![Selecionador nacional de andebol: “Quando a equipa perde, é sempre o treinador que perde. É uma coisa que assumi desde que sou treinador profissional”](/assets/img/blank.png)
Em entrevista ao SAPO24 diz não estar agarrado ao cargo de selecionador que acumula com o do clube, RK Celje, da Eslovénia, mas confessa que dez anos depois tem mais cabelos brancos. Escuta a acolhe as opiniões de jogadores e staff, mudou mentalidades e mindset de uma equipa que entrava em campo já a perder. E quando se trata de perder, descansa quem o rodeia. É sempre ele quem perde. Os atletas, ganham.
Cansado de dar entrevistas? Foi uma semana forte e intensa de exposição desde que a seleção aterrou vinda do Mundial da Noruega.
Estou cansado. Estou muito cansado porque cheguei ontem à noite (passada sexta-feira, 7). Saí do hospital porque estou doente da garganta e estive com febre durante a noite, fui fazer umas compras e vim para casa agora, tivemos treino ao fim da manhã.
"Há alguns anos já estávamos a perdermos antes de começar o jogo. Hoje, isso já não acontece"
Foi de gritar muito? E a febre, foi a descarga das emoções vividas no Mundial?
Não, não, foi do ar-condicionado (ri e tosse).
Está há quase 10 anos da seleção. Esperava estar tanto tempo? O que mudou na seleção nesta década?
Sempre digo e repito, nunca estive agarrado à seleção e acho que a seleção e a Federação também não está agarrada a mim. Portanto, se achássemos que alguma coisa não estaria bem, podíamos mudar a qualquer momento. Tenho feito sempre dois anos de contrato, sucessivamente. Tenho esta época, mais uma. Não fizemos nenhum contrato vitalício.
Não fizeram esse contrato, mas é uma ligação especial?
Acho que quando se trabalha nas seleções, sobretudo quando somos do mesmo país, há aquele sentimento. Não é a mesma coisa. Já trabalhei em várias seleções, mas trabalhar na seleção portuguesa é sempre um bocadinho diferente, porque há sempre o fator emocional associado. Quero o melhor para Portugal, estando, ou não, na seleção. Porque digo que não estou agarrado. Mas, até agora as coisas têm corrido bem e isso faz com que a renovação tenha sido, mais ou menos, natural.
"Há aquela frase famosa “ah, isso é desporto”. E quando me dizem a mim, “isso é desporto”, digo logo “quero-me explicar melhor essa frase. O que é que é “isso é desporto”? Ou seja, o “isso é desporto” não é importante"
E esperava tantas renovações ao longo dos 10 anos?
Se estimava estar dez anos, talvez não sei. Não me preocupa a longevidade do contrato, o que me preocupa é fazer bem o meu trabalho. E no dia que não me sentir muito bem, também tenho a iniciativa de dizer que é melhor vir outra pessoa.
É um desabafo?
Confesso que, às vezes, isto é cansativo, sobretudo quando trabalhamos em acumulação com um clube. Ao mesmo tempo sinto que é obrigatório para nós, treinadores, também estar em forma. Uma coisa é trabalhar num clube, o trabalho que existe durante todo o ano, outra coisa é trabalhar na seleção, que é pontual e isso retira a forma do treinador. Tenho feito um esforço acrescido para poder estar em forma e isso implica acumular também com um clube.
"Ainda hoje vamos aos pavilhões e temos de ir de sobretudo, porque há pavilhões em que não é possível ver um espetáculo desportivo de uma forma tranquila. Queria ver nos teatros e cinemas o que era ver um filme ou um teatro se não tivesse o mínimo de condições"
Ganhou muitos cabelos brancos ao longo destes dez anos. Já olhou para a sua fotografia quando tomou conta da seleção e comparou-a com as mais recentes?
Já olhei, já olhei. Eu vivo muito tudo o que é preparação da competição. Gosto de competir e isso obriga-me a um esforço extra. Não gosto de deixar nada ao acaso. Portanto, isso dá-me trabalho. Provavelmente, por isso, tenho mais cabelos brancos.
É uma diferença abismal. Também se nota nos políticos quando assumem o cargo e quando deixam o cargo.
O 4.º lugar no campeonato do mundo não nasce espontaneamente. Onde é que começou? Há dez anos? cinco anos? Consegue apontar?
Acho que começou logo desde o primeiro dia. Recordo-me quando perdemos no meu primeiro jogo na seleção, em 2016, contra a Alemanha, na Alemanha. Perdemos por 11 golos e havia uma certa, não digo passividade, mas uma certa... resignação, essa que é a palavra. Perguntei logo se não conseguíamos fazer melhor que aquilo.
E fizeram, assim mostra a história.
É um facto que, no ano seguinte, recebemos a Alemanha, em casa, e colocámos no pavilhão, a meu pedido, uma música de Leonard Cohen.
Que música?
Aquela que diz: “First we take Manhattan, then we take Berlin”. Essa música passou 50 vezes durante o aquecimento para o jogo. E o que é certo é que estivemos a disputar o jogo até ao fim e perdemos por 2 ou 3 golos. É uma questão das pessoas terem o mindset no sítio.
"É um facto que foi o melhor resultado de sempre, mas um sexto e um sétimo no Europeu não é menos difícil do que um 4.º no Mundial. E nós temos tido isto. E só agora, finalmente, tivemos um protocolo de saída no aeroporto. Andamos todos um bocado distraído em relação àquilo que os portugueses fazem para Portugal. E, às vezes, isso entristece-me um pouco, confesso"
Procura trabalhar a mente do jogador? Faz mindgames?
Confio mais no mindset. Em que pensamos, o que perseguimos, qual é a forma de estar para podermos atingir resultados. Isso é que me faz sempre pensar como fazer para estarmos sempre no sítio certo em termos do que é perseguir o objetivo. Quando estamos numa seleção, que tem algumas dificuldades, vejo nisso uma oportunidade para poder mudar alguma coisa. O que é certo é, que de certa forma, temos mudado a forma de pensar e abordar os nossos adversários. Há alguns anos já estávamos a perder antes de começar o jogo. Hoje, isso já não acontece.
Tem a ver com a mudança do mindset, uma geração de jogadores que começam no desporto escolar, que se envolvem nos clubes, nas seleções mais jovens. Tudo isto está interligado a este sucesso?
Pode-se sempre fazer melhor. Há muito a fazer no desporto escolar. Podemos fazer muito mais do que fazemos. Se não dermos muita importância ao desporto ... há aquela frase famosa “ah, isso é desporto”. E quando me dizem a mim, “isso é desporto”, digo logo “quero que me explique melhor essa frase. O que é que é “isso é desporto”? Ou seja, o “isso é desporto” não é importante. É assim que interpreto. E depois convido imediatamente a pessoa a vir trabalhar comigo um dia, porque as pessoas não têm ideia do que fazemos e o que é jogar no Campeonato do Mundo com um dia de intervalo com jogos sucessivos. Isto não é fácil, temos de ter um grupo de pessoas que se ajudem, cada um com o seu papel, porque senão, não é possível preparar um jogo.
Como é que Portugal consegue este feito notável. Comparando com as seleções que fomos deixando pelo caminho, a nível praticantes, condições e infraestruturas é muito inferior. Portanto, houve alguma superação por parte de um grupo de trabalho. Foi essa superação que nos levou até lá?
Este grupo já é bem diferente daquele que conseguiu o 6.º lugar no Europeu de 2020. Em cinco anos, o grupo mudou substancialmente e mantemos, mais ou menos, alguma consistência nos resultados. Agora, até é um grupo mais jovem do que aquele que tínhamos em 2020. Bem mais jovem. Este processo é também sempre um processo gradual, a integração dos atletas mais jovens, há uma forma de jogar e uma forma de defender que tem vindo a ser trabalhada. E tudo isto integrado dá este resultado. Agora, é um facto, é o trabalho de muita gente.
"No início, lembro-me, em 2016, 2017, nos primeiros anos, as pessoas tinham um certo receio em dar a opinião. E, pouco a pouco, foram percebendo que não havia nenhuma consequência em dar opinião e em partilhar ideias entre nós"
Um trabalho onde entram clubes?
Fazemos uma parte na seleção. Os clubes têm feito a parte deles em termos do que é preparar estes atletas, quer para as competições internas dos países onde jogam para chegarem à seleção no melhor estado de forma possível. Às vezes, temos de fazer alguma alquimia para obter um bom resultado, não temos muito tempo para os atletas jogarem, temos de fazer um trabalho extra para que as pessoas se foquem naquilo que todos têm de fazer e cada um com o seu papel. Para já, temos feito isso, mais ou menos, com sucesso.
O andebol esteve em janeiro e fevereiro na moda. Ocupou páginas de jornais, os jogos foram transmitidos na RTP2 e na RTP1. Nesta escalada foi mais fácil chegar lá ou é mais difícil agora manter esta bitola de 4.º lugar, transmissões, capas de jornais? O que é que vai ser mais fácil ou mais difícil?
É muito difícil chegar lá, mas é muito mais difícil manter esta consistência. Acho que a consistência de resultados nas seleções tem muito a ver com a consistência do próprio país em todos os níveis. Falou há bocado, e bem, na questão das infraestruturas. Ainda hoje vamos aos pavilhões e temos de ir de sobretudo, porque há pavilhões em que não é possível ver um espetáculo desportivo de uma forma tranquila. Queria ver nos teatros e cinemas o que era ver um filme ou um teatro se não tivesse o mínimo de condições. E, sobretudo, quando trabalhamos com o corpo há risco de lesão, porque é muito mais difícil preparar o corpo para a competição em ambientes ou muito quentes, ou muito frios. Há muita coisa a fazer no país para que tudo esteja interligado. Estou a dar o exemplo das infraestruturas, mas há muito mais coisas que é preciso fazer para podermos ser mais consistentes.
Que mais exemplos?
Às vezes, parece que isto está tudo ao contrário. Temos de ser de nós a fazer o resultado para depois podermos aparecer no Canal1. Tinha de ser ao contrário. As pessoas têm de promover, porque isto é bom para o país, uma seleção aparecer a alto nível, isto é bom para o país. Não temos de ir à meia-final para depois dar no Canal 1. Nós já bastávamos, fizemos sete competições consecutivas, apuramento para os Jogos Olímpicos, que nunca ninguém fez, a não ser o futebol, mas o futebol não considera muito os Jogos Olímpicos, é uma competição secundária.
"Digo-lhes sempre que o trabalho nas seleções é muito mais do que ganhar ou perder. Tem de ser muito mais do que ganhar ou perder ... Acho que estamos a interiorizar isso cada vez mais. E é um orgulho enorme"
Os Jogos Olímpicos foram um marco desta seleção?
Para quem tem como prioridade os Jogos Olímpicos, fomos a única seleção no país que se classificou para os Jogos Olímpicos (Tóquio2020). Isto para mim é muito mais difícil do que o 4.º lugar no Mundial. Só que nós, como a nossa cultura desportiva é relativamente baixa, achamos este feito uma coisa brutal.
Muito sucesso, mas que parece passar ao lado do nosso radar?
É um facto que foi o melhor resultado de sempre, mas um sexto e um sétimo no Europeu não é menos difícil do que um 4.º no Mundial. E nós temos tido isto. E só agora, finalmente, tivemos um protocolo de saída no aeroporto. Andamos todos um bocado distraído em relação àquilo que os portugueses fazem para Portugal. E, às vezes, isso entristece-me um pouco, confesso.
Falou, numa entrevista ao Expresso, da hierarquia Steve Jobs. Abre as ideias aos atletas e se há uma ideia boa, é aproveitada. Não há, uma ditadura de ideias, digamos. Partilha-as e partilha o pensamento com os atletas. Integrá-los é também a chave do sucesso?
Acho que sim. Irremediavelmente. No início, lembro-me, em 2016, 2017, nos primeiros anos, as pessoas tinham um certo receio em dar a opinião. E, pouco a pouco, foram percebendo que não havia nenhuma consequência em dar opinião e em partilhar ideias entre nós. Agora, discute-se muito mais tudo o que é o nosso dia-a-dia no trabalho, preparar os jogos, tudo. E se acharmos que há uma ideia boa, até num timeout, se acharmos que naquele minuto do timeout se houver algum atleta que tenha uma ideia que encaixe naquilo que estamos a fazer, aproveitamos. Se acharmos que é melhor, muitas vezes fazemos isso. E sinto que o grupo, desde que conseguimos integrar toda a gente no processo, toda a gente acredita de imediato muito mais no processo do que seja só alguém a dizer e outro a fazer. Isso, hoje, não funciona. As pessoas têm de fazer uma atividade consciente e, para isso, têm de se sentir um pouco autónomas dentro do grupo. Com o tempo, conseguimos que houvesse essa segurança psicológica para todos poderem dar a sua opinião e não há nenhum tipo de consequência negativa em relação a isso.
"Somos o país do tudo ou nada. Agora, durante uma semana, falamos de andebol de manhã à tarde e à noite e depois esquecemos completamente. Até que haja alguém, algum ciclista ou alguém da ginástica que apareça e falamos de ginástica durante uma semana"
Por falar em opinião, José Mourinho, falou de si. O que sentiu ao ler aquele elogio?
Foi espetacular. Nota-se que não passávamos mesmo despercebidos. Ou seja, há muita gente que conseguiu ver os números. Isto é assim, conseguimos ser vistos e aquilo que fazemos vale a pena ser visto. Aquilo que digo sempre aos atletas e a todo o grupo de trabalho, e incluo muitas vezes o staff também nas reuniões quando é preciso falar de algumas coisas que tocam a todos, digo-lhes sempre que o trabalho nas seleções é muito mais do que ganhar ou perder. Tem de ser muito mais do que ganhar ou perder. E isso só se pode mostrar na forma como lutamos.
Porque no fundo, o que fazemos dentro de campo é reproduzir as guerras seculares, os coliseus e aquelas atividades além da guerra que se faziam no tempo dos romanos. Acabamos por reproduzir isso. E as pessoas identificam-se quando esse alguém luta por eles. Portanto, isto é muito mais do que ganhar ou perder. Acho que estamos a interiorizar isso cada vez mais. E é um orgulho enorme.
Além de treinador, a sua formação académica influencia-o como selecionador, comunicador e não é indiferente?
Seguramente. Para mim é muito importante a questão da comunicação. Claro que há coisas que internamente fazemos. Comunicação interna. Há coisas que fazemos, que penso nelas, porque as palavras têm muito impacto nas pessoas e às vezes uma palavra mal dita estraga tudo. Temos de ter muito cuidado com isso e tentamos que a comunicação seja sempre clara para todos e com alguma mensagem também incluída.
"Prefiro do que estar sempre naquela do coitadinho e vamos tentar fazer o melhor possível. A mim horroriza essa frase. Fazer o melhor possível. Já estamos a dizer que vamos jogar a meio gás. Portanto, não fazemos o melhor possível. Fazemos o impossível. E depois logo se vê"
Portugal criou os seus heróis, os irmãos Costa, Vítor, o Frade, Salvador. O andebol precisava destes heróis para crescer no país? Acredita num boom de praticantes nos clubes?
Sinceramente, já não me entusiasmo tanto como antes. Já fizemos coisas muito importantes antes e aconteceu pouca coisa. Ou seja, somos o país do tudo ou nada. Agora, durante uma semana, falamos de andebol de manhã à tarde e à noite e depois esquecemos completamente. Até que haja alguém, algum ciclista ou alguém da ginástica que apareça e falamos de ginástica durante uma semana.
Para mim, tem de ser um trabalho muito grande para que depois isto perdure. Quero, oxalá, oxalá ... para já, sinceramente, não temos aproveitado. Não temos conseguido aproveitar aquilo que fomos fazendo. Não temos conseguido. Vamos lá ver se é desta que conseguimos aproveitar. Tivemos o gosto de ter tido o Secretário de Estado do Desporto connosco na Noruega. Parece-me uma pessoa extraordinária e também com muita vontade de fazer coisas pelo desporto nacional. Oxalá o deixem fazer aquilo que quer fazer.
Para o fim, organizaremos o Europeu em 2026? Do imediato, ou até lá, Portugal esquece do 4.º lugar e chegados lá, vamos começar tudo de novo?
Não, não. Isto foi uma coisa que sempre ambicionei. Andamos a lutar sempre pelos lugares lá de cima. Digo isto muitas vezes. "Vocês não se preocupem. Se alguém perder aqui, quem vai perder sou eu. Vocês não se preocupem." Quando a equipa ganha, normalmente são os atletas que ganham, fala-se muito. Quando a equipa perde, é sempre o treinador que perde. Isto é uma coisa que assumi desde que sou treinador profissional. É uma coisa que assumo sem nenhum problema. Sou sempre a mesma pessoa e faço sempre as mesmas coisas. Embora, tente sempre aprimorar o meu processo de trabalho. Estou sempre a tentar inovar, buscar a melhor forma de fazermos melhor. Isso sim. Agora, mais ou menos, descanso-os em relação a isso. Vocês não se preocupem, porque se aqui alguém perder, sou eu que perco.
As expectativas estão muito altas?
Sei que a expectativa vai estar elevada, mas ainda bem. Eu prefiro isso e depois nem que tenha ficado por momentos triste. Porque esta coisa que passa logo no dia seguinte, passa daqui a dois dias. Prefiro do que estar sempre naquela do coitadinho e vamos tentar fazer o melhor possível. A mim horroriza essa frase. Fazer o melhor possível. Já estamos a dizer que vamos jogar a meio gás. Portanto, não fazemos o melhor possível. Fazemos o impossível. E depois logo se vê.
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