Há um momento a meio da segunda-parte que define aquela que foi a postura do Paris-Saint Germain (PSG) para esta meia-final da Liga dos Campeões. Marcado o terceiro golo — aquele que, definitivamente, arredaria o Leipzig da final — Kylian Mbappé virou-se para os colegas e apontou os seus dois indicadores às têmporas, como quem diz “cabecinha, cabecinha, que isto ainda não acabou”.
Não foi surpreendente a postura subitamente madura do jovem astro francês, pelo menos para quem viu este jogo. Cansado de ser feito “gato sapato” na Europa, o PSG agarrou nesta oportunidade de, por fim, chegar a uma final europeia (se não contarmos competições defuntas, como a Taça das Taças) pelos “cornos” e teve uma exibição exemplar contra um adversário que incomodou bem menos do que se esperava.
Com os traumas dos últimos anos em mente — especialmente a humilhação contra um pálido Manchester United nos oitavos de final no ano passado — e sem esquecer a semifinal perdida para o Milan em 1995, a equipa parisiense fez “peitaça” ao fado a que parecia condenada e desde cedo mostrou ao que vinha, a jogar como um coletivo coeso e não como uma coleção de craques, e mostrando que o que faltava era uma dose de força mental e não talento (esse, em abundância).
Depois de perverter a sorte bíblica, ao ser “Golias” a derrotar o “David” que era a Atalanta nesta edição da Champions e pôr fim ao conto de fadas italiano, era agora a vez do PSG enfrentar outro adversário teoricamente mais fraco. Pela frente, encontrava um RB Leipzig a fazer história, chegando às meias-finais na sua segunda entrada na Liga dos Campeões ao ter deixado no caminho Tottenham e Atlético de Madrid.
Seria erróneo e ingénuo, porém, antepor estas duas equipas num duelo entre equipas radicalmente diferentes, pelo menos num plano associativo e de gestão. Afinal de contas, aos olhos dos puristas — e, francamente, de boa parte dos fãs de futebol — tanto PSG como Leipzig fazem parte da mesma face do “futebol negócio” que tomou conta do desporto rei, sendo o método de construção das equipas o principal diferenciador.
Se o lado de Thomas Tuchel assume-se como uma espécie de equipa de “galáticos” 2.0 criada a partir do petrodólar catari, a jovem turma conduzida por Julian Nagelsmann — ele próprio um prodígio de tenra idade — é um projeto também ele milionário alicerçado pelo dinheiro da Red Bull e focado na prospeção de jovens talentos.
Deixando encontros e desencontros financeiros de parte, onde as duas equipas realmente colidiam à entrada desta partida era na gestão de expectativas: o PSG a sofrer da impaciência de finalmente produzir resultados na Europa, o Leipzig a viver um sonho de ter chegado tão longe na competição. Apesar da vantagem mental estar, porventura, do lado dos alemães, os franceses demonstraram, porém, que finalmente deixaram os fantasmas do passado para trás.
Iniciou-se com o jogo de igual para igual no Estádio da Luz, com o Leipzig a projetar-se pelas alas com Nkunku e Laimer e com o PSG a investir sobretudo em lançamentos longos para o tridente de Di Maria, Neymar — a jogar como um falso nove “vagabundo” — e Mbappé.
No entanto, no duelo de velhos conhecidos, levou avante a estratégia de Tuchel sobre a de Naglsmann. Se o PSG manteve essencialmente a mesma táctica da partida com a Atalanta, substituindo apenas peças (Di Maria e Mbappé entraram por Sarabia e Icardi, Gueye deu o lugar a Paredes no meio-campo, Sergio Rico relegou Kaylor Navas para o banco), o Leipzig optou pela alteração dos seus jogadores em campo, com uma linha de quatro a defender num 4-1-4-1, quando tinha sido de três contra o Atlético de Madrid. Neste caso, foi a equipa que não mexeu a ganhar.
Com o Leipzig a tentar jogar sempre a partir de trás, os franceses subiram as linhas e os alemães começaram a fraquejar. O primeiro sinal foi dado por Neymar, que, decididamente, tem embirração com balizas lisboetas. Na primeira parte, o brasileiro atirou duas bolas ao poste direito — a primeira, a surgir na cara de Gulácsi depois de combinação com Mbappé; a segunda, num lance genial em que era esperado que cruzasse a partir de um livre ainda longínquo da área, surpreendendo o Leipzig com um remate — e ainda desperdiçou com um tiro ao lado já no coração do terreno alemão.
Sabe-se, porém, que a utilidade de Neymar não se esgota nos golos que marca, já que o brasileiro desequilibra mais que perna curta em mesa de esplanada. E se não fez o gosto ao pé, diga-se que participou nos dois tentos dos franceses na primeira parte. Não só ganhou a falta de onde germinou o primeiro golo como fez uma assistência primorosa para o segundo.
A noite, contudo não pertenceria a um brasileiro (nem a um francês), mas sim a um argentino. No regresso a um sítio onde foi feliz, Ángel Di Maria foi a estrela da noite: apontou o livre teleguiado para a cabeça de Marquinhos, que faturou isolado nas costas da linha defensiva do Leipzig; marcou a passe de Neymar e ainda ofereceu o golo num cruzamento para a improvável cabeça de Juan Bernat, que saiu da sua posição lateral para fazer o terceiro do PSG.
O sucesso de Di Maria, porém, não se construiu no vácuo. Foi fruto da dita pressão do PSG sobre o Leipzig, cuja postura de construção ponderada — receando, possivelmente, contra ataques — substituiu a habitual propensão atacante e correu mal. Os alemães raramente conseguiram sair a jogar com qualidade — apenas Sabitzer se destacou — falhando sucessivos passes, e só por uma vez na primeira parte incomodaram Sergio Rico. Foi, justamente, quando preferiram um lançamento longo ao invés de jogar pelo chão, com Laimer a ser lançado em profundidade e a deixar para Poulsen, que atirou ao lado (e não, não fez esquecer o quão órfã esta equipa é de Timo Werner).
Foi devido a essa tentativa de sair a jogar a partir de trás — lembrando a fixação suicida do Barcelona no jogo do 8-2 com o Bayern — que resultou o segundo golo do PSG, já que Gulácsi foi forçado a atirar a bola, que foi parar a Paredes e este deixou para Neymar. Nas outras ocasiões, resolveram Upamecano, Mukiele, Angeliño e Klostermann como puderam. Ao intervalo, Naglsmann roía as unhas, e com razão: o PSG dominava o jogo e a posse de bola (67%).
No segundo tempo, porém, o Leipzig veio decidido a disputar a eliminatória. O técnico da equipa alemã, conhecido por mudar os sistemas táticos consoante as necessidades da partida, fez isso mesmo. Tirou Nkunku e Olmo, fez entrar Forsberg e Schick em seu lugar e mudou a táctica para um sistema de três defesas, com Angeliño (que, apesar de tudo, fez uma boa partida) e Laimer projetados nas alas.
A princípio, a mudança surtiu efeito. Os alemães começaram a chegar com muito mais frequência às zonas de finalização, sem porém, criar perigo de maior. O problema é que, quando o Leipzig parecia querer disputar a eliminatória, o PSG não se deixou intimidar e voltou a haver descalabro na defesa germânica. Depois de Di Maria cruzar para Juan Bernat, Gulácsi defendeu como pôde, sem agarrar, e a bola sobrou para Nordi Mukiele. Este, porém, caiu perante a pressão de Ander Herrera e Di Maria voltou a ensaiar novo cruzamento para o diminuto lateral, que desta vez correspondeu com sucesso. O jogador do Leipzig queixou-se de que um toque motivou a sua queda e o lance foi ao VAR, mas o golo manteve-se mesmo.
A partir daí, o jogo não teve grande história. O PSG voltou a dominar o ritmo de jogo e o Leipzig, apesar de nunca atirar a toalha ao chão, foi incapaz de ultrapassar a superioridade francesa, limitando-se a alguns remates sem grande perigo. De resto, Neymar, fartinho de fazer a cabeça dos defesas alemães em água, continuou desencontrado com a baliza contrária.
Com esta vitória, o PSG marca presença neste mesmo estádio no dia 23, sendo a primeira vez que uma equipa francesa atinge uma final da Liga dos Campeões desde que o Porto eliminou o Mónaco em Gelsenkirchen em 2004. Resta agora saber se a derradeira partida será contra o Bayern, num jogo onde seguramente terá de suar as estopinhas, se contra o Lyon, numa inédita final francesa (isto, se a equipa de Rudi Garcia der continuidade ao seu momento “tomba-gigantes”). Já o Leipzig, que estava a viver o seu próprio “conto d€ fada$”, terá de continuar a investir no projecto.
Bitaites e postas de pescada
O que é que é isso, ó meu?
A Naglsmann é prometido um futuro brilhante, mas este ainda não foi o momento de atingir a glória. A estratégia temerosa que montou fez com que o RB Leipzig respeitasse o PSG em demasia. Diz-se que quem se dá ao respeito, é se respeitado de volta, mas no futebol essa simpatia é retribuída com golos da outra equipa.
Di Maria, a vantagem de ter dois pés
Num ano em que Jorge Jesus regressou ao Benfica e Nico Gaitán voltou a Portugal — se bem que fez o desvio para Braga — é muito provável que a nação benfiquista tenha suspirado e alimentado sonhos de voltar a ver Ángel Di Maria vestir de encarnado (mas não o do Manchester United). A exibição do extremo argentino foi de gala, com duas assistências e um golo, provando que aos 32 anos se pode ser tão decisivo como sempre.
Fica na retina o cheiro a bom futebol
Passe o facto de esta não ter sido (novamente) a sua noite, Neymar é Neymar, o que quer dizer que vai haver fantasia em qualquer jogo em que entre. Hoje não foi excepção, com um passe de calcanhar sumptuoso — e, dir-se-ia mesmo, com todo o atrevimento — a deixar Di Maria isolado para fazer o segundo do PSG.
Nem com dois pulmões chegava àquela bola
Entre o alívio incompleto de Gulasci a resultar no segundo do PSG e a queda de Mukiele a propiciar o terceiro, será seguro dizer-se que os alemães foram arquitectos da sua derrota, não obstante todo o mérito francês na vitória.
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