Tivesse tido a estrelinha do final desta partida noutros jogos deste Grupo F, e não seria descabido insinuar que o Vitória SC muito provavelmente estaria na luta para fazer companhia ao Arsenal nos 16-avos de final da Liga Europa. Porque esta noite a célebre frase "a sorte protege os audazes" faz jus ao espírito dos conquistadores — e de Ivo Vieira. O técnico português, mesmo rodando praticamente toda a equipa, manteve a sua filosofia e desafiou as vozes que davam o resultado como feito a favor dos alemães.

Antes de a bola começar a rolar na Commerzbank-Arena — que hoje teve direito a cobertura fechada devido à neve, mas que ainda assim albergou mais de 40 mil almas — o Vitória SC não tinha qualquer hipótese de qualificação e iria apenas cumprir calendário. No entanto, ainda que assim fosse, a realidade apresentou uma turma vitoriana sem receio do frio, que começou bem o encontro e que o terminou ainda melhor. Tratou-se dum jogo disputado em toda a largura, aberto, com as duas equipas à procurar de marcar. Na primeira parte o Eintracht Frankfurt chegou à reviravolta, mas seria a equipa portuguesa, já bem perto dos minutos finais da segunda, a fechar o resultado. 

Ora, para se chegar até ao triunfo de despedida das competições europeias, muito contribuiu o belíssimo jogo de Pêpê Rodrigues no meio-campo e a fibra e compostura — especialmente nos últimos 25/30 minutos — do central Pedro Henrique. Claro que o triunfo aconteceu também devido ao espírito combativo e solidário de toda a equipa vitoriana, mas tanto o médio como o central foram determinantes para garantir o desfecho final da partida. O primeiro pela forma como pautou o miolo dos conquistadores e pelas duas assistências, o segundo por ter prestado cortes providenciais em momentos que o Frankfurt esteve por cima.

Quanto aos onzes, do lado alemão, apenas duas alterações relativamente ao jogo contra o Hertha BSC a contar para o campeonato doméstico: David Abraham (no lugar de Almany Touré) e Sebastian Rode (a fazer o papel de Gelson Fernandes). Isto é, a dupla de ataque estava reservada para o duo Gonçalo Paciência e André Silva (noite muito apagada de ambos). Do outro lado, situação inversa: apenas dois jogadores alinharam de início face àquele que jogou contra o Portimonense em jogo a contar para a I Liga. Quais? Ora nem mais do que Pedro Henrique e Pêpê Rodrigues. (Bas Dost, já se sabia, não ia a jogo, já que se encontra lesionado. O holandês, aliás, só deverá voltar aos relvados no próximo ano.)

Pois bem, a história deste jogo é um pouco como aquela que se passou no Emirates, em Londres, frente ao Arsenal. Um Vitória SC sem medos, a jogar de olhos nos olhos e em muitíssimo bom plano, obrigando o adversário a estar permanente em alerta. O primeiro golo aconteceu logo nos minutos iniciais (8’) e numa altura que Eintracht Frankfurt ia concedendo espaços ao ataque vitoriano. Num desses momentos, em contra-ataque, o Vitória SC chegou ao golo por intermédio de Rochinha.

Estupefação (leia-se protestos) alemã geral. Quer pelo golo em si, quer pelo início do lance.

Houve canto a favor dos germânicos, dá-se um alivio, a bola chega até Poha, que disputa a jogada com Rode na dureza. O francês leva a melhor, vira o flanco e mete a bola (com a ajuda de André Pereira que abriu as pernas) na direita em Rochinha. O extremo arranca em direção à baliza, trabalha bem sobre o defesa e bate rasteiro na diagonal para o poste contrário — Rønnow estava batido e os visitantes na frente.

Os jogadores do Frankfurt bem que protestavam, mas como é sabido, na Liga Europa, não há VAR. Portanto, segue jogo. 

Depois dá-se a reação do Eintracht. O primeiro aviso foi dado por Gonçalo Paciência, aos 24’. Mesmo vigiado por Venâncio, conseguiu dominar a bola de peito, mas disparou (redondamente) ao lado. O português, de resto, teve um jogo esforçado mas sem ser particularmente eficaz na hora da finalização. Disso é exemplo um lance à passagem da meia hora, em que Miguel Silva faz uma defesa espetacular em resposta ao cabeceamento de Paciência (assistido pelo melhor jogador em campo do Frankfurt, Filip Kostic).

Todavia, o Miguel Silva que tinha feito essa grande defesa, iria ficar na história do jogo ao borrar a pintura pouco depois com uma saída em falso em que permitiu o empate. Num balão surgido após um canto a favor dos alemães, o homem do corredor direito do Frankfurt, Danny Da Costa, pressionou o guardião português, que, num lance em que avalia muito mal a situação, deixou passar a bola entre as mãos. 

Quem anda pelo mundo dos videojogos e escrutina a base de dados do Football Manager ou gosta de velocistas no FIFA, já sabe que Kostic na esquerda é um perigo na hora de assistir para golo. No ano passado, na Bundesliga, em 34 jogos, fê-lo por 11 vezes. Hoje, para infortúnio do Vitória SC, faria mais uma. O sérvio, de 27 anos, conduziu pela esquerda, sacou do esquadro da bota e fez um cruzamento milimétrico para dar a Daichi Kamada a oportunidade de marcar o terceiro golo na competição e completar a reviravolta. É certo que a defesa vimaranense também deixou um pouco a desejar, mas seria errado tecer outra consideração à assistência que não o elogio. 

A ir para o intervalo o Vitória SC controlava, mas a má abordagem de Miguel Silva tinha dado força anímica ao adversário e permitiu que se fosse para os balneários em desvantagem. Repouso esse que viria a fazer bem aos alemães, que entraram mais perigosos, só não causando estragos de maior porque a defesa da equipa portuguesa aguentou e os vimaranenses iam conseguindo sair em contra-ataque e criando perigo cada vez que chegavam às imediações da baliza de Rønnow. (Aos 55’, Florent Hanin galgou no lado esquerdo e disparou um míssil à barra que o guardião dinamarquês só conseguiu controlar com os olhos.)

Por esta altura o relvado ia ficando cada vez mais pesado — a contas da neve que caiu na noite anterior. Era simplesmente difícil fazer uma circulação de bola rápida. No entanto, apesar do terreno arenoso, isso não iria impedir que acontecesse nova cambalhota no marcador. Cambalhota essa que chegou por intermédio do regressado Musrati, desta feita para a equipa de Ivo Vieira. Só que o golo é, no mínimo, caricato. Ou desajeitado, vá. Dá-se um canto, a bola pinga no meio da área, Al Musrati sente que há situação ali para rematar e, efetivamente, fá-lo — enquanto escorrega. Pelo meio há ainda um desvio, mas o esférico entra no canto superior. Na gíria futeboleira, dir-se-ia que isso não importa nada porque elas contam é lá dentro. Este foi um desses casos. Assistência de Pêpê, jogada atabalhoada de Musrati e estava feito o empate. Estávamos no minuto 85’. 

Contudo, desde sensivelmente o meio da 2.ª parte que o Vitória SC estava mandão. E com mudanças. Bonatini entrou para o lugar de André Pereira (66’), Rochinha cedeu o lugar a Marcus Edwards (70’). E fez-se luz no banco dos conquistadores em Frankfurt — porque há substituições que calham bem quando acertadas, e Ivo Vieira deve ter pressentido que o inglês podia acrescentar qualquer coisa ao jogo vitoriano. E assim foi.

Edwards pegou na bola no flanco direito, arrancou por ali fora e rematou a uns 20 metros da baliza para abrir caminho à primeira vitória na fase de grupos para a equipa de Guimarães em cima dos 90'. É verdade que, mais uma vez, houve estrelinha: a bola sofreu um desvio que atraiçoou Rønnow. Porém, a única coisa que se lamenta é que esta tenha aparecido duas vezes em três minutos no último jogo, e não tenha aparecido noutros jogos. Porque o último lugar do grupo não condiz com o futebol praticado pelo Vitória SC nesta edição da Liga Europa.

Durante a conferência de antevisão, Adi Hütter, treinador do Eintracht, disse que era necessário derrotar o conjunto português, não só para seguirem em frente na competição, mas também para corrigir a autêntica malapata de maus resultados nos últimos tempos na Bundesliga (três derrotas e um empate nos últimos quatro jogos). Para isso, Hütter esperava que o jogo de hoje fizesse "faísca" na equipa. Porém, houve faísca, mas essa despontou — ou foi mais notória — nos corações vimaranenses, que lutaram para trazer para Portugal um resultado positivo. A reação dos jogadores de Ivo Vieira, após o árbitro Gediminas Mazeika ter dado ordem para recolher aos balneários pela última vez, espelhava isso mesmo.

Todavia, ainda que assim seja, feitas as contas a classificação final do Grupo F da Liga Europa reza assim: 1.º o Arsenal, com 11 pontos; 2.º o Frankfurt, com 9; 3.º o Standard Liège com menos um, 8; por fim, em 4.º, o Vitória SC com 5.  

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso ó, meu? 

Há uns anos um sketch famoso dos Gato Fedorento parodiava o antigo internacional Ricardo. "Minha", dizia o guarda-redes enquanto deixava cair sistematicamente as cervejas no chão da praia. Hoje, o guarda redes do Vitória SC teve um lapso e um momento semelhante. É ingrata, a vida dos guarda-redes. Porque se um avançado falha um golo, é penalizado, mas de maneira diferente. Quando é o homem da baliza a fazê-lo, como normalmente tem interferência direta no resultado, é difícil esquecer. No entanto, é difícil não incluir o momento nesta rubrica porque, de facto, é um daqueles que, não obstante a psique do jovem dos conquistadores, teria lugar garantido no Watts, um segmento dedicado a momentos insólitos, dum famoso canal desportivo internacional. 

Davidson, a vantagem de ter jeito para endiabrar defesas

É um daqueles jogadores que deverá rumar brevemente a outras paragens, porque é tecnicamente evoluído e tacticamente bastante disciplinado. Correu, batalhou e tentou bater a defesa adversária. Hoje não marcou, mas teve vários momentos em que mostrou que é jogador de bola. Especialmente num lance em que fez uma vírgula a fazer lembrar Ronaldinho Gaúcho (não estou a comparar talentos, apenas e só, o gesto técnico desta noite). Foi bonito

Fica na retina o bom futebol

Pêpê Rodrigues fez uma exibição de encher o olho. O médio, de 22 anos, jogou e fez jogar. Bem escudado por Al Musrati, um pouco mais atrás, nunca deixou as coisas por meias medidas, quer a atacar, quer na hora de prestar auxílio ao quarteto defensivo. Além disso, esteve em dois golos da equipa e foi o motor que os vimaranenses precisavam quando estava em desvantagem. É um jogador a seguir com atenção e que, numa partida complicada, deixou bem assente que Ivo Vieira pode contar com ele. 

Nem com dois pulmões chegava a essa bola

David Abraham, aos 33 anos, é um jogador experiente. É alto, forte e imponente no jogo aéreo. Esta noite também capitaneou o Frankfurt. Mas, numa defesa com três centrais, é difícil não ficar com o coração nas mãos sempre que Danny Da Costa sobe pelo flanco direito. É que não basta só ralhar — e ralhou muito durante o encontro —, há que correr também. E isso hoje foi difícil. É certo que muito se deve à dificuldade que envolve marcar Davidson, mas nota-se que a só experiência parece não chegar. Pelo menos, hoje, foi assim.


Artigo atualizado às 01:58