Foi ponto final na carreira profissional de ténis de João Sousa. Um dia marcado pela derrota na ronda inaugural do quadro de singulares e em pares no Millennium Estoril Open, que decorre até 7 de abril no Clube de Ténis do Estoril.
E foi o ponto final em relação às conferências de imprensa. Deu-a no centro de media instalado na Escola de Turismo do Estoril.
“É especial. Hoje é um dia especial. Pelo momento obviamente, não pela derrota que era um bocadinho expectável. São muitas as memórias que me vêm à cabeça. Estava a entrar aqui e mudou tudo! Foram muitos momentos passados aqui. Ser a última enquanto jogador de ténis é sempre especial”, começou por dizer João Sousa na presença dos jornalistas.
“Não é momento de tristeza, é de alegria, porque acho que independentemente de tudo dei sempre o meu melhor para ser melhor jogador e para alcançar os meus objetivos. Estou de consciência tranquila”, sublinhou.
Sousa, 35 anos, despediu-se do ténis profissional e do público português com duas derrotas na terra batida do único torneio português do circuito ATP250. “Gostava de ter dado vitórias aos portugueses, mas não foi possível, tenho de aceitar isso com naturalidade”, reconheceu.
“Foram muitos anos de desgaste, não só físico, mas também mental"
“Estou muito feliz pela carreira que tive ao longo de todos estes anos”, assumiu, com naturalidade, ao fechar esta página da vida, sem pensar, por enquanto, que outro capítulo a vida lhe reserva. “Muito sinceramente,não pensei sobre isso”, frisou.
Olha para trás e para o que passou e desvenda o sentimento e pensamento. “Foram muitos anos de desgaste, não só físico, mas também mental”, disse. “O ténis é uma forma de viver, não é um desporto. Temos de viver o ténis. Foram muitos anos dedicados à alta competição, ao ténis, a querer ser melhor”, continuou.
Pelo exposto e pelo que sentiu ao longo de 20 anos dedicados a sério à modalidade, restam-lhe, para já, poucas dúvidas. “Segue-se um período de reflexão bastante profunda, tentar descansar da alta-roda e da competição”, confessou.
“Mas acredito que outros capítulos virão certamente relacionados com ténis”, pré-anunciou. “Faria sentido, na minha condição de ter sido um atleta que conseguiu jogar ao mais alto nível”, revelou.
O glamour, muitas vezes, associado à modalidade e aos tenistas, tem o reverso da medalha alertou o vimaranense. “Há muitos momentos duros no ténis. Todas as derrotas são momentos duros, algumas derrotas doem mais do que outras, simplesmente porque a expectativa é diferente. Quando treinamos bem e os resultados não acompanham essa expectativa, acaba por ser frustrante”, reconheceu.
“O ténis é muito frustrante, é difícil de aceitar muitas vezes”
“O ténis é muito frustrante, é difícil de aceitar muitas vezes. É um desporto de aceitação em tudo. Dos erros que fazemos, das bolas boas que temos, dos adversários, das derrotas que temos. O ténis é um desporto muito exigente”, admitiu sem identificar qual a derrota que lhe doeu mais. “Todas as derrotas são duras.
Não saberia dizer uma”, esclareceu ao ser questionado.
Aprofundou a questão. “Lembro-me de um momento duro em que fiz umas nove ou dez primeiras rondas seguidas, numa série de derrotas gigantes, creio em 2010”, recuou.
“São momentos em que duvidamos de muita coisa. Se vou conseguir manter-me, se vou conseguir voltar a ganhar”, relembrou. “Tudo faz parte da nossa aprendizagem. E eu consegui dar a volta a esses momentos”, recordou.
“Houve momentos duros como é expectável numa carreira tenística. Ninguém está sempre em cima, nem sempre em baixo. Foi uma aprendizagem constante como pessoa, não só como jogador”, transmitiu.
“Amanhã o Frederico queria que treinasse às 10 da manhã, mas não vai acontecer”
Na hora do Adeus não esqueceu quem com ele fez o caminho. “Sem a ajuda do Frederico (Marques, treinador) e de quem esteve ao meu lado não seria possível”, reconheceu. Livre de compromissos profissionais, sente ser seu dever retribuir.
Amanhã o Frederico queria que treinasse às 10 da manhã, mas não vai acontecer. Vou passar o dia com amigos que me vieram ver e pessoas importantes para mim”, anunciou.
“Sou o jogador de ténis, mas também sou humano e esse carinho que me deram tem de ser retribuído porque houve momentos especiais deles, festas de anos, que não pude estar muito presente”, lamentou.
“Faz parte desfrutar daquilo que não consegui fazer, mas não me sinto prejudicado por ter não ter feito, mas sinto que houve momentos que efetivamente não pude desfrutar. Falaram de golfe e de kart, vamos ver”, sorriu.
Os 35 anos de vida e o facto de ter chegado a 28 do mundo atribuem-lhe o estatuto de conselheiro. “Trabalhar duro e acreditar nas pessoas ao nosso redor e ser competitivo. O que tiver mais capacidade de trabalho e aquele que conseguir passar pelos altos e baixos que a carreira dá, é aquele que se vai conseguir manter-se em cima. Foi a minha filosofia de trabalho e acredito que é por aí que o sucesso vem”, sublinhou.
Selecionador. Porque não?
Questionado se poderá, penduradas que estão a raquetes e pela expectativa de continuar ligado a ténis, abraçar o cargo de selecionador nacional, Sousa respondeu diplomaticamente.
“Primeiro de tudo, já temos um capitão (Rui Machado) e acho que tem feito um excelente trabalho. E eu, futuramente, sim, eu acho que seria algo que eu poderia fazer, por que não?”, questionou.
“A Taça Davis é uma competição que me diz muito e sempre fiz questão de dizer. Sempre que fui convocado, nunca falhei uma única eliminatória da Taça Davis e realmente sinto que não existe maior honra do que representar o nosso país na maior das competições que existe a nível de países e vivi muito intensamente a Taça Davis”, recordou.
“Se for convidado a fazê-lo, acredito que seria uma boa opção. Não sei se seria uma boa opção, mas, pelo menos, para mim, faria sentido. E daria o meu melhor”, rematou o tenista que disse que olhou para o telemóvel e viu que tinha 70 e tal mensagens por ler”, confidenciou.
“Falei com o Dominic (Thien), é bom receber o carinho dos meus colegas. Veem o trabalho e dedicação que tive. É bonito ter o respeito de vários jogadores durante tantos anos, não é fácil ter e acho que consegui isso”, relatou. “Sentimento mútuo. Dei tudo o que tinha e os atletas estão conscientes disso. E aquelas pessoas com quem passei mais tempo no circuito reconhecem esse trabalho. É bonito, muito bonito”, aludiu.
A última foto de família num momento de realização e alívio.
O fim estava próximo e próximo estava a última fotografia de família com os jornalistas na mesma sala de imprensa onde se deixou fotografar no ano em que venceu o Estoril Open ao lado de quem escreve sobre ele, o fotografa ou o filma.
O sentimento que lhe vai na alma é tão claro. “Diria que me sinto realizado. Sinto-me realizado. O ténis é um desporto muito exigente, competição todas as semanas, o nervosismo miudinho antes da competição. É difícil de gerir. Saber que não o vou ter não sei se vou sentir falta, mas também me sinto aliviado. Mas realizado é a palavra adequada”, enfatizou João Sousa, o maior tenista português de todos os tempos nas últimas palavras enquanto jogador profissional de ténis.
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