O passado fim de semana de futebol no Brasil reforçou a discussão latente da qualidade do seu jogo e do prazer de jogar à bola. A sintomática boa performance dos treinadores estrangeiros Sampaoli e, principalmente, Jorge Jesus no Brasileirão, comparada à sonolência da Seleção Brasileira em amigáveis soporíferos e à dificuldade de algumas equipas grandes conseguirem criar jogadas ofensivas — como visto no clássico entre São Paulo e Corinthians —, incita os críticos do futebol-resultado e perpetua-se nas discussões de mesa de bar.
Jogar futebol requer tática, condicionamento físico, preencher espaços, correr sem a bola. Requer disciplina. Alemanha e Itália sempre foram ótimas a jogar futebol. Jogar à bola é o que quebra todo esse plano. É a criatividade que gera jogadas de cair o queixo, fazer o inesperado. Jogar à bola levou o Brasil a ser chamado de país do futebol.
Em mais de 100 anos depois da chegada de Charles Miller com a sua bola de futebol ao Brasil, muita coisa aconteceu nos gramados tupiniquins e vimos o esplendor e o ocaso do futebol-arte brasileiro. Talvez, para muitos, 1982 foi a dor que mudou o jogo. Para uma geração mais nova, não é preciso ir tão longe para sentir nostalgia, basta lembrar-se do quadrado mágico de 2005/06.
Mas a verdade é que o futebol brasileiro, principalmente o praticado por jogadores nos campos do Brasil, passa por uma crise existencial. Por muitos anos, o resultado passou a ser mais importante do que a performance e mais fácil de ser obtido, numa liga que perdeu qualidade técnica com a exportação de talentos, com um jogo que privilegia a destruição sobre a construção.
O tricampeonato do São Paulo com Muricy Ramalho, os títulos do Palmeiras com Cuca e Felipão, o Corinthians multi-campeão com Tite, Mano e Carrile... são muitos os exemplos de vitórias com base numa defesa sólida e jogo reativo. Algumas andorinhas, que não fazem verão, tentaram algo diferente mas foi essa a escola reinante na última década.
Ver São Paulo e Corinthians (1-0, golo de pénalti) com tantas dificuldades em criar jogadas é depressivo. O Tricolor Paulista ainda assumiu uma postura ofensiva, avançou a sua marcação e pressionou o tempo todo, mas não conseguiu criar nenhuma jogada digna de nota. Mostra evolução mas está muito longe. O Corinthians de Carrile então, Meu Deus! Não conseguiu sair jogando praticamente nenhuma vez. Passes lentos, equipa sem nenhuma força de ataque.
A crítica vale para os dois, mas não só. Dos seis primeiros, teoricamente as equipas com mais obrigação de ter alguma qualidade no seu jogo, apenas Santos e Flamengo merecem elogios. Jorge Jesus faz um jogo que encanta a todos, com um elenco estrelado, e Sampaoli faz milagres com um plantel mais limitado.
Agora, até podemos argumentar que o nível dos jogadores no Brasil não é o melhor, mas não podemos negar o talento dos brasileiros espalhados pelo mundo. Tite tem em suas mãos uma lista de jogadores de dar inveja. Se já não são mais do nível dos Ronaldos e outros ídolos do passado, Neymar, Firmino, Coutinho, Arthur e companhia são referências nas maiores equipas do mundo e jogadores de inegável qualidade técnica. Nada justifica o modorrento futebol jogado pela Seleção.
Depois da Copa América foram quatro jogos, com três empates com Senegal, Nigéria e Colômbia, e uma derrota para o Peru. Tite está fracassando retumbantemente ao não conseguir engrenar o seu jogo, insistir num futebol burocrático para um torcedor que quer ver bola, não futebol.
Será bom para o futebol brasileiro que o Flamengo seja campeão, pois jogam à Bola, com B maiúsculo mesmo. E os mais atentos já percebem que jogar apenas futebol não vai mais bastar para satisfazer o torcedor brasileiro. Tite que se cuide.
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