Atenção: foram marcados cinco, mas na verdade podiam ter sido mais uma mão cheia deles e o resultado ter sido bem mais dilatado. Porque a realidade do jogo mandou descansar Hazard e Lukaku bem cedo, abrindo espaço a que Michy Batshuayi desperdiçasse duas ou três oportunidades flagrantes no segundo tempo. É certo que marcou um, mas desperdiçou outros tantos e ainda atirou à barra.
Mas golos tem sido sinónimo de Bélgica. E parece que o carrossel começa a entrar no jargão descritivo dos Diabos Vermelhos. E é carrossel porque procura o golo. É carrossel porque diverte. É carrossel porque os jogadores parecem estar felizes em campo. “Desta vez vou lembrar-me de me divertir”, disse Lukaku. Só que ir para a diversão sozinho não é a mesma coisa do que acompanhado. Então o poderoso avançado ontem parece ter trazido os seus amigos Kevin Bruyne, Hazard e Carrasco.
Os europeus dominaram o jogo de início ao fim. Mesmo a jogar em velocidade de cruzeiro conseguiram criar várias oportunidades e o resultado podia ter sido ainda mais desnivelado, sendo que o espanhol Roberto Martinez, selecionador dos belgas, é um treinador que entende que os jogadores precisam de ter prazer a jogar para retirar o melhor das suas capacidades. Ainda assim, durante todo o jogo os Diabos Vermelhos mostraram frieza, domínio emocional e uma eficiência muito promissora para o que se segue do Mundial.
E Hazard foi um dos símbolos desse jogo belga. Mostrou ter controlo, compostura e sangue-frio à frente do golo — ao contrário do que acontece nas vezes em que se "encolhe" e se "apaga" quando é preciso responder à chamada. Mas nesta Bélgica, se o capitão mostra exuberância, é Kevin De Bruyne que tem cartolas no lugar dos pés, e saca, não coelhos ou pombos, mas assistências de bradar a quem assiste ao jogo. É um deleite ver o 7 belga a pressionar, a pautar o jogo e a ver espaços que nem sabemos que estão abertos. E Lukaku? Com o bis de hoje apanhou Cristiano Ronaldo como melhor marcador do Mundial, igualou Ceulemans como melhor marcador da Bélgica em fases finais e ainda igualou o seu antigo selecionador Marc Wilmots como melhor marcador da Bélgica em Mundiais (além de ser também o primeiro jogador a marcar dois ou mais golos em jogos consecutivos num Mundial desde... Maradona, em 1986). Tudo isto com apenas 25 anos de idade. É obra!
A equipa europeia foi recompensada pelo seu futebol atacante após ter conseguido uma vantagem madrugadora de dois golos. O seu jogo de ontem foi direto e rápido, mas ambas as equipas entraram em campo para distribuir intensidade. Lukaku bisou de forma clínica, depois de já ter marcado dois golos contra o Panamá na estreia belga neste campeonato, estabelecendo-se como um dos goleadores mais prolíferos deste Mundial.
Contudo, a história desta partida começou a desenhar-se quando Hazard cavou um penálti que o próprio concretizou, logo a abrir (6’). Depois, foi a vez do avançado do Manchester United dilatar a vantagem com um golo (16’) obtido através de remate rasteiro, descaído para a esquerda, para o lado contrário, mas sem hipóteses para o guardião tunisino. As Águias de Cartago ainda reduziram, chegando ao golo através de um lance de bola parada, cortesia de Dylan Broon e via cabeçada colocada. Só que depois, lá está, há Lukaku. E quem tem um jogador daquele poderio físico e técnico na frente, a jogar com confiança... Enfim, não foi surpresa para ninguém quando o belga fez o 3-1 já em tempo de descontos da primeira parte, picando a bola por cima do guarda-redes.
Destaque ainda para um momento raro: a meio do primeiro tempo (26’), Lukaku caiu na área, mas recebe aplausos dos adeptos adversários. Aliás, adepto e jogadores tunisinos. É que jogador do Manchester United levanta-se e diz ao árbitro que não existiu contacto para grande penalidade.
Eden Hazard também teve a oportunidade de 'bisar' (51'), tendo o conjunto belga fechado a contagem por Michy Batshuayi (90'), havendo ainda tempo para Wahbi Khazri (93') reduzir para a Tunísia, na última jogada antes do apito final.
Para continuarem a ter esperanças de seguir em frente, os magrebinos têm de esperar que o Panamá consiga bater a Inglaterra no jogo deste domingo. Mas dificilmente será algo que venha a acontecer.
Esta foi a primeira vez que a Bélgica marcou 5 golos num encontro do Mundial e foi também o 11.º jogo em Mundiais sem conhecer o sabor da derrota na fase de grupos. Do outro lado, a Tunísia está há 13 jogos sem ganhar para o Mundial, equivalente a 40 (!) anos. É muito jogo. É a tal estatística que fica no ouvido: 40. São 40 anos sem ganhar um único jogo, desde 1978, numa partida em que derrotou o México por 3-1.
Apesar de sofrer três golos, a verdade é que Tunísia nunca baixou os braços, nem procurou jogar com um bloco baixo para sair em contra-ataque. Arriscou muito, talvez demasiado, optando por construir o jogo desde trás. E quando se defronta uma equipa com o talento que a Bélgica reúne, qualquer erro paga-se caro.
Efeito Martinez
O verão de 2016 trouxe uma surpresa no futebol belga. Depois de eliminações precoces no Mundial de 2014 (frente à Argentina, nos oitavos-de-final) e no Euro 2016 (frente ao País de Gales, nos quartos-de-final), a Federação belga entendeu que era necessário uma mudança. E essa mudança passava por um treinador espanhol, Roberto Martinez, que contava no currículo com passagens por clubes ingleses com o Swansea, o Wigan e o Everton. Foi ele o escolhido para substituir Marc Wilmots, lenda do futebol belga (70 jogos e 29 golos pela seleção) e que comandava os seus destinos desde 2012. Adepto de estilo de jogo ofensivo e de posse, Martinez parece ter conquistado os jogadores mais influentes.
A sua equipa no papel é uma seleção que deverá agradar a quem gosta de futebol ofensivo. Antes de chegar à Rússia, em 10 jogos na fase de qualificação, marcaram 43 golos e sofreram 6. E existe ainda outra nuance: foi a equipa que menos jogadores utilizou na fase de qualificação, experimentando 26 jogadores, apenas mais 3 do que aqueles que são levados ao Mundial.
Há fluidez, há movimento, há passe no espaço, há entrosamento, há criatividade. Na verdade, são mais as coisas que existem do que aquelas que faltam. Só que também não é menos verdade dizer-se que a eqipa ainda não foi realmente "testada" neste Mundial. O maior teste da Bélgica só chega na próxima quinta-feira, em Kaliningrado, quando a equipa de Roberto Martínez defrontar a Inglaterra. Ninguém tira mérito aos 8 golos marcados em apenas dois jogos, mas é preciso passar num teste um bocadinho mais complicado para colocar a Bélgica como uma das seleções que podem levantar o caneco. Porque é agora ou nunca. Quem o diz é o próprio Lukaku.
"Esta pode muito bem ser o último torneio da nossa geração, porque alguns jogadores vão retirar-se. Portanto, estamos a jogar por eles e estamos a tentar marcar um bocadinho da história", disse o n.º 9 belga. "No último torneio que jogámos elevámos tanto a fasquia que não atingimos os nossos objetivos. Agora, estamos a tentar apenas de desfrutá-lo", concluiu o ponta-de-lança do Manchester United.
E já que as linhas estão a ser dedicadas a Lukaku, o seu treinador disse o seguinte: “[Ele] vai tentar marcar o maior número de golos que conseguir, mas não a todo o custo. Penso que foi incisivo, no sítio certo, confiante; e à frente da baliza foi tão clínico como se podia esperar”. E prosseguiu, falando depois da equipa e admitindo que “existem várias que podemos melhorar. Este foi um jogo que se ajustou ao nosso estilo, [mas] há que dar crédito à Tunísia. Quiserem ganhar desde o início, pressionando alto. O crédito que merecemos é o de aproveitarmos bem as oportunidades. Ainda estamos a crescer. Com dois golos de vantagem, devíamos ter controlado melhor o jogo", revelou ainda Roberto Martinez.
No próximo encontro, quinta-feira, frente aos ingleses, o técnico espanhol já prometeu fazer "grandes alterações", sendo que Lukaku dificilmente irá figurar entre os eleitos, a contas com uma lesão no ligamento externo do tornozelo. "A resposta é muito clara. Se tivéssemos sete dias para preparar o jogo e outros sete dias para nos qualificarmos, eu diria para começarmos com o mesmo 11. [Mas] a realidade é que agora estamos qualificados, e num torneio como o Mundial só és bom quanto os 23 jogadores da tua equipa [são]. Vão haver oportunidades para dar minutos a outros jogadores, que os merecem", justificou.
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