A bola já rola em várias frentes. Em Portugal, Sérgio Conceição já insinuou que o futebol sem público é estranho ("Até as assobiadelas fazem falta"); em Espanha, Messi apareceu sem barba e os autores dos memes não perderam tempo a dar azo à sua criatividade confinada; na Premier League, o trilho para que o Liverpool festeje o tão almejado título já começou com um desacerto de David Luiz. Na Bundesliga, a bola não só rola como até já há campeão. O que falta, então? O Calcio, pois claro!
O campeonato em Itália será retomado este sábado, dia 20, quando o Torino receber no seu reduto o Parma, que ainda sonha com a possibilidade de agarrar um lugar que dá acesso à Liga Europa.
A The Athletic fez as contas e lembra o que está em jogo neste regresso do futebol a um dos países mais fustigados pela pandemia: 124 jogos em 44 dias. O que leva o site desportivo lançar a questão da saudade à palmatória. E, também por saudade, traz uma data de questões que são reminiscências de algo que foi parado abruptamente, mas que faz falta a quem gosta de ver o campeonato.
Porque para quem segue o desporto-rei no geral e a liga italiana em particular, dificilmente não sente falta de ver em campo figuras como Zlatan ou Cristiano Ronaldo. Ou, mais recentemente, das façanhas do Atalanta e dos jogos em que a equipa marca sete golos à boleia do pé esquerdo de Josip Ilicic e dos raides de um Papu Gomez endiabrado, que tem feito gato sapato das defesas contrárias. São dois craques que há muito espalham magia, mas que agora, depois dos 30, dão o rosto a um belo projeto liderado por Gian Piero Gasperini.
O site desportivo relembra também outra das coisas boas do futebol que parecem tão distantes: as celebrações de Dries Mertens. Agora que tanto se debate os festejos com os cotovelos e a falta de despejo durante os abraços quando o placard avança, que este ponto não deixa de ter o seu interesse. Porque nunca se sabe muito bem o que vai sair dali; tanto pode ser uma dança que parece oriunda do mundo das redes sociais como o Tik Tok (com a língua de fora) como pode ser uma referência aos filmes de Martin Scorsese. Seja como for, o belga vai ter agora novas oportunidades para mostrar o que andou a treinar durante a fase de desconfinamento.
No entanto, se o tema é golos e em escrutínio está a retoma da Serie A, então não há como evitar um nome que esta época tem sido sinónimo da bola no fundo da baliza: Ciro Immobile. A questão que agora se coloca é: até onde pode ir o avançado italiano? Será que vamos ver o avançado da Lazio AS a ter aquilo que pode vir a ser temporada mais prolífica de todos os tempos a nível de golos? Será que vai conseguir chegar aos 36 de Higuaín na época 2015/2016? A bitola é alta, mas quem tem 27 dos 60 golos da equipa, em 26 jornadas, pode sempre aspirar a mais.
Mas existem outras curiosidades que cabem no baluarte da história de uma das equipas fortes de Milão. Ou não fossem estes tempos em que se assistiu à estreia da terceira geração da família Maldini com as cores do AC Milan. Esta jornada familiar rossoneri começou pelas botas de Cesare Maldini, que capitaneou a turma que se sagrou campeã europeia em 1963. Mais tarde, foi o filho deste, Paolo, a ajudar a construir um período auspicioso nos pergaminhos do clube, ou não tivessem no currículo de Il Capitano 26 títulos. Agora, pode ser o momento em que Daniel, de 18 anos, continua a dinastia. Para já, saiu do banco apenas um minuto ou dois durante o empate caseiro (1-1) frente ao Hellas Verona. A ver o que lhe espera o futuro.
Todavia, as estreias não se estendem apenas a novos talentos. No banco, há quem ainda não tenha cumprido qualquer minuto com as novas cores. É o caso de Walter Zenga, treinador do Cagliari há três meses. Ou seja, como dá conta a The Athletic, o técnico ainda não pôde apreciar os mísseis lançados da plataforma conhecida pelo mundo futebolístico como pé direito de Radja Nainggolan; se há umas semanas o mundo parou para ver o lançamento do Falcon 9 da SpaceX numa missão tripulada, agora vai ser possível ver novamente faísca a sair da bota deste autêntico todo-o-terreno belga com a retoma do campeonato. Só se passaram três meses sem futebol, mas nunca é demais recordar do que se fala aqui. Um dos melhores da época?
E o título? Não se descarte já o Inter, mas Juve e Lazio partem na frente
Antes do campeonato, decidiu-se a Taça de Itália. E a eficácia no desempate por penáltis (4-2), que tinha faltado nos 90 minutos, valeu ao Nápoles a meio da semana a conquista da ‘Coppa’ frente à Juventus. Será que a derrota vai servir como combustível para a equipa de Cristiano Ronaldo e companhia levantar o espírito de campeão ou será uma final perdida que fará mentalmente mossa no conjunto orientado por Sarri? Tendo em conta o historial das últimas temporadas e a experiência do seu plantel, a Juventus parece ser o candidato mais forte.
Porém, a Lazio está a um mero pontinho de distância e o Inter de Milão ainda terá uma palavra a dizer. Sobre este último, a The Athletic salienta que os 9 pontos que separam a Velha Senhora dos Nerazzurri são de facto uma distância considerável, mas relembra que as equipas de Antonio Conte costumam ter finais de temporada fortes e há umas meras três jornadas estavam no topo da tabela.
Para dar suporte a esta ideia, o site desportivo recorda os tempos em que o técnico comandou a Juventus, equipa na qualos seus jogadores fizeram sempre boas retas finais e alcançaram longas séries vitoriosas. Sob a sua batuta, nos últimos 13 jogos das três campanhas que levou a cabo em Turim, Conte perdeu apenas 15 de 177 pontos possíveis. Se por um lado, o calendário dita que o Inter tenha ainda as deslocações complicadas, nomeadamente os redutos do Atalanta e da Roma, o clube pode gabar-se de ser a melhor equipa a jogar fora na liga e de cinco dos seus 13 jogos restantes serem contra os seis últimos classificados.
Paralelamente, há uma parte do currículo de Conte que não pode ser esquecida: a de que treinou e preparou a seleção italiana para o Euro 2016. E isso pode ser um trunfo que se pode revelar útil já que as condições são excecionais e o tempo de preparação não é muito. Não houve tempo para amigáveis ou para afinar entrosamento entre as caras novas. Assim, toda ajuda e experiência será bem vinda.
Mais: já se sabe que os jogadores de Conte correm, correm e correm — o que naturalmente faz com que os atletas apresentem um desgaste acrescido e acabem com mais quilómetros nas pernas do que os adversários. Portanto, pode ser que a paragem tenha permitido a Romelu Lukaku, Lautaro Martinez e Christian Eriksen recuperar baterias e o Inter pode ser aquele candidato que parte de trás, mas fá-lo de forma forte e só para terminar à frente no último sprint.
As águias voam alto — e Ciro Immobile ajuda à festa
A Lazio tem três importantes dados estatísticos do seu lado que ajudam a explicar a boa campanha: a melhor defesa, o melhor marcador do campeonato (Immobile) e o homem que mais passes faz para golo (Luis Alberto). Adicionalmente, há ainda o pequeno detalhe de a equipa romana não conhecer o sabor da derrota para o campeonato há 21 jogos. Isso, e o facto do título estar ali tão perto — algo que já não acontece há 20 anos.
O último scudetto no palmarés dos Biancazzurri foi há mais de duas décadas (1999-2000). A equipa desse ano era orientada por Sven-Goran Eriksson e ganhou também a Taça de Itália e a Supertaça Europeia. A jogar semanalmente com a camisola azul-bebé estava um role de estrelas considerável: Alessandro Nesta e Siniša Mihajlović na defesa, Diego Simeone e Juan Sebastián Verón no miolo, Pavel Nedved e Sérgio Conceição nas alas, ao passo que Marcelo Salas e Mancini faziam as despesas do ataque. O banco? Custa a crer, mas estavam lá craques como Fernando Couto, Nestor Sensini, Dejan Stankovic, Fabrizio Ravanelli, Matias Almeyda, Simone Inzaghi (agora treinador) ou até Alen Boksic.
Nessa época, a Lazio sagrou-se campeã com um ponto de vantagem sobre a Juventus. Hoje, vinte anos depois, tal como o atual treinador do FC Porto frisou na sua mensagem, há nova luta pelo título com a Vecchia Signora. Portanto, não é de estranhar que esta época esteja a ser encarada com uma abordagem emocional diferente aos olhos dos seus adeptos.
E o facto de ter levado de vencida a Juventus duas vezes em dezembro (uma para o campeonato e outra na Supertaça) só vem alimentar mais o desejo e a esperança. Simone Inzaghi e companhia têm aqui a oportunidade de ultimar o trabalho desenvolvido nos últimos quatro anos.
Mas antes de chegar a títulos e a celebrações é preciso olhar para o calendário — e este dita que dos últimos 12 jogos, sete serão fora de portas — e ter de recomeçar a temporada em Bérgamo, num jogo frente à Atalanta, vai ser tudo menos fácil. Até porque a Atalanta tem aqui uma boa oportunidade para fazer um brilharete. A equipa Gian Piero Gasperini vai jogar contra os três primeiros e caso consiga alcançar bons resultados… Bom, podem baralhar um bocadinho as ambições da Lazio e do Inter em relação ao título.
Mais: há jogo grande perto do fim. Os laziali tem do seu lado a legítima esperança de que a Juventus esteja a uma curta distância quando Inzaghi levar a sua equipa a Turim para se disputar a jornada 34 — e em caso de vitória pode haver um momento semelhante ao que aconteceu em 2000 quando Sven-Goran Eriksson conduziu o seu Volvo em plena Praça do Povo, em Roma.
No entanto, a própria qualificação para a Liga dos Campeões já seria um bom objetivo tendo em conta que tal não acontece desde 2007. Mas com o título ali tão perto, não parece que a liga milionária seja o único objetivo de Inzaghi...
Antes da paragem, os romanos ainda tinham a vantagem de já não estarem em competições a eliminar. Só havia um objetivo e as pernas podiam estar mais frescas — além de não haver necessidade de tanta rotação no plantel. Só que com a Juventus a disputar a Liga dos Campeões só em agosto e a Taça de Itália já com vencedor, os clubes estão agora todos em pé de igualdade.
Juventus será sempre Juventus
Tem sido uma época de altos e baixos, mas o futebol de Sarri parece não conseguir convencer a nível exibicional. Prolífero e pragmático sim; espetacular, avassalador e sinónimo automático de três pontos, não.
Giorgio Chiellini explicou no seu livro que Sarri chegou a Turim e implementou uma Revolução Copernicana. Ou seja, nas palavras do capitão, tanto ele como os restantes jogadores do plantel tiverem de reaprender a ler o jogo e a lidar com as adversidades sob esta nova tutela. Por outras palavras, uma metodologia de trabalho completamente diferente de Massimiliano Allegri.
A realidade é que, ainda que assim seja, estão na disputa pela Serie A e obrigaram a que o Nápoles de Gattuso fosse à marca de grandes penalidades para conseguirem vencer a Taça. Agora, após seis meses fora a contas de uma lesão, Sarri contará com a ajuda de Chiellini e experiência para evitar o nervosismo na defesa numa fase crucial da temporada. Mais: apesar das críticas a Ronaldo no último jogo, o português não se cansa de provar que se deve continuar a contar com ele.
A prova disso está bem patente na sua forma entre dezembro e fevereiro — o seu melhor período desde que aterrou em Turim —, quando bateu o recorde de Gabriel Batistuta e Fabio Quagliarella na Série A, ao marcar consecutivamente em 11 jogos. Sarri tem à sua disposição muito talento no seu plantel e um bom arranque nos primeiros jogos deve permitir-lhes ganhar confiança e direcionar a equipa para o seu nono (!) scudetto consecutivo.
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