Classificar a atual seleção feminina de futebol dos Estados Unidos da América apenas como uma das melhores equipas da história da modalidade seria negligenciar toda uma luta que foi feita dentro e fora das quatro linhas pela igualdade de género num desporto que nas últimas décadas apenas eternizou ídolos do sexo masculino.

Vamos situar-nos.

Primeiro, por que razão a seleção feminina norte americana é uma das melhores do mundo? Vamos olhar para os feitos: número um do mundo do ranking da FIFA, quatro Campeonatos do Mundo (inclui as duas últimas edições, 2015 e 2019), quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos e três Golden Cup.

Segundo, a luta. Tudo começou em 2016 quando Hope Solo, Carli Lloyd, Becky Sauerbrunn, Alex Morgan e Megan Rapinoe apresentaram uma queixa contra a Federação Norte-Americana de Futebol por discriminação salarial. Frustrada com o andar do processo, a equipa retirou a queixa no início de 2019 e apresentou uma nova nos meses antes da seleção norte-americana para participar - e vencer - o Mundial. Assim, no dia oito de março de 2019, 28 jogadoras da seleção de futebol feminino dos Estados Unidos processaram a federação daquele país, alegando discriminação salarial e de condições de trabalho.

Na queixa, apresentada num tribunal federal de Los Angeles, as atletas da seleção campeã do mundo reclamavam as mesmas condições oferecidas à equipa masculina, tanto no que diz respeito a salários, como à qualidade dos tratamentos médicos ou o transporte para os jogos.

De acordo com o jornal The New York Times, as 28 atletas, pedem uma indemnização por danos, que pode atingir vários milhões de dólares. As jogadoras dizem ser obrigadas a disputar mais jogos do que os atletas da seleção masculina e que, apesar de ganharem mais jogos, continuam a receber salários mais baixos do que os homens.

É precisamente neste segundo ponto que nos devemos alongar.

A seleção que já ganhou tudo, perdeu, na sexta-feira, dia um de maio, o ponto mais importante do processo, com o tribunal da Califórnia, onde o caso foi julgado pelo juiz Gary Klausner, a concluir que a federação norte-americana provou que a seleção feminina recebeu mais dinheiro "em termos cumulativos e, em média, por jogo" em comparação com a seleção masculina, durante o período tido em conta no processo.

“É facto indiscutível que de 2015 a 2019 a seleção feminina recebeu uma média de 220.747 dólares por jogo no total dos pagamentos (de um total de 24,5 milhões de dólares), enquanto a seleção masculina recebeu em média 212.639 dólares por jogo no total dos pagamentos (de um total de 18.5 milhões de dólares”, pode ler-se no processo.

Contudo, as queixas relativas a tratamento desigual nas viagens e na qualidade dos tratamentos médicos podem e vão seguir para julgamento, que começará a 16 de junho.

No entanto, é notório que apesar da primeira batalha perdida, não é assim que vai terminar a guerra. No dia do anúncio da decisão por parte do tribunal, várias figuras expressaram-se a favor da equipa, das jogadores, naturalmente, que prometeram não baixar os braços.

Joe Biden, candidato democrata à Casa Branca nas próximas eleições presidenciais, disse “que isto ainda não terminou”. Se a Federação não adotar um pagamento igualitário entre as duas seleções, não irá contar com financiamento público para o próximo Mundial caso Biden sejam Presidente.

Megan Rapinoe, a melhor jogadora do mundo, disse estar chocada pela decisão do tribunal, no programa “Good Morning America”, da ABC, relembrando que a justificação dos ganhos cumulativos só existe porque a seleção feminina é muito mais bem sucedida que a dos homens.

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“Se eu ganhar um dólar cada vez que jogue e um homem ganhar três, só porque eu ganho 10 jogos e ele três, e portanto eu ganhei 10 dólares e ele nove, não percebo como é que isso é fazer mais dinheiro uma vez que basicamente ganhámos tudo aquilo que podíamos ter ganhado nestes últimos anos: dois Campeonatos do Mundo e todos os jogos que disputámos”, disse Rapinoe. “Para mim, o juiz falhou o ponto e estou muito desapontada, para ser honesta”.

A seleção masculina também emitiu um comunicado, em resposta à decisão do tribunal, afirmando que há um ano e meio que têm vindo a fazer propostas à Federação para se alcançar um pagamento igualitário. Mais, dizem entender a decisão da seleção feminina de recorrer da decisão e apoiam-na.

O resultado — pelo menos ao nível da opinião pública — parece ser inevitável. A luta vai continuar num campeonato sem troféus e onde nenhuma seleção, federação ou país tem palmarés. Elas conquistaram o desporto e são ídolos num país que chama soccer ao desporto-rei, e mais tarde ou mais cedo, a geração de Rapinoe vai conseguir aquilo que muitos anseiam: igualdade.