Portugal conquistou em 2019 o tricampeonato europeu de sub-20, um feito inédito nas provas da Rugby Europe do escalão e que tem colocado o râguebi português num patamar alto. Agora, a caminho do Brasil para disputar o World Rugby Trophy que garante ao campeão a promoção ao Campeonato do Mundo de sub-20 2020, Luís Pissarra explica os processos e trabalho que foram sendo desenvolvidos até a este ponto, prometendo uma equipa objetiva e com vontade de voltar a fazer história no Planeta da Oval.
A preparação para o Rugby World Trophy 2019 está a ser mais "curta" em comparação com os dois anos anteriores. Preferem este modelo? Como é que a equipa tem reagido aos treinos?
Claramente no modelo anterior tínhamos mais tempo de preparação e podíamos gerir de forma diferente. Neste ano há vantagens e desvantagens, sendo que o ponto mais negativo passa pelo facto de os jogadores estarem em modo non-stop. Ou seja, tiveram as finais no XV e participaram nos 7’s. Isto significa que treinaram condicionados pelo desgaste da época. Lembrar que, para além do cansaço acumulado, existe a possibilidade de surgir uma tendência maior para lesões. Contudo há uma vantagem para os atletas, pois é tudo de seguida em termos de calendário competitivo. Sendo que no final do Trophy têm um bom período de paragem de modo a recuperarem para a próxima época.
No ano passado, como o Trophy foi só em setembro, eles tiveram uma fase de paragem em junho que até lhes permitia estarem mais focados nos estudos e exames, mas neste ano tivemos de conseguir conciliar a vida desportiva e estudantil, numa gestão e organização cuidada mas sob uma grande pressão. Para mim, o modelo do ano passado era mais positivo pois dava para gerir melhor o cansaço e a questão dos exames e fim de ano estudantil dos atletas.
Vais poder contar com o teu melhor grupo para a competição? Consegues destacar algum momento importante da preparação até aqui?
O momento mais importante foi o estágio que tivemos em Mafra, que foi muito duro não só no que toca ao aspeto físico mas sobretudo em relação ao mental. Dormimos num pavilhão e tivemos de saber viver juntos durante esse período de tempo, por exemplo. Em termos dos treinos colocámos muita pressão neles, com o objetivo do grupo se agregar, unir e conseguir executar o modelo de jogo, pois é nestas situações de cansaço que o coletivo tem de mostrar o seu melhor e felizmente foi assim. Em termos do grupo, é o melhor disponível, pois tivemos alguns atletas que desistiram antes do início da preparação devido aos exames e ao seu processo estudantil, e outros que não puderam ser convocados por lesão, como é o caso do Manuel Nunes que será a maior baixa nesta convocatória. A época de XV foi longa e alguns atletas estavam bastante tocados e acabaram por não conseguir a chamada para o Trophy.
Quais foram as vossas maiores preocupações entre maio e junho? As condições de trabalho foram as ideais neste processo de preparação para o Mundial?
Recuperar os jogadores que estavam tocados ou lesionados do final da época de clubes foi a nossa maior preocupação e demos uma semana de descanso aos que mais precisavam. Outra preocupação passou por fazer subir os níveis e índices físicos neste mês de preparação e eles conseguiram-no. As condições foram as possíveis, o Centro de Alto Rendimento do Jamor está excelentemente bem equipado e deram as condições gerais para a preparação. O estágio de Mafra foi muito duro, como já referi, e ficámos muito satisfeitos pelo trabalho produzido e a capacidade organizacional de todos.
O que espera a Portugal do outro lado do Atlântico? Vai ser uma competição igual ou similar em relação a 2017 e 2018?
É a parte boa e interessante da competição… não sabemos bem o que nos espera. É impossível dizer se vai ser igual ou similar, pois cada competição é completamente diferente. O Trophy realizado em 2017 no Uruguai nada tinha a ver com o do ano passado na Roménia, onde acho que nos adaptámos melhor devido ao clima mais estável e equilibrado, enquanto na América do Sul a chuva e as condições meteorológicas foram mais agressivas. No Brasil vamos ver o que vamos encontrar, mas o grupo está mentalmente preparado para tudo o que nos surgir à frente.
Tonga, Canadá e Hong Kong. O que nos podes revelar sobre cada um dos nossos adversários?
Claramente que já sabemos algumas coisas sobre eles, desde uma avaliação mais profunda sobre Hong Kong; do Canadá também temos bastante informação, tanto a partir dos jogos que fizemos contra eles ou dos encontros que realizaram contra os Estados Unidos da América e que lhes deram a possibilidade de estar no Trophy.
O Tonga é a seleção da qual temos pouca ou nenhuma informação, pois não conseguimos obter imagens dos jogos em que eles conquistaram o apuramento para a competição, mas temos dois jogos para avaliá-los antes de os enfrentarmos. Hong Kong apesar de ser uma equipa da Ásia, tem uma matriz anglo-saxónica (desde os jogadores à cultura de rugby) e apresenta uma formação-ordenada e mais desenvolvida, para além de um caudal de ataque que gosta até de privilegiar no jogo ao largo.
Em relação aos canadianos, foi um grupo que evolui imenso nos últimos meses, com uma postura física de qualidade, em que procuram dominar as fases estáticas, tendo dois saltadores altos que fazem a diferença e têm um comportamento “agressivo” e intenso em redor do breakdown. Têm dois craques autênticos, com o médio-de-formação e o 1º centro a revelarem-se como os principais destaques.
Sentes que houve um aumento de interesse e respeito por Portugal pelo facto de termos atingido o estatuto histórico de tricampeão europeu? Ou é indiferente esse "estatuto" quando se entra para uma competição destas?
Não há dúvida que houve uma mudança de como as outras seleções nos veem, e isto pode advir da nossa regularidade de presenças neste tipo de competições, para além do bom registo de vitórias e sucesso que temos tido nos últimos anos. O campeão acaba por receber sempre a atenção tanto por parte de quem organiza os torneios como de quem nos defronta e esse facto é observável pelo número de seleções que marcaram jogos/estágios connosco nos últimos três anos, como o Canadá, Espanha ou França. Acredito perfeitamente que este terá de ser o caminho que temos de seguir para o futuro do rugby português.
Quais são as qualidades fundamentais que vocês procuram nos atletas de sub20? Eles já vêm bem preparados do escalão anterior, na tua opinião?
O que nós mais procuramos para as competições deste género, seja o campeonato da Europa ou do Mundial “B”, é ter jogadores com uma cabeça-forte, psicologicamente concentrados e focados e que já sejam homens. Temos de conseguir procurar não só os atletas que garantem excelentes índices dentro de campo a nível técnico, física e mentalmente, mas sobretudo aqueles que conseguem construir um vínculo dentro do grupo. É no saber como ultrapassar as dificuldades da distância de casa, passando pelos problemas que surgem na competição que vai desde o jogar pouco ou de averbar uma lesão, que procuramos os atletas certos para estarem neste coletivo.
Não há mínima dúvida que eles vêm bem preparados do escalão anterior, pois é nos sub-18 que eles têm o primeiro grande choque competitivo, com a chamada e participação no Campeonato da Europa do escalão, que os tira da sua zona de conforto. É neste momento das seleções e destas competições que eles lidam com estas novas experiências e ficam mais bem preparados para o futuro.
Há casos esporádicos de atletas que nunca estiveram envolvidos em seleções nacionais até aos sub-20 e depois surpreendem-nos positivamente quando são convocados, como foi o caso do Rodrigo Freudenthal, que só se estreou neste escalão a nível de representação internacional e hoje em dia é cotado como um dos melhores atletas do rugby português.
A aventura no World Rugby Trophy começa no dia 9 de julho. Quais são os vossos objectivos para esta edição?
Os nossos objectivos são iguais às das edições passadas: chegar às finais, conseguir ir à final e fazer algo inédito que é atingir o Championship.
Há uma maior participação e concordância dos clubes nacionais na preparação dos atletas para o escalão de sub-20? Estamos mais solidários uns com os outros?
Neste aspecto da entreajuda de todos os lados acho que ainda há muito espaço para melhorar, seja os clubes com a seleção ou vice-versa. Este ano tivemos algumas reuniões com os clubes, e na altura tínhamos chegado a um entendimento perante o esquema de organização apresentado em relação à gestão dos atletas. Quando chegou o período das fases finais houve uma readaptação ao que fora estabelecido, já que os clubes tiveram problemas para constituir as suas convocatórias para os últimos encontros. Mas não há dúvidas que existe um carinho especial para com esta seleção sub-20 e existe um convívio bom entre todos os lados.
Queres deixar alguma mensagem para o público brasileiro que vai estar em São José dos Campos a apoiar a seleção Nacional?
Vamos ter uma seleção curiosa que até vai estar no mesmo hotel que o Brasil, há uma afinidade entre ambos os países e era importante que o público da “casa” nos apoie, pois queremos ser a seleção nº2 deles e esperamos que nos ajudem a puxar pelos atletas portugueses.
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