Quem andou por Buenos Aires ao longo da tarde de hoje pensou que a Argentina tivesse voltado à primeira fase do confinamento como forma de combater o coronavírus. De repente, o país ficou num silêncio espesso como se o tempo tivesse parado.
Uma dor como se todos os argentinos tivessem perdido um parente próximo em comum. Nas portas dos clubes por onde Maradona passou como jogador ou como técnico, o silêncio era recortado por alguma oração e pelo pranto contido que se transformava em lágrimas quando se tentava explicar o que se sentia.
"Primeiro pensei que fosse uma mentira quando recebi uma mensagem com a notícia. Depois, pensei que, se fosse verdade, ele poderia sair como numa finta, como sempre fez com os adversários. Desta vez, ele não conseguiu fintar. Estou destruída", diz à Lusa, entre lágrimas, Patricia Ortiz (46) na porta do Boca Jrs, clube do qual Maradona era adepto e que foi o trampolim para a sua carreira internacional.
Patricia leva um buquê de flores e um rosário. "Vamos sentir saudades. Será a nossa lenda", afirma.
À porta do Boca Jrs, os fãs chegam aos poucos. Os carros passam como numa procissão improvisada. De quando em quando, o silêncio é interrompido por um aplauso.
"Ele foi legendário por onde passou aqui na Argentina e no mundo, mas, com o Boca, ele teve uma relação especial, de amor. Aqui ele era o Diego do povo", acrescenta Diego Moreno (30) cujo nome foi uma homenagem do pai ao jogador.
"É verdade. Ele não jogava pelo dinheiro. Era por amor ao futebol. Ele foi o maior e o mais humilde de todos. Um dos poucos que jogava pelo que sentia", distingue Delia (62), que enaltece as conquistas de Maradona, apesar da carreira reduzida pelas drogas.
"Uma pena. Ele poderia ter jogado e vivido muito mais", concorda.
Apesar do uso reiterado de drogas e das polêmicas nas quais sempre se meteu com o seu estilo frontal de ser, as velas e flores da perda dividem espaço entre faixas e cartazes de agradecimento.
No bairro de La Paternal, na porta do clube Argentino Jrs, o primeiro da carreira de Maradona, uma faixa enaltece o caráter de divindade, de santo popular.
"Obrigado por tanto D10s", diz um cartaz em alusão a Dios (Deus) com o número de Maradona.
Foi aqui que estreou em 1976. Hoje, o estádio do Argentinos Jrs. leva o seu nome: Diego Armando Maradona.
"Um pena que ele tenha morrido tão jovem. Mas as coisas que dizem por aí contra ele não vão são maiores do que o seu legado. Ele só nos deu alegrias, as maiores que este país já teve na sua história recente", valoriza Gonzalo Meraval (67).
"Para um adepto do Argentinos, a dor é maior. O clube nunca teve nem antes nem depois alguém melhor. Duvido que a Argentina possa ter um jogador assim e temo que esse luto não passe nunca", prevê Damián Legasti (46).
Outros clubes onde os adeptos reúnem-se são o Gimnasia y Esgrima de La Plata, a 56 Km de Buenos Aires, onde Maradona era técnico, e o Clube Atlético Newell's Old Boys, em Rosário, província de Santa Fé.
No final da tarde, no entanto, as velas começaram a dar lugar às bandeiras e aos cânticos de estádio como se a derrota de todos numa hipotética final pudesse tornar-se um grito de vitória pelo belo desempenho no campeonato que foi a vida de Diego Armando Maradona.
No local, onde o corpo de Maradona passa pela autópsia, no necrotério de San Fernando, município vizinho ao Tigre, localidade onde Maradona faleceu, uma multidão de fieis faz uma homenagem. Cantam e batucam ao ritmo dos cânticos de estádios.
No obelisco da Avenida 9 de Julio, ponto nevrálgico do Centro de Buenos Aires e local tradicional onde os adeptos se reúnem depois de importantes vitórias, milhares de pessoas cantam, erguem bandeiras da seleção argentina de futebol ou buzinam ao passar com carros.
"Depois do pranto de uma derrota, Maradona preparava-se sempre para um novo desafio. Ele gostaria que passássemos da tristeza à alegria, de uma derrota a uma vitória como sempre fez cada vez que deu a volta por cima. Temos de resgatar a alegria que ele nos gerou", explica Verónica (39) na praça do Obelisco.
Na Casa Rosada, sede do Governo argentino, preparam o velório. O presidente Alberto Fernández decretou luto nacional por três dias e cancelou toda agenda presidencial até sexta-feira.
*Relato de Márcio Resende, da agência Lusa, na Argentina
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