Não somos uma potência demográfica económica ou militar; mas somos uma nação com história, com um posicionamento geopolítico há muito consolidado e com uma política externa que não varia com o Governo do momento, porque exprime interesses nacionais duradouros".
- “O laço mais forte é constituído pelas pessoas: Pela comunidade ucraniana estabelecida em Portugal, na ordem das dezenas de milhares de pessoas, bem integradas, que em muito contribuem para a nossa economia e em cujos filhos se encontram alguns dos melhores alunos das escolas portuguesas; e pelas famílias luso-ucranianas que, entretanto, se foram formando, e residem quer num quer noutro país”.
- "Prezamos as aspirações europeias da Ucrânia e temos defendido, não só o reforço da cooperação no quadro do Acordo de Associação existente, como o exame pronto e atento, por parte das instituições europeias, do pedido de candidatura apresentado pela Ucrânia. Merecerá cuidadoso exame da nossa parte".
- “Temos muito orgulho em dispormos, desde 2019, numa praça de Lisboa, do busto do vosso poeta nacional Taras Shevchenko. E recordamos com emoção o encontro, nos anos da Grande Guerra, no Norte de Portugal, entre Sonia Delaunay, nascida Sara Stern em Gradizhsk, na Ucrânia, e então em fuga da guerra, e o nosso pintor Amadeo Souza-Cardoso – o encontro de duas figuras maiores da revolução modernista na arte europeia”.
- "Posso assegurar-lhe, presidente Zelensky, que conta com Portugal. A luta do seu país pela liberdade é a luta da Europa toda pela liberdade. E a essa luta pela liberdade o Portugal democrático nunca faltou, não falta e não faltará”.
Zelensky apela à sensibilidade portuguesa e pede mais apoio
O discurso de Zelensky, vestido com um t-shirt verde tropa como tem sido hábito, mereceu longos aplausos por parte de todos os presentes na Assembleia da República, e uma declaração do presidente da AR, Augusto Santos Silva, a assegurar o apoio português à Ucrânia.
Apesar desta ser uma sessão solene mais sóbria — contando com menos convidados e não tendo honras militares —, ainda assim respeitou-se o cerimonial. As bandeiras da Ucrânia e da Assembleia da República foram içadas na varanda do Palácio de S. Bento pelas 16:15, a mesma hora em que foi colocada no exterior do parlamento a guarda ao Palácio de São Bento, constituída por um pelotão da Guarda Nacional Republicana.
Seguiram-se as chegadas escalonadas do primeiro-ministro, António Costa, recebido no exterior pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aguardado pelos dois.
A sua participação oficial na AR perante Portugal aconteceu no mesmo dia em que assinalou três anos desde que venceu as presidenciais ucranianas, conseguindo uma vitória surpresa perante Petro Poroshenko, que se estava a recandidatar e que procurou retratar o seu adversário como um novato na política. Os eleitores viram isso como um trunfo, já que Zelensky foi eleito por uma larga margem, com 73,2% dos votos.
O discurso do presidente ucraniano perante a Assembleia da República decorreu na senda de uma série de intervenções que Zelensky tem vindo a fazer nas casas legislativas dos países aliados no esforço de reforçar o seu apoio, moldando os discursos às particularidades de cada estado anfitrião. Se perante os EUA, falou das tragédias em solo americano de Pearl Harbour e do 11 de setembro, a Espanha reservou referências ao bombardeamento de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola.
Esperava-se, então, que o presidente ucraniano fizesse também referências a Portugal, o que se veio a confirmar. Além de recordar o elo de ligação entre os dois países por meio da comunidade ucraniana emigrada no nosso país, Zelensky quis criar imagens para que os portugueses se colocassem na posição dos ucranianos. Disso foram exemplos o facto de Mariupol, totalmente destruída, ter o mesmo tamanho de Lisboa, e da população forçosamente deportada sob o pretexto de evacuação humanitária ser duas vezes maior que a da cidade do Porto. "Imaginem se toda a população de Portugal fosse obrigada a fugir", disse ainda, referindo-se à vaga de refugiados que se calcula já ter atingido os cinco milhões de pessoas.
O episódio mais tocante, porém, foi a recordação das revoluções de 2004 e de 2014 na Ucrânia, perante executivos presidenciais que procuravam estreitar relações com a Rússia. Não obstante os acontecimentos da praça Maidan serem considerados por vários setores um golpe de estado ilegítimo e motivado por intervenção externa, Zelensky comparou-os ao 25 de Abril de 1974 na medida em que, segundo o presidente ucraniano, envolveram dois povos em combate contra a tirania. "Vocês, que se preparam para celebrar o aniversário da Revolução dos Cravos, que também vos a libertou de uma ditadura, sabem o que estamos a sentir", afirmou.
Pedindo a Portugal para reforçar as sanções, ceder mais armamento, apoiar o embargo das importações de petróleo russo e bloquear o sistema bancário da Rússia, Zelensky fez ainda uma referência específica ao panorama português. Além de reiterar o apelo para que Portugal apoie a entrada da Ucrânia na União Europeia, o líder ucraniano solicitou o Governo português a que usasse o seu poder de influência junto dos PALOP para afastá-los da esfera russa. "Lutem contra a propaganda russa, influenciem esses países", pediu.
Apesar de não o ter declarado explicitamente, a referência deverá ter tido como alvo Angola e Moçambique, dois dos 35 países que se abstiveram na votação de uma resolução a condenar a invasão russa da Ucrânia na assembleia geral da ONU no início de março.
A falta de comparência do PCP: inesperada, mas não inédita
As declarações de Zelensky ocorreram por iniciativa do PAN, que propôs às restantes forças políticas com assento parlamentar a formulação de um convite para participar numa sessão parlamentar na AR. A conferência de líderes aprovou por maioria a proposta, contando apenas com a oposição do PCP.
Os comunistas fizeram saber esta quarta-feira que não iam participar na sessão, por considerar que Zelensky “personifica um poder xenófobo e belicista”, classificando ainda a sessão como um “ato de instrumentalização de um órgão de soberania, orientado não para contribuir para um caminho de diálogo que promova o cessar-fogo”.
Esta não foi, de resto, a primeira vez que o PCP exprimiu o seu protesto à presença de um líder estrangeiro na Assembleia da República. A 8 de maio de 1985, o presidente dos EUA Ronald Reagan, de visita oficial a Portugal, foi convidado a discursar no Parlamento, e o PCP saiu da sala.
Conhecido pelas posições anticomunistas e pelo endurecimento da política dos Estados Unidos contra a União Soviética, estado com o qual o PCP mantinha ainda um estrito alinhamento, a reação dos 44 deputados comunistas (41 do PCP e 3 do MDP/CDE) no parlamento foi de abandonar o hemiciclo quando Reagan se preparava para falar. Tal levou o líder norte-americano a reagir: “Lamento que algumas das cadeiras à esquerda pareçam desconfortáveis”.
Mais recentemente, as ações de protesto foram, sobretudo, encabeçadas pelo Bloco de Esquerda. Em 2000, aquando à vinda à AR de Juan Carlos, Rei de Espanha, os dois deputados bloquistas eleitos — Francisco Louçã e Luís Fazenda —, recusaram-se a comparecer, justificando a ausência com os ideais republicanos do partido.
Já em 2016, foi a vez do seu filho, Filipe VI, dirigir-se a São Bento por ocasião de uma visita protocolar a Portugal. Dessa vez, se o PCP recusou-se a bater palmas ao discurso do monarca mas teve os seus deputados a levantarem-se no final da sessão, o Bloco de Esquerda e André Silva, à época deputado único do PAN, permaneceram sentados e também não aplaudiram. Após a sessão, os bloquistas recusaram-se também a marcar presença na fase protocolar de cumprimentos, ao contrário do PCP.
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