Portugal garantiu o bilhete para o campeonato do mundo de râguebi da Austrália em 2027 após duas vitórias (Bélgica e Alemanha) nas duas primeiras jornadas do Rugby Europe Championship 2025 (REC25).

O torneio regional anual apurou, para já, quatro seleções europeias de forma direta, Portugal, Roménia, Geórgia e Espanha, abrindo espaço a uma quinta, nas repescagens de novembro.

A seleção nacional carimbou passagem para a terceira participação na competição mundial, pela segunda vez de forma consecutiva. Obteve, igualmente, a primeira qualificação direta sem passar pelo processo de repescagem tal como sucedido em 2007 e 2023.

A dois anos, sete meses e 22 dias de distância do pontapé de saída da competição, a decorrer no país do Hemisfério Sul, de 1 de outubro a 13 de novembro de 2027, o SAPO24 questionou dois antigos capitães dos lobos sobre a importância da presença da seleção nacional, pela terceira vez, na grande competição mundial.

“A qualificação de Portugal para o Mundial de 2027 é uma grande noticia e trará inúmeros benefícios para o râguebi português”, disparou Vasco Uva, capitão dos lobos em França 2007, primeiro mundial em que Portugal participou.

Deixa, no entanto, um aviso à navegação. “Esses benefícios terão de ser melhor aproveitados, se comparado com o sucedido em 2007 e 2023”, alertou.

A segunda participação consecutiva num Mundial “eleva o perfil do râguebi em Portugal e reforça a imagem de que pode ser um desporto com futuro promissor”, antevê. A qualificação “incentiva o crescimento do râguebi a nível nacional e potencia a entrada de novos jogadores, especialmente entre os mais jovens”, salienta.

A exposição num palco onde vão estar 24 nações e o sucesso internacional derivado do apuramento “vai ainda atrair patrocinadores e aumentar o financiamento”, injeção de dinheiro que permitirá dotar a modalidade de “melhores infraestruturas, programas de formação e condições para os jogadores”, identifica.

Vasco Uva chama a atenção para a componente financeira. “Temos de canalizar uma maior fatia deste retorno gerado, para a “base da pirâmide”, ou seja, a formação”, assinala.

“Após os mundiais de 2007 e 2023, o investimento foi quase na totalidade realizado na seleção sénior”, recorda. “Devemos aprender com esse erro e começar a investir no futuro, criando bases para que a presença em mundiais se torne uma coisa regular e sustentável”, aponta.

Sem vislumbrar “que no curto médio prazo” o râguebi em Portugal “tenha capacidade de se tornar profissional”, aponta caminhos alternativos. “Temos de nos focar na formação, não só ajudando o desenvolvimento dos clubes já existentes, mas também aplicar esforços na tentativa de tornar o râguebi uma modalidade de desporto escolar e aumentar a presença no râguebi feminino”, salienta.

Por fim, em relação às seleções nacionais, Uva considera “fundamental investir em parcerias com escolas, universidades e entidades empregadoras para que os jogadores possam ter carreiras duais e não percam oportunidades em nenhum dos lados”, finaliza.

“Infraestruturas, massa humana, dirigentes, treinadores. Falta isso tudo”

João Correia, que alternou a braçadeira de capitão com Vasco Uva no pós-mundial de 2007, toca na ferida aberta pelo seu ex-companheiro de equipa de seleção e clube (Grupo Desportivo Direito).

“Sinceramente acho que não aprendemos com as qualificações anteriores, porque o número de praticantes de râguebi em Portugal continua a ser muito inferior àquilo que seria de esperar depois de duas qualificações”, lamenta.

“Em 2007, houve um grande boom de novos praticantes após a qualificação, mas não foi capitalizado depois, mais tarde, nos seniores”, recorda. “Devíamos estar agora a receber esses números nas equipas seniores, mas o que constatamos nas equipas dos vários clubes em Portugal é que temos cada vez mais estrangeiros devido à falta de jovens a praticarem a modalidade”, analisa.

O crescimento do número de praticantes disparou no pós-2007, mas tem permanecido estagnado nos cerca de sete mil federados. Os dados suscitam um comentário de João Correia.

“Temos os mesmos praticantes de há não sei quantos anos e não explodiram em 2023. E deviam ter explodido”, exorta. Mas não faltam só jogadores”, realiza. “E o que é que falta? Infraestruturas, massa humana, dirigentes, treinadores. Falta isso tudo”, responde.

Críticas “construtivas” à parte, o antigo talonador da seleção nacional direciona o olhar para o que deve ser feito. “Devemos aproveitar o facto de cada vez mais jovens jogadores portugueses aproveitarem o sucesso que têm tido a representar a seleção, e neste momento estão a jogar fora, em campeonatos e equipas importantes, e que depois trazem uma mais-valia à seleção”, anota.

A migração para os campeonatos profissionais e semiprofissionais em França e Espanha tem, de acordo com “Pipas”, como é conhecido, o efeito de atrair “muitos jogadores jovens” e demonstra que “é possível dedicarem-se à modalidade, serem profissionais de râguebi noutros países”, atira.

“Temos de aproveitar este balanço (apuramento), porque acho que não foi capitalizado, e isto está aos olhos de toda a gente, só não vê quem não quer”, remata.

Vai mais longe. “Temos de começar a preparar este novo élan do râguebi, desde a participação no último Mundial, aproveitar esse balanço, em conjunto com a qualificação para 2027 e preparar já as infraestruturas, clubes, a própria divulgação e expansão do râguebi a todos os cantos do país, para fazer com que haja o surgimento de novos clubes, e os clubes que já existentes começarem a preparar, tanto a nível de infraestruturas, como a nível de pessoal, de treinadores, etc., uma estrutura para receber esses novos praticantes, que vão surgir se isso acontecer”, ressalva.

Retirado dos relvados, deixa uma consideração final. “Quando somos jogadores pensamos em qualificarmo-nos para um mundial, não tanto no futuro da modalidade”, refere. “Agora, como amante da modalidade, quero é que haja um desenvolvimento cada vez maior da modalidade”, onde caiba “o desporto escolar ou a aposta na variante de sevens, na qual o jogador português tem tudo para singrar”, enumera.