Há algo de podre no reino do Dragão. O paradigma mudou exponencialmente; a equipa que era campeã crónica, que entrava em todas as competições não para as disputar mas para as vencer, transformou-se numa “simples” candidata a títulos. Desde a época brilhante de 2010/2011, com André Villas-Boas ao leme do grupo, que o desânimo tem vindo, progressivamente, a tomar conta das hostes Portistas — e só momentos esporádicos, como o minuto 92 ou o golo de Herrera na Luz, conseguiram amenizar a tragédia em que o Futebol Clube do Porto mergulhou.

A palavra “tragédia” não é utilizada, aqui, de ânimo leve. Não se coloca em causa a grandeza (eterna!) do clube, ou o facto de seguir em primeiro lugar na tabela do campeonato corrente, com uma final de Taça ainda por disputar. O que se coloca em causa, e é isso que mói o espírito de todos quantos vêem no azul e branco não uma doença, mas teologia, é o rumo desportivo e financeiro que o FC Porto tem seguido nas últimas temporadas.

Vamos a números. Desde 2014, apenas dois troféus internos: Primeira Liga 2017/18 e Supertaça Cândido de Oliveira 2018. Pelo meio, várias finais e semi-finais perdidas para esse grande fantasma que se apoderou do espírito Portista: os penaltys. Na Europa, um par de campanhas decentes terminaram em goleadas: Bayern (6-1) e Liverpool (0-5 e 1-4), sendo que o carrasco desta época foi um desconhecido FK Krasnodar.

Já o Relatório e Contas de 2020, apresentado no final do mês de fevereiro, esteve longe de sossegar os adeptos e sócios. O passivo do clube, que se encontra em regime de fair-play financeiro, e com o olho de Sauron da UEFA à espera e à espreita de um deslize, aumentou 36,421 milhões de euros, para um total de mais de 444 milhões. A SAD do clube justificou tal rombo com a não-presença na Liga dos Campeões deste ano... Mas as perguntas que quase todos fazem é: um clube como o FC Porto tem que estar sempre dependente do dinheiro europeu e das vendas de jogadores? Não poderá existir um outro rumo, mais sustentável, que não implique a perda de competitividade?

A poucos dias das eleições no clube (adiadas de 18 de abril para os dias 6 e 7 de junho, devido à pandemia da Covid-19), de onde sairão uma nova direcção para os próximos quatro anos, as respostas a essas perguntas são ainda escassas ou insatisfatórias. O cenário é negro: os próximos anos serão de ou vai ou racha para o FC Porto, e o pessimismo não permite antever soluções dignas e concretas para estes problemas. Tão negro que, este ano, aconteceu algo impensável até há bem pouco tempo: pela segunda vez em 38 anos, Jorge Nuno Pinto da Costa terá alguém a concorrer contra si... E não apenas um, mas dois outros candidatos.

O primeiro sinal de alarme, de que a estrutura que há muitos anos toma conta dos destinos do FC Porto poderia vir a sofrer um abanão, foi dado em 2016. Certo: Pinto da Costa venceu as eleições desse ano sem grandes problemas, até porque concorria sozinho. Mas o número de votos nulos (21%) constituiu um enorme sinal de protesto (e o único possível) por parte dos sócios, num ano em que o maior rival ia a meio da sua ultrapassagem, e que viu derrotas infames (Arouca e Tondela em casa) pelo caminho.

De lá para cá, as contas derraparam (ainda mais) e só a chegada de Sérgio Conceição, que devolveu alguma da mística e do espírito que constitui a personalidade Portista, atenuou os estragos – mesmo que o estilo de jogo da equipa não agrade assim tanto (por vezes nem é “vinho da tasca”, é mesmo de pacote, daquele que nem para temperar serve). O campeonato em 2018, que tirou ao maior rival a possibilidade de igualar um penta, serviu para acalmar as hostes. Mas, logo na época a seguir, João Félix dava uma facada no coração de todos os adeptos azuis e brancos... E, este ano, só um regresso épico ao primeiro lugar (quando tudo já parecia perdido) fez esquecer essa ignomínia.

Sérgio Conceição e Pinto da Costa
créditos: AFP or licensors

Em equipa que ganhou não se mexe

Tudo somado, as eleições deste fim de semana poderiam constituir uma oportunidade de mudança, uma injecção de sangue novo. Será, no entanto, seguro dizer que tal não irá acontecer. Pinto da Costa ainda é – e sê-lo-á sempre, mesmo após a sua morte – uma figura indestrutível dentro do clube, o adversário que ninguém quer enfrentar num acto eleitoral, seja por medo ou pelo enorme respeito e gratidão que qualquer adepto Portista terá obrigatoriamente que lhe guardar. Pelo que, mesmo com dois candidatos extra à presidência, o mote será: que percentagem de votos caberá ao líder atual?

Ou seja, mais do mesmo, sendo que o “mesmo” poderá tomar duas formas: ou o FC Porto volta a entrar nos eixos e faz desta nova década um novo exemplo de sucesso máximo, conquistando títulos atrás de títulos e afogando Lisboa em lágrimas, ou o FC Porto mantém esta senda de justificações e regozijos com segundos lugares e finais perdidas. «O FC Porto nunca deixou de estar na luta», afirmou Pinto da Costa ao Porto Canal, logo acrescentando que «perder finais nos penaltys não é sinal de inferioridade». Perdão, mas: a luta não é ganhar, e não ganhar é por natureza uma inferioridade. Fosse nos penaltys ou no lançamento da moeda.

Se a mudança, tirando a promessa de uma “Cidade do Futebol”, parece não vir a fazer parte deste cenário, o mesmo não é válido para quem o constrói. Na lista que Pinto da Costa apresentou a votos, destaque imediato para duas velhas (e duas das maiores) glórias do futebol do clube: Vítor Baía, que estará ligado ao futebol «em funções que serão determinadas» em caso de vitória nas eleições, e Fernando Gomes, que ficará encarregue do futebol de formação. Um trabalho que se poderá revelar difícil, já que o objetivo terá necessariamente por passar pela emulação ou melhoria da época anterior, em que o Futebol Clube do Porto conquistou a UEFA Youth League.

Outro factor será o de perceber se este será, como o próprio presidente afirmou na supracitada entrevista, o seu último mandato (caso vença). Por entre os nomes que constituem a Lista A de Pinto da Costa, há sinais de que isso poderá ser uma realidade. Não só pela presença de Baía, que no passado admitiu candidatar-se à presidência (e que, também no passado, afirmou que “varria” toda a estrutura do FC Porto...), mas também pela de Rui Moreira, na lista para o Conselho Superior, que da Câmara Municipal do Porto poderá dar um salto para o Estádio do Dragão. O que significa que o líder já estará a preparar a sua sucessão, que poderá passar também por André Villas-Boas (signatário da lista de Pinto da Costa, e que também já mostrou vontade de vir a ocupar uma outra “cadeira de sonho”), ou por António Oliveira (crónico candidato a candidato à presidência do FC Porto). Aliás, o próprio presidente afirmou, ao Jornal de Notícias, que se algum destes três últimos nomes se tivesse candidatado, ele não o faria...

José Fernando Rio, candidato à presidência do FC Porto
O candidato à presidência do FC Porto, José Fernando Rio, durante a entrevista à Agência Lusa no Parque da Cidade do Porto, 27 de maio de 2020. JOSÉ COELHO/LUSA créditos: Lusa

Um “Rio” no Porto? Sim, é possível

Não o fizeram, mas fê-lo José Fernando Rio, candidato da lista C. Licenciado em direito, Rio é há muito um rosto conhecido do universo Portista: integrou a estrutura do Porto Canal, em 2006, onde foi comentador desportivo, função que teve também no programa Trio D'Ataque, da RTP. Foi o primeiro a anunciar a sua candidatura às eleições de 2020, e a surpresa não termina aí: nunca um adepto Portista terá pensado, algum dia, ver um “Rio” a presidente do seu clube...

Faltando-lhe experiência como dirigente (mas, sejamos honestos: igualar a experiência de Pinto da Costa é uma tarefa impossível), o que há em Rio é uma vontade de mudança e de vitórias, ou não fosse esse o lema da sua lista, que conta nas suas fileiras com alguém que sabe bem o que é ganhar: Teresa Figueiras, antiga campeã de natação pelo FC Porto. Num programa «ambicioso», saltam à vista as preocupações com as queixas de boa parte dos Portistas: as finanças e a falta de títulos. «Nem tudo está mal feito ou foi mal feito, mas acho que as coisas agudizaram-se nos últimos tempos», afirmou no início de março.

A sua voz não é a de uma oposição feérica ao estado de emergência indiretamente declarado dentro do clube, e sim a de quer quer tirar o carro da valeta: «não é uma revolução, mas temos que mudar. Passivo e dívida não são sustentáveis», afirmou ao Porto Canal. Às promessas tipicamente políticas de «profissionalismo, rigor e transparência», Rio junta outras propostas mais concretas: a construção de uma academia para o futebol jovem, algo que o FC Porto há muito necessita, a renegociação da dívida e o corte nos custos. E ainda um maior investimento nas modalidades – um objetivo que o atual presidente disse ser, “simpaticamente”, «enganar as pessoas». 

Percebe-se no entanto a lógica: mais modalidades significa mais troféus por conquistar, mais atletas a querer praticar desporto no clube e, por conseguinte, mais sócios e mais receitas. E dentro desta ideia estão modalidades consideradas prioritárias: o futsal, o futebol feminino e o voleibol masculino. A construção de um novo pavilhão, que se iria juntar à Dragão Arena, seria o passo seguinte. De que forma se poderia financiar tudo isto sem manter as contas nesse execrável vermelho? Isso, é algo a que Rio terá que responder com honestidade e frontalidade - «negociar juros e spreads» não é uma resposta aceitável e/ou compreensível da parte do comum adepto.

Nuno Lobo, candidato à presidência do FC Porto
O candidato à presidência do FC Porto, Nuno Lobo, durante a entrevista à Agência Lusa, Porto, 27 de maio de 2020. JOSÉ COELHO/LUSA créditos: Lusa

Esfomeado, como o Lobo

O mandato de Bruno de Carvalho trouxe para o léxico do futebol português a figura do “presidente-adepto”, como se todos os presidentes (salvo exceções) não fossem adeptos do seu próprio clube. É um pouco isto que Nuno Lobo, empresário e candidato da lista B (e presença incortornável nos jogos do FC Porto, seja qual for a modalidade), traz para o jogo eleitoral. A comparação com o ex-presidente leonino não pretende dar a entender qualquer conotação negativa: reconhece-se em Lobo o espírito combativo do Dragão, que não está só no facto de se recusar a dizer a palavra “Benfica”. Algo que terá, talvez, trazido do seu tempo nas claques: fez parte dos extintos Dragões Azuis, grupo de apoio que está na génese dos Super Dragões.

Resgatando o grito de Nuno Espírito Santo - “Somos Porto” -, Lobo apresentou, só para começar, 250 propostas, sendo que as principais pouco diferem das de José Fernando Rio: equilibrar as contas, manter atletas considerados indispensáveis (ou, pelo menos, impedir a sua saída a custo zero) e apostar nas modalidades, com o futsal à cabeça. Mesmo que os seus números sejam algo irrisórios: 250 mil euros, afirma, chega para se construir uma equipa que rivalize com os grandes de Lisboa, que gastam milhões nesta modalidade.

A solução para o financiamento de mais modalidades está, explica, na construção de mais e maiores parcerias, na expansão da marca FC Porto. Que, como bem salienta, goza de um estatuto invejável: duas vezes campeã da Europa, duas vezes campeã do mundo. Uma aposta na reformulação e venda da imagem do clube leva ao aumento dos números do merchandising, da quantidade de sócios, de adeptos. Que nem sequer tem que estar dependente do futebol e dos meses em que este se encontra activo; uma das propostas mais fora da caixa daquele que é porventura o candidato mais fora da caixa é a de, no verão, ter outro tipo de eventos no Estádio do Dragão e no Dragão Arena... Pelo que, caso Lobo vença, eventualmente marcaremos presença num qualquer NOS Dragão ou Super Porto Super Rock.

A expressão “auto-sustentabilidade” surgiu por várias vezes no discurso de Lobo, em entrevista ao Porto Canal. A subserviência do clube à SAD também está fora de hipótese: «Tem que haver interacção entre ambos, tem que se criar estratégias». E a falta de experiência, tal como com Rio, não é desculpa para não querer – ou poder – fazer mais e melhor. «Esta direcção tem tanta e estamos como estamos», disparou. A passividade em relação a processos como o E-Toupeira – acusação feita por vários adeptos à atual direção – também não o agrada; Lobo promete «não ficar calado» perante quaisquer forças exteriores que tenham como objetivo prejudicar o clube. Na sua agenda encontra-se ainda o muito falado naming do estádio, algo que Pinto da Costa garantiu já estar em marcha, com uma marca estrangeira – a qual não revelou.

Eleição ou eleições?

Se as previsões apontam para que os ventos da mudança ainda não cheguem ao FC Porto, o projeto mais interessante – excluindo propostas específicas de cada um dos candidatos – destas eleições é aquele apresentado pela lista D. Espera, há mais algum candidato além de José Fernando Rio e Nuno Lobo? Sim, há – mas não à direcção, e sim ao Conselho Superior. A lista D, encabeçada por Miguel Brás da Cunha e que tem como manifesto “Por um Porto Insubmisso, Eclético e Triunfante” é quiçá a maior lufada de ar fresco de um acto eleitoral que, grosso modo, mais não fará que beliscar Pinto da Costa.

Não menosprezando que cada qual dos aspirantes à presidência ama o FC Porto à sua maneira, a lista D é a única que colocou o clube acima de quaisquer identidades. Na sua génese está, antes de mais, o FC Porto; o presidente é apenas um avatar, um rosto que representa os seus interesses. Tendo também na sua agenda o investimento nas modalidades, e apresentando ainda uma proposta para a limitação de mandatos dentro do clube de infinitos para três (uma faca de dois gumes, já que ninguém poderá dizer que, se Pinto da Costa tivesse saído em 1994, o FC Porto teria conquistado à mesma o penta e a Liga dos Campeões...), o seu objetivo máximo é o de ajudar o clube numa fase negra – nada mais, nada menos.

Uma candidatura à direção nunca foi, sequer, equacionada: é uma posição demasiado importante, explicou Brás da Cunha, para ser encarada de ânimo leve, o que também não é dizer que os outros candidatos o tenham feito. O papel desta lista no Conselho Superior está no trabalho que esta faz ou tem que fazer, que é o de aconselhar quem quer que ganhe, de ajudar o clube a escolher a melhor estrada a percorrer. Sem querer entrar em negociatas: «Não queremos saber de stakeholders e shareholders. O nosso core não é comércio, é o desporto», afirmou.

Partindo do exemplo do Barcelona, «símbolo de uma ideia, tal como o FC Porto», a palavra-chave da lista D é o ecletismo, não só em questões de modalidade como de género, tendo em conta a sua vontade de apostar no desporto feminino. Manter o clube nas mãos dos sócios é essencial – aliás, este mesmo órgão age como representação direta das vontades destes. «O Conselho Superior não pode ser um órgão que se reúne uma vez por ano, que fala sobre as contas e desaparece»; tem de manter um papel ativo na vida do clube, olhar sempre a longo-prazo, fazer o que ainda não foi feito. A promessa maior é a de tentar envolver todos os sócios na vida do clube, e não apenas os da região norte, instaurando o voto por correspondência e o voto eletrónico – o que seria uma bênção para quem teve o azar de nascer Portista na capital do império. A presença da lista D no ato eleitoal obrigará, por isso, a duas eleições distintas: uma, para uma nova direção; a outra, para um novo Conselho Superior – que não estarão, como até agora, interligadas. Vença quem vencer, quem terá obrigatoriamente de ganhar é o clube.

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