Carla Couto é a jogadora portuguesa mais internacional de sempre (145 jogos pela seleção nacional) e jogadora do século para a Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Praticante desde pequena de diversos desportos também jogava à bola com os rapazes. “Era a primeira a ser escolhida nos jogos no parque de campismo do Inatel” onde passava férias de verão ou durante os fins de semana, recorda.

No dia em que o pai lhe pegou pela mão e “levou-a” a um treino no Sporting Clube de Portugal perdeu-se uma jogadora de andebol. Desde então nunca mais largou a bola dos pés. Uma ligação alimentada dentro de casa. “Num natal, recebi uma bola e parecia que tinha recebido o mundo”, exclama.

As palavras do pai estão bem presentes no seu álbum de recordações e acompanham-na para o resto da vida. “Foram daquelas que vês que são sentidas. Quando assinei pelo Sporting disse-me: tens aqui uma mesadazinha. É a maior alegria que me deste na vida foi teres ido jogar para o Sporting”, recorda com emoção.

“Parte da minha carreira, fi-lo por mim. Depois fi-lo por ele. Tenho pena que não tenha presenciado quando fui melhor jogadora do século”, lamenta.

Carla Couto jogou à bola 24 anos. Por amor ao jogo. Num flashback de carreira não se recorda do primeiro jogo do campeonato. Da seleção, sim. “Foi em São Luís, em Faro”. E o primeiro golo com a equipa nacional também. “Foi contra a Finlândia”.

O futebol não tem género. Só talento

Nunca recebeu dinheiro. “Fui jardineira, fui carteira, vendi pilhas. Não vivia do futebol e tinha que ter uma carreira”, afirma.

O profissionalismo chegou “aos 37 anos” na Lazio, em 2002. “Foi preciso azar”, sorri, explicando que esteve “seis meses” sem receber salários, um “azar” prontamente resolvido com a ajuda do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, onde hoje é embaixadora.

Esteve três meses na China onde recebeu “três mil dólares por mês”. Nos primeiros “15 dias passei mal”. No restaurante escolhia “chicken (galinha) e quando vi a cabeça disse: nossa senhora”. Depois a língua. “Sou comunicativa ninguém falava inglês. És largada num país em que olhas para tudo e não percebes nada. Não saía do hotel para lado nenhum porque depois não conseguia voltar”, explica.

Com inúmeras histórias para contar recorda “uma situação em Camarate, no campo atrás do aeroporto...ia haver um jogo grande ... e um árbitro a meio disse: vamos lá a despachar que tenho que ir ver o jogo”.

Se inicialmente as partidas tinham um homem no apito, hoje são as mulheres que impõe as regras. Reconhece que hoje o futebol feminino está diferente, para melhor, fruto do profissionalismo. Elogia clubes e FPF. E acredita que a Cláudia Neto possa chegar a um patamar entre “as três melhores do mundo”, aponta.

Adiou uma operação para ser campeã pelo 1º Dezembro (que representou durante 14 anos). “Tinha um parafuso no tornozelo e falei com o médico para adiar a operação. Faltavam dois jogos para ser campeã. Fui campeã e no dia seguinte fui operada”.

Olha para o passado e lamenta ter “deixado a escola demasiado cedo” porque se calhar “acreditava que iria ser profissional de futebol”. Algo que não aconteceu. Por isso deixa um conselho: sigam o percurso académico e lutem pelo sonho no futebol. Podes conciliar as duas coisas. Mesmos as jogadoras profissionais”, atira.

Não se arrepende de nada. “Nada ficou por fazer. Talvez algumas más opções, más escolhas”. Recebeu um convite para ir para a Suécia e não aceitou. “Se tivesse ido talvez tivesse chegado a outros patamares”, admite.

“Sinto-me realizada porque trabalho ligado ao futebol feminino”, faz o balanço. E diz que o futebol não tem género. “Só talento”, termina.