Há precisamente 20 anos, a França recebia o Mundial de futebol. Depois de uma competição realizada nos EUA, em 1994, a Europa voltava a ser o palco daqueles que muitos consideram um dos maiores eventos desportivos do mundo. Raios, um dos maiores eventos desportivos. Ponto.

No dia 8 de julho de 1998, a anfitriã França recebia a Croácia na meia-final do Campeonato do Mundo. Os franceses, a jogar em casa, estavam a um passo da final. Os croatas, esses, já tinham feito história ao chegar até aquela fase da competição.

E se França tinha nomes como Zidane, Laurent Blanc, Deschamps (isso mesmo, o atual selecionador gaulês), Desailly, Henry, Trezeguet, Thuram, Petit ou Djorkaeff, a Croácia vivia aquela que, para muitos, foi a sua Geração de Ouro: Boban, Suker, Prosinecki, Bilic faziam parte dessa equipa, que também contava, é um facto, com Silvio Maric e Petar Krpan, ambos avançados, ambos avançados que passaram por FC Porto e Sporting CP (respetivamente), ambos avançados que não deixaram propriamente saudades em Portugal. Mas adiante.

Nesse jogo, Suker (atual presidente da federação croata de futebol e com um currículo que conta 45 golos em 69 jogos pela seleção) adiantou os croatas, até Thuram, defesa gaulês, ter virado o resultado a favor da equipa da casa com um bis... único. Lilian Thutam tem dois golos marcados nos 142 jogos disputados com a camisola dos Bleus – ambos à Croácia, ambos na meia-final do Campeonato do Mundo.

Os franceses seguiriam para a final, onde bateriam um Brasil abatido (a sua maior estrela, Ronaldo, tinha sofrido convulsões na noite anterior e esteve em dúvida até à hora da partida) por 3-0, com dois golos de Zidane e um de Petit, e garantiriam o primeiro título mundial da sua história. Os croatas, por seu turno, jogariam o jogo de atribuição do 3.º e 4.º lugar com a Holanda e venceriam por 2-1 (com golos de Suker e Prosinecki, tendo Zenden marcado pelos holandeses), garantindo a melhor classificação de sempre de um país com pouco mais de 4 milhões de habitantes que apenas se havia tornado independente da antiga Jugoslávia em 1991.

A Croácia de 98 tinha Boban e Prosinecki, a Croácia de 2018 tem Modric e Rakitic. A França de 1998 tinha Djorkaeff e Henry (apesar do ponta-de-lança titular ser um tal de Givarc’h da qual a história futebolística tem pouco para contar), a França de 2018 tem Griezmann e Mbappé.

Tal como em 1998, o perfume do futebol croata apaixonou adeptos um pouco por todo o mundo. Isso e o sentimento que muitos de nós têm pelo underdog, pela equipa que não é favorita. Modric e Rakitic emulavam Boban e Prosinecki e é inegável assumir que, apesar de duas vitórias nos penáltis e uma no prolongamento, a Croácia foi das equipas que melhor futebol praticou na Rússia (tal como em França, 20 anos antes).

A França, por seu turno, procurava refazer-se da desilusão de 2016 aos pés de um tal de Éderzito e chegou à Rússia com um objetivo claro: voltar a ser campeã do Mundo, 20 anos depois do título, 12 anos depois da final perdida frente à Itália (num jogo famoso pela cabeçada de Zidane a Materazzi).

Para chegar até aqui, a Croácia jogou três prolongamentos, contra Dinamarca, Rússia e Inglaterra – são 90 minutos a mais que a França o que, na prática, significa mais um jogo, facto que, numa competição curta como o Mundial faz muita diferença. Há 20 anos, naquela meia-final que teimamos em não esquecer nesta crónica, era a França que tinha jogado dois prolongamentos (frente ao Paraguai, onde um golo de ouro Laurent Blanc assegurou a vitória, e frente à Itália, que os gauleses só ultrapassaram nos penáltis) até chegar ao jogo com os croatas.

Para que serve este prólogo aparentemente inútil, perguntaram os leitores que apenas querem saber do jogo? Antes de mais, para poderem eventualmente contemplar o conhecimento e intelectualidade futebolística deste que vos escreve. Depois, para mostrar que França e Croácia apresentaram-se neste Mundial de forma não muito diferente do que há 20 anos. Os franceses, sendo uma seleção relativamente jovem, contam ainda assim com uma mescla de jogadores experientes (Lloris, Matuidi, Griezmann, Giroud) e de jovens talentos (Varane, Pogba, Mbappé) que formarão a base do que aí vem; os croatas com a sua segunda Geração de Ouro, alicerçada em nomes como Modric, Rakitic ou Mandzukic e à procura de (re)escrever história.

Mas vamos ao jogo.

A um início forte da Croácia seguiu-se... um golo francês. Ou melhor, um autogolo croata. Mario Mandzukic, o todo-o-terreno do ataque da Croácia que (até ver) vai dividir balneário com Cristiano Ronaldo em Turim na próxima época, colocou a bola na própria baliza após livre de Griezmann e adiantou os gauleses. O herói da meia-final contra a Inglaterra, autor do golo no prolongamento que colocou os croatas na primeira final da sua história, tornava-se vilão.

Mas porque é que isso haveria de ser um problema para a Croácia? Na fase a eliminar do Mundial, começaram a perder todos os jogos contra Dinamarca, Rússia e Inglaterra, nos oitavos, quartos e meias-finais, respetivamente. Por isso, não haveria de ser agora que isso se tornaria um problema.

Não foi.

Na sequência de outro livre, uma sucessão de cabeceamentos na área gaulesa faz a bola sobrar para Perisic (outro dos heróis da tal meia-final, autor de um golo e da assistência para Mandzukic no prolongamento) que “mata” de peito e remata de pé esquerdo, fazendo a bola atravessar a defensiva francesa e embater nas redes de Lloris. Estava feito o empate, estava feito o 3.º golo de Perisic no Mundial. O irrequieto e multifacetado avançado do Inter de Milão repunha a igualdade e, é justo dizer, alguma justiça no marcador.

Só que Perisic não tinha ficado por aqui no que toca a protagonismo: pouco depois da meia hora de jogo, um canto francês faz a bola embater na mão do croata, que assim vestiu a pele de vilão que antes havia cabido a Mandzukic. O árbitro argentino Nestor Pitana consultou o VAR, marcou penálti a favor da França e o inevitável Griezmann recolocou a França em vantagem no marcador. Foi o seu 4.º golo no Mundial e foi também o golo que levou os gauleses em vantagem para o balneário, assim que o apito para o intervalo se ouviu no Estádio Luzhniki, em Moscovo. O resultado de 2-1 era o mesmo da meia-final de há 20 anos. Restava saber se iria manter-se até final.

Pogba não deixou. Com os mesmos 25 anos que Zidane tinha naquela meia-final de 1998, o pulmão do meio-campo francês quis inscrever o seu nome na folha de marcadores e, já agora, na história do futebol. E depois de uma jogada de insistência dos franceses (e de alguma passividade da defensiva croata, é importante referir), um remate de pé esquerdo à entrada da área, logo a abrir o segundo tempo, descansou os comandados de Deschamps que na segunda parte mostraram-se bem mais perigosos que na primeira, em que praticamente só criaram perigo nos lances de golo.

A segunda parte não foi assim, contudo. É verdade que a Croácia manteve a toada da primeira metade e tentou sempre partir à procura do golo e colocar Lloris à prova. Mas a França estava demasiado forte. Mbappé estava demasiado forte. E provou-o pouco tempo depois com novo remate à entrada da área que bateu Subasic, seu antigo companheiro de equipa no Mónaco. Estava feito o 4-1 e a Taça estava também praticamente entregue. Estava? Talvez não.

Hugo Lloris, experiente guarda-redes da seleção francesa e dono da baliza gaulesa desde o Mundial de 2010, na África do Sul, quis dar alguma emoção ao jogo e num atraso inofensivo tentou fintar Mandzukic. O experiente avançado croata não deixou, reduziu para 4-2, e entregou ao guardião do Tottenham a pele de vilão que tinha vestido no primeiro tempo. Um lance caricato, é certo, mas que relançava a partida.

Até final, os croatas carregaram, os franceses defenderam, mas a verdade é que o resultado não se alterou e Deschamps conseguiu igualar o feito de Zagallo e Beckenbauer: sagrar-se campeão do Mundo como jogador e como selecionador.

Encham-se os Champs Elysées, pinte-se a Torre Eiffel: allez les Bleus, a França é campeã do Mundo.