Os jornais do dia seguinte foram ao logo do século XX um registo seguro para a história que se escreveria dos dias que passam. Na era da internet, a história escreve-se ao minuto, ao segundo por vezes, o que torna muito mais difícil a tarefa de seleção aos historiadores. Ainda assim, há dias de exceção. Como o 15 de junho de 2018, esse dia em que Cristiano Ronaldo protagonizou um dos jogos mais eletrizantes e memoráveis na história dos mundiais de futebol. O dia em que começou o jogo inaugural da seleção portuguesa no Mundial de 2018 na Rússia a marcar e terminou o jogo inaugural da seleção portuguesa a marcar. E pelo meio ainda marcou mais um.

Não foram três golos frente a uma equipa qualquer - foram três golos frente à seleção espanhola, que já levou para casa nos anos recentes a taça de campeã europeia e mundial. Não foram três golos frente a adversários quaisquer - foram três golos frente a vários companheiros de equipa não de uma, mas de várias épocas no Real Madrid e de adversários espanhóis bem conhecidos nos campos de uma das Ligas mais competitivas do mundo, a espanhola.

Mas, sobretudo, não foram três golos quaisquer. Foram golos dramáticos, intensos, plenos da chama que faz o futebol arrastar multidões. Dois que colocaram Portugal em vantagem e um que permitiu a Portugal sair do jogo com um empate com sabor a vitória. E é sobretudo esse último, o mais dramático, que a história vai imortalizar. Há qualquer coisa de transcendente nos segundos que antecedem o golo. Há qualquer coisa de perturbador no rosto de Cristiano Ronaldo a fitar a baliza para aonde aquela bola tinha de chegar certeira. E se hoje muitos portugueses garantem que anteciparam que seria Éder a marcar o golo que levou o país a campeão europeu em 2016, não serão menos aqueles que poderão jurar que souberam que seria golo antes de ser golo. E que por isso viveram um dos momentos mais emocionantes de sempre. E a bola entrou, com uma precisão matemática e uma certeza científica.

O Terreiro do Paço, em Lisboa, encheu-se de adeptos, curiosos, turistas, muitos turistas, para verem o jogo. Talvez fossem mais estrangeiros que portugueses. Talvez se falasse mais inglês, francês ou até mesmo espanhol do que português. Mas as camisolas nº7 que mais pareciam uma legião organizada de Ronaldos como que anteciparam o que se iria viver naqueles 90 minutos. Não há nativo ou gringo que resista à magia de momentos como aqueles que o futebol traz. Não há língua, geografia, cor de pele ou religião que nos divida quando se trata tão somente de admirar essa capacidade humana de superar o que entendemos como humano e de nos aproximar de qualquer coisa superior.

Escreveu o New York Times, nessa memória dos dias que a História irá registar: "Tudo o que os adeptos espanhóis podiam fazer, após o jogo ter terminado, era aplaudir. Não fazia sentido desmoronar em desapontamento, preocupar-se com o que poderia significar. Espanha teve a vitória arrebatada no último momento, negada num momento catártico pelo seu mais próximo vizinho, e ainda assim não havia amargura, nem tristeza: apenas admiração e reverência. Às vezes, não é sobre quem ganha, mas sobre fazer parte de algo."

Damn right.