E de repente o futebol esteve à beira da mudança. Independentemente do insucesso da Superliga Europeia League, a intenção da criação desta competição poderá marcar o início de uma aprendizagem e ser o catalisador da transformação necessária ao futebol europeu. De forma regenerar-se e a sobreviver ao tempo, de maneira consolidada e transparente.

Esta é uma análise ao porquê do surgimento de uma Superliga, o porquê da necessidade dos clubes ingleses participarem nela e a razão pela qual, nos moldes atuais, esta pareceu ser a solução viável encontrada por quem a fundou.

Emoção vs Negócio

O desporto, na sua essência, é a busca das emoções. O ganhar, o perder, o marcar, o sofrer, a antecipação de um jogo versus a euforia ou tristeza do pós jogo. Todas elas naturais ao ser humano e sem as quais a vida faria muito menos sentido. Já o negócio é a busca pelo lucro. Ambas têm-se relacionado ao longo dos tempos, umas vezes melhor outras pior. Desta feita, colidiram de forma irreparável e com contornos históricos no futebol europeu.

A emoção versus negócio, explica o porquê do aparecimento desta Superliga. Os motivos são mesquinhos e egotistas, e surgem da incapacidade financeira dos clubes no atual quadrante económico. Como um jogador de poker, que já colocou a maioria das suas fichas na presente jogada, os 12 clubes fundadores encontravam-se ‘pot committed’ - quando um jogador já tem pouco a perder e mais vale ver a jogada até ao fim, colocando todas, ou quase todas as fichas no centro da mesa, de forma a ver a jogada chegar ao fim e manter uma pequena esperança de ganhar. Foi isso que os clubes fundadores fizeram. A prioritização do negócio sobre o desporto e o facto de estarem com a corda na garganta, levou a uma cegueira irracional dos seus proprietários, passando por cima dos adeptos e da história dos clubes dos quais pensam ser ‘donos’ e não gestores ou proprietários.

A Superliga (não) faz sentido

A razão pela qual a Superliga faz sentido (para quem nela queria/queira participar) é simples e está relacionada com o ponto anterior. Uma Superliga, fechada, com controlo absoluto, sem nacionalidade, coloca o negócio, muito acima da emoção. A viabilidade do mesmo, por estarmos a falar de uma atividade com mais de um século de história, é outro assunto. A ideia seria apostar na globalização, esperando atrair outros mercados, levando a que a competição tivesse sucesso financeiro. Mas como viemos a perceber rapidamente, os adeptos dos clubes em questão demonstraram de forma inequívoca que têm ainda alguma influência nos clubes que defendem. Contudo foi um conjunto de ameaças por parte da UEFA e da FIFA que fizeram os clubes recuar (não pensemos que foi exclusivamente a insatisfação dos adeptos).

A razão pela qual a Superliga Europeia não faz sentido é também ela simples. Não faz sentido porque não iria ser solução. A regulamentação não iria existir, os passes dos jogadores a contratar por equipas presentes na competição iriam inflacionar, as despesas na preparação de jogos iria aumentar, os empréstimos continuariam a existir e a bolha irracional e desmedida continuaria a expandir. Só indivíduos, que pudessem lucrar com tal, teriam a ideia de fechar a competição e nunca um clube em si. Só que não está minimamente preocupado com o passado e o futuro, apenas com o presente, pensaria desta forma.

O que é necessário e o que faz sentido não é uma liga fechada, não são jogos mais atrativos selecionando os participantes a dedo. Aquela que poderá ser a solução está a uns scrolls de distância.

Pacto com o Diabo

A Premier League foi uma das entidades que se revoltou e que reagiu, com espanto, à potencial desistência de seis dos seus principais clubes das competições europeias.

Mas porquê o espanto? A base da Premier League, retirando a equação os direitos televisivos, é baseada, mais uma vez, no negócio. A Premier League permite a entrada de milhões nas suas trincheiras, convida entidades multimilionárias, e quando estas tentam fazer o que melhor sabem fazer, dinheiro, a Premier League espanta-se. É inacreditável que um órgão que não limita nem regulariza, de forma justa, investimentos e entradas de capital, esteja agora perplexo com a avidez dos seus próprios convidados.

A diferença de custos anuais, em salários exclusivamente, entre os seis grandes da Premier League e a restante competição é abismal e polarizante.

No podcast The Kick Off desta semana, um dos intervenientes, Laurence McKenna, colocou de forma perfeita, talvez um pouco ilusória a tempos, mas perfeita a relação adeptos, proprietários e Premier League.

Disse McKenna, sobre a Premier League que se “convidaram os tubarões para a festa, a Premier League foi quem os convidou! Trouxeram Roman Abramovich, John Henry, a família Glazer… O que achavam que iria acontecer? Estas pessoas deveriam ter a guarda dos nossos clubes, para cuidarem deles, não para (exclusivamente) ganhar dinheiro com os mesmos. Eles têm como dever fazer a nossa experiência no estádio melhor, porque eles têm a sorte de ser proprietários das nossas memórias, dos nossos emblemas, das nossas cores. De momento eles não querem saber disso. Fundamentalmente eles mostraram que não se importam com a história dos nossos clubes.”

Um merecido susto

Tanto para a Premier League como para a UEFA, este é um susto bem merecido. Pela parte da Premier League, há vários anos que me alinho junto daqueles que defendem um formato parecido com o americano. Não uma liga fechada mas sim uma liga mais justa. Tetos salariais, controlo razoável dos números de jogadores nacionais e estrangeiros e, outras medidas que favoreçam o equilíbrio e não a segregação dos que não têm a mesma capacidade financeira.

Não só um merecido susto para a Premier League, que como vimos acima, colheu apenas aquilo que semeou, mas também para a UEFA que não só falha na regulamentação das ligas europeias, como falha redondamente no formato e organização das suas próprias competições. A Liga dos Campeões e a Liga Europa são, nos moldes atuais, insípidas. Desprovidas de qualquer conteúdo atrativo e a culpa recai exclusivamente na ganância de fazer dos clubes ricos, ainda mais ricos.

O aumento de lugares de acesso à Liga dos Campeões nas ligas mais ricas e a irresponsável distribuição do dinheiro, com os clubes a ganharem mais dinheiro consoantes classificações em rankings, são dois exemplos crassos do egoísmo e hierarquização do desporto, colocando em risco as bases e comprometendo todo o sistema.

O formato e políticas tanto da Premier League como da Liga dos Campeões aumentam apenas a distância entre clubes tornando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres, comparativamente.

A redistribuição do dinheiro, a alteração das regras de forma responsável e a regulamentação sustentável de todos os participantes, em particular fixando as comissões dos agentes desportivos, é a única solução para o futebol europeu. Após essas três alterações, o melhoramento da formação, o equilíbrio desportivo e financeiro viriam como consequência.

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