A carreira de Sérgio Conceição, seja agora como treinador ou anteriormente como jogador, sempre foi pautada ao seu estilo. Um jogador/treinador sem rodeios e meias palavras. Sempre foi direto, com tudo e com todos, e nunca se preocupou com o que possam achar disso mesmo. As razões? “Só há uma, ele só quer ganhar, em tudo”.
Quem o diz é Zlatko Zahovic, ex-jogador do FC Porto, que a 11 de fevereiro de 1997, assistiu Sérgio Conceição para o seu primeiro golo de dragão ao peito. “Nunca o vi de outra forma. Muito frontal, dizia tudo o que tinha para dizer, aos colegas, ao treinador, no balneário. Sempre foi assim, depois acompanhei-o em outros clubes e assistia ao mesmo e agora como treinador é igual. Ele é do estilo, 'se gostam de mim, gostam, se não gostam, podem seguir'”, salientou o esloveno.
Este seu estilo, então, muito se pode ficar a dever também às dificuldades e obstáculos por que passou ao longo de toda a sua vida, que não foi nada fácil. Natural da freguesia de Ribeira de Frades, do concelho de Coimbra, os pais sempre passaram algumas dificuldades financeiras. O que Sérgio, irmão de outros sete, também nunca escondeu nas entrevistas que deu. Os pais, contudo, eram os seus alicerces, e tudo fizeram para que não desistisse do seu sonho, o futebol.
A vida, no entanto, ironicamente, acabou por o trair. Em 1991, no dia seguinte à sua chegada à Invicta, depois de sair da Académica rumo ao FC Porto, o seu pai acabaria por falecer. O mundo caiu aos seus pés e dois anos depois a sua mãe também morreria, um drama na vida de um, então, jovem que também já havia perdido um irmão na adolescência.
“O Sérgio nunca negou as suas origens, vem frequentemente a Ribeira de Frades. É muito devoto à família e às origens. O ano passado, por exemplo, o título foi um dos mais especiais de sempre, pois foi celebrado no Dia da Mãe. Eles eram tudo para ele, assim como a sua família. Ele não se importa com o que pensam, do que diz, os verdadeiros amigos e família, aqueles de quem ele realmente gosta, sabem como ele é e não nos importamos. Ele é um insatisfeito incompreendido, como costumamos dizer. Ele quer sempre mais, nunca está satisfeito. Pode festejar o título hoje, mas amanhã já quer outra coisa. Era assim a jogar e é assim a treinar. A vida não foi fácil para ele e o seu jeito é assim também devido a isso”, disse o amigo Paulo, de Ribeira de Frades.
Nunca o vi de outra forma. Muito frontal, dizia tudo o que tinha para dizer, aos colegas, ao treinador, no balneário.Zlatko Zahovic
A sua insatisfação, constante, será assim também outra das razões por detrás de muitas polémicas no que ao futebol diz respeito. Sérgio, esse, contudo, não leva muito a sério. “Ele pode estar hoje chateado com uma coisa, mas amanhã passa-lhe. Pinto da Costa? São grandes amigos, não há recados, se o Sérgio quiser dizer algo, diz, sem qualquer problema”, diz o amigo, que até explica as razões que o levaram a aceitar o FC Porto.
“Primeiro porque adora o clube e depois porque gosta de dificuldades. O que é fácil não é para ele. Gosta de ajudar todos, ajuda instituições e quis ir ajudar o seu clube, que não passava por um bom momento. Alguém está insatisfeito? Duvido, só se for ele, que está sempre insatisfeito e quer mais”, referiu.
Zahovic, que partilhou balneário com Sérgio Conceição, afina pelo mesmo diapasão. “Ele nunca escondeu quando achava que algo estava mal ou que, eventualmente, poderia ter sido prejudicado. E dizia-o, sempre. Nos treinos era igual. Se não concordava com algo, refilava, mas também conseguia dizer que errava. As pessoas ficam sempre chateadas quando alguém lhes diz verdades que custam, é natural. Há pessoas que entendem e outras que não. Mas acredito que o Sérgio não fica chateado com ninguém. Ele é um homem simples, sempre foi”, salientou.
Sexta-feira há jogo com o Benfica e será a última oportunidade dos azuis e brancos para a reconquista do título, isto a oito jornadas do final do campeonato. Uma derrota ou empate, por certo, retirarão os bicampeões da luta. Os lesionados estão a recuperar, mas o grande trunfo, esse, é o tal incompreendido.
“É um motivador, sempre foi. Consegue puxar por todos, seja no futebol ou fora dele. Consegue fazer com que todos pensem em ganhar, porque ele é assim, só pensa nisso. Nem às cartas gosta de perder, nem com os sobrinhos, os filhos, até com os amigos mais velhos aqui de Ribeira de Frades. Ele é o grande trunfo para o jogo e para o FC Porto nos próximos anos. Sair? Ele fica onde se sente bem. Pouco se importa se uns acham que ele não deva lá estar, se ele quiser ficar, e quiserem ficar com ele, ele ficará”, disse o amigo.
Ele nunca escondeu insatisfações. Nos treinos era igual. Se não concordava com algo, refilava, mas também conseguia dizer que errava Zlatko Zahovic
Zlatko Zahovic passou por muitos clássicos, até porque jogou tanto no FC Porto, como no Benfica. Os dez pontos de vantagem que as águias têm sobre os azuis e brancos podem traduzir a diferença das duas equipas ao longo da época, "mas um jogo é um jogo" e a motivação poderá fazer a diferença.
"Claro que o Benfica tem de estar motivado, pois é líder com muitos pontos. Mas o FC Porto é sempre uma equipa muito complicada, ainda por cima tem de correr atrás para não deixar fugir o título. Papel do Sérgio? É muito importante. Sei o que tem feito em Portugal e leio que nem sempre tem os melhores plantéis. Sempre motivou o balneário, também quando era jogador e mesmo jovem. Consegue tirar o melhor dos seus jogadores, tal como tirava dos colegas. O seu papel no clássico poderá ser determinante", referiu o esloveno.
O treinador exigente
Sérgio Conceição começou a dar os primeiros passos como treinador ainda na Bélgica, concretamente no Standard Liége, na temporada 2010/2011, isto após sair da Grécia, onde era diretor no PAOK. Os primeiros dias mostraram logo a sua faceta.
“Era muito exigente, mais até que D'onofrio [o treinador]. Estava sempre atrás de nós, exigia, exigia, exigia. Não conseguia dizer na altura se ele iria ter sucesso, conhecia a sua carreira como jogador, sabia o que tinha feito, mas não conseguia dizer se iria ser o que é hoje. Posso dizer que o grupo ficou surpreendido com ele, tínhamos muita malta experiente, mas era um plantel também jovem e ele andava sempre atrás de nós. Ele era a cola que colava o grupo, conseguia gerir o grupo muito bem. Claro que, por vezes, uns gostavam menos que outros, mas isso sempre foi assim em todos os balneários. Há momentos bons e outros menos bons”, começou por dizer o brasileiro Felipe Trevizan, que foi orientado por Sérgio Conceição no Standard Liége.
Exigência, muita exigência. Era assim no início da sua carreira como treinador e também o é agora, como o próprio admite. Não olha a estrelas, nem estatutos. “Tínhamos alguns jovens que estavam a começar, como Witsel, Batshuayi, Carcela e ele era quem mais puxava por eles. Não queria saber se havia outros com mais experiência, para ele importava o que dávamos no treino. Foi assim desde o primeiro dia. Sempre de cara fechada? Sim, era raro sorrir, pelo menos no campo, lá fora também era brincalhão, mas lá dentro poucas vezes sorria. Mas ele estava ali para nos ajudar e não para sorrir. A exigência traz resultados e ele era assim, muito, muito exigente. Primeiro o trabalho. A frontalidade era impressionante”, salientou.
Era a cola que colava o grupo, conseguia gerir o grupo muito bem. Claro que, por vezes, uns gostavam menos que outros Felipe Trevizan
O SAPO24 explicou a Trevizan todas as polémica por que Sérgio Conceição tem passado, das antigas às mais recentes. O brasileiro não as estranha. “Não tive muito tempo com ele, mas percebi logo o seu feitio. Era muito fechado, reservado, mas dizia tudo em campo. Ali ele mostrava-se, não fico surpreendido, talvez por isso consiga tirar tudo de todos os jogadores e o sucesso se justifique assim”, concluiu.
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