Desde cedo, na manhã de 8 de agosto, o Parque de Exposições de Macedo de Cavaleiros transformou-se num “circo” do ciclismo embora houvesse quem não soubesse que a “Grandíssima” estava por perto.

Camiões de patrocinadores e da organização rivalizavam as atenções com os das equipas da Volta a Portugal em Bicicleta. Do lado de quem mete a caravana a andar, um dos responsáveis da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) explicou que a cada etapa “é entregue uma bicicleta de fisioterapia às misericórdias locais”, um protocolo solidário que nasceu no ano passado com o beneplácito da UMP, Santander Totta e Podium, empresa que organiza a competição velocipédica. “No final dos dois anos serão distribuídas 76”, acrescenta.

Entre os artistas das duas rodas, a Kuwait cartucho.es faz a sua estreia nas estradas portuguesas. Enrique Terres é o diretor da equipa que ao contrário que o nome do nome pressupõe não tem nenhum árabe em cima do selim, mas sim espanhóis, italianos ou australianos. Está, também ele, pela primeira vez em Portugal. “É a Grandíssima”, exclama justificando, assim, o “sim” ao convite feito pela organização. Diz ter uma “equipa competitiva” e que está em prova com o objetivo de “ganhar uma etapa”. Não mais do que isso. “As equipas portuguesas são muito fortes”, reconhece.

Entre estas pontifica o WS2-Porto e o Sporting-Tavira, claros favoritos à vitória por equipas e na luta pela Camisola Amarela. Em ambas reinava o otimismo à partida da etapa mais pequena da Volta (152 km), que ligava Macedo de Cavaleiros a Mondim de Basto e que incluía a tradicional subida à Senhora da Graça.

Na partida, Nuno Ribeiro, treinador do Porto, em declarações ao SAPO24, dentro do carro, antecipava a estratégia da equipa portista. “Defender a Amarela e esperar depois para ver os efeitos da etapa”, disse. Atrás de si eram muitas as fotos com o visado, o corredor espanhol, Raúl Alarcón, vestido de amarelo.

A confiança reinava igualmente da comitiva leonina antes do ataque à mítica subida. "Se o Porto não descolar...”, acenou com a cabeça Ernesto Pereira, responsável de ciclismo do Sporting, acalentando esperanças num desfecho vitorioso a nível individual e por equipas, em Viseu, final da 79ª edição da Volta a Portugal.

A vê-los passar há 72 anos

Às 13h10, o speaker de serviço da organização anunciava 130 corredores à partida.

Na estrada, entre a aldeia de Vidagos e Lamas de Orelhão, uma senhora de 80 anos destacava-se num grupo de mais sete elementos, com adultos e crianças à mistura.

Uma incursão neste aglomerado à beira da estrada permite descobrir que são todos da família desta antiga professora do ensino primário, durante 36 anos, e que vê o pelotão passar desde os “8 anos”, refere. “Comecei a assistir sentada ao lado do meu pai no cruzamento, na aldeia de Vidagos. Vínhamos a cavalo”, recordando ainda que o pai, adepto de desporto, tinha sido jogador de futebol no Brasil “no Recife e Pernambuco” e em “Mirandela”.

créditos: MadreMedia | Paulo Rascão

Confessa adepta do ciclismo (vê a Volta à França na televisão), informa que não se limita a estar naquela curva e seguirá, com a filha mais velha, cunhado, sobrinhas e sobrinhas-netas, até uma próxima paragem: Alto do Pópulo, Prémio de Montanha de 3ª categoria.

Pouco depois de Murça, o Rádio Volta (rádio móvel) que presta informações à caravana que acompanha os ciclistas indica o abandono do dorsal 152. De imediato tradução para língua francesa “abandonne le course le dorsal deux cent cinquante”, escuta-se entre o ruído próprio destas transmissões.

Com Vila Real para trás, a placa da localidade com o nome Campeã antecipa, no feminino, os genes necessários que os ciclistas deverão ter para andar na estrada durante 11 dias.

A população espalha-se a cada sombra à espera dos seus heróis momentâneos. A GNR guarda, com uma antecipação temporal de segurança, as entradas e saídas no traçado reservado, por instantes, à caravana da prova que completa 90 anos.

Ultrapassado o Prémio de Montanha de 2ª categoria, em Velão, na sinuosa estrada descendente, a 35 quilómetros da meta, com o Santuário à vista, cabras montanhesas pastam à solta. Depois de curvas e contracurvas pinceladas de fãs da modalidade, a partir de Mondim de Basto, o termo invasão popular ganha sentido

Nossa Senhora da Graça: a estrada que termina lá no alto

O sinal 10 km significa que a partir dali é sempre a subir. Pelas duas margens da estrada que termina a 900 metros lá no alto há inúmeras tendas e barracas, carros milimetricamente encostados entre o asfalto e o espaço que sobra de um lado e de outro da via, entre a montanha e o precipício, garrafas expostas em fila, alinhadas e seguindo o traçado que bordeja a estrada, povo deitado no chão, a dormir ou a descansar à sombra, à espera de “os ver passar”.

Faltam três quilómetros e 500 metros e à medida que se sobe em direção à meta, o movimento para cima e para baixo é uma constante. Uns aventuram-se a ir a pé, outros, não menos aventureiros, de bicicleta. Uns ficam-se pela placa que indica 1 Km, num parque alargado e reservado à caravana. Outros seguem para a estrada que tem fim no alto do Monte Farinha. O calor leva a muitos a adotarem o tronco nu. As preferências clubísticas levam outros a equiparem-se de verde ou azul, mas também de encarnado. Ou simplesmente com uma licra com cores berrantes.

A subida, que já se fez em 38 ocasiões, já se sabe: é dura. A água atirada para cima dos corredores serve de antídoto para quem procura a superação em cima da bicicleta.

Nos últimos 500 metros, Raúl Alarcón (W52-Porto), o Camisola Amarela, ataca. Na meta ouvem-se gritos de quem observa o ecrã gigante montado no alto da Senhora da Graça. O espanhol que veste de azul e branco (e de amarelo) viria a ser o primeiro a cortar a meta.

Termina exausto e mergulha nos braços de uma pequena multidão. Abraça o companheiro de equipa, Amaro Antunes. Ambos são empurrados por anónimos e organização até à zona perto do pódio. Há gestos, mais ou menos tímidos, de celebração que antecipam a vitória em Viseu, no dia 15 de agosto, dia em que terminará a 79ª edição da Volta a Portugal. Aurora Cunha, antiga atleta do Futebol Clube do Porto que está ali como “embaixadora” da seguradora Liberty não resiste a tirar uma foto com um dos “seus”.

Raúl Alarcón ganhou a etapa, ganhou segundos ao segundo classificado, Rinaldo Inocenti (Sporting-Tavira), e, por isso, reforça a liderança. Como tal teve, por isso, o direito a subir, logo aí, ao palco. Porque venceu a etapa e porque veste a camisola Amarela Santander Totta. Viria a pisar o estrado ainda na qualidade de Camisola Verde Rúbis Gás, símbolo da liderança por pontos e do Prémio Kia Kombinado que resulta da soma da pontuação nas diversas classificações - geral individual, montanha e pontos.

A subida ao palco é, em Portugal, sinónimo de beijo duplo na cara, um em cada face. Ora somado o prémio das camisolas Amarela e Verde com o de ter sido vencedor no alto do Monte Farinha, a cerca de 900 metros de altitude, o espanhol contabiliza já 9 beijos na cara, ou se quisermos ter algum preciosismo, foi por três vezes beijado em cada uma das faces.

O ciclista da W52-Porto era o rosto da satisfação na difícil, e por vezes, decisiva subida. A cara, com desenhos de batom, era o espelho do dever cumprido. “Sempre sonhei com a vitória na Senhora da Graça” sintetizou o espanhol, ladeado no pódio provisório por Amaro Antunes, companheiro de equipa, que terminou em segundo na etapa e escalou até ao terceiro lugar da classificação geral, a 29 segundos de diferença. Rinaldo Nocentini (Sporting-Tavira), é vice-líder, a 25 segundos.

Quem estava visivelmente contente era Adriano Quintanilha, “dono” da WR52. “Ainda é cedo, mas...”, deixa escapar enquanto entre no jeep que o tem levado pelas estradas portuguesas e que espera que o leve triunfante até Viseu. Ernesto Pereira, Sporting, não larga o objetivo traçado. “Estamos a 25 segundos...”, finalizou.

À margem desta luta Porto-Sporting, o Louletano - Hospital de Loulé continua a ter no chefe de fila da equipa algarvia, Vicente Garcia de Mateos, um forte candidato aos melhores lugares da classificação, ocupando a quinta posição da classificação geral, a 43 segundos da Camisola Amarela.

*Os jornalistas viajaram a convite da Rúbis Gás