O tweet, em estilo de adágio, pertence a Tom Brady, quarterback dos Tampa Bay Buccaneers, telegrafado pelos dedos horas antes da 55.ª edição do Super Bowl diante os campeões em título, Kansas City Chiefs. Traduzindo para português, algo como "mais uma vez na briga, na última luta boa que conhecerei. Viver ou morrer neste dia, viver ou morrer neste dia".
Quatro períodos de quinze minutos e três horas de tempo corrido de jogo depois do pontapé de saída, Brady, sobreviveu ao dia-noite mais longa dos Estados Unidos da América e celebrou a vitória na final da NFL (National Football League), Liga Profissional de Futebol Americano.
Não foi, no entanto, uma vitória qualquer. Esta, em particular, fez com que a personagem principal entrasse para a história da competição, ultrapassando-a. Nesta madrugada conquistou o seu sétimo anel, em 10 finais de Super Bowl e soma mais títulos do que qualquer equipa. Tem mais um troféu Vicente Lombardi que os New England Patriots, equipa que representou durante duas décadas e na qual ganhou os seis títulos, e os Pittsburgh Steelers.
Aos 43 anos, acumula uma longevidade rara de títulos, espalhados pela longa e recheada carreira, somando três, entre os 24 e os 27 anos e quatro, dos 37 aos atuais 43 anos. Tom Brady, que mudou de ares na temporada 2020, viajando de Massachusetts para a Florida, entra para a eternidade do Futebol Americano como o primeiro lançador de jogo a selar o título mais aguardado numa segunda equipa na primeira temporada.
Na noite em que 100 milhões de americanos não largaram os ecrãs, Braby inscreve o nome como o único quarterback na história da NFL a sagrar-se seis vezes campeão do Super Bowl, para além de ter sido considerado o MVP (Melhor Jogador) no jogo mais esperado do ano na América, algo que sucedeu pela quinta vez.
Tudo isto serve para reforçar o estatuto de GOAT, o melhor de todos os tempos. Uma galeria na qual estão pendurados imortais como Michael Jordan ou Cristiano Ronaldo. O descanso, a disciplina, as muitas horas de sono, a ausência de bebidas alcoólicas e a ingestão exclusivamente de refeições saudáveis, servem de inspiração traduzida num método (TB12 Method) e num livro, servindo, igualmente, de resumo da história deste desportista ímpar.
Uma NFL escutada às terças em Portugal
O sorriso final e abraços de veneração de todos no final do encontro, em pleno relvado, deram um toque de normalidade num ano atípico.
A capicua 2020 virou o mundo do avesso, só mesmo a presença de Tom Brady no Super Bowl LV fez-nos sentir uma certa normalidade coexistente com o novo normal. Uma realidade na qual, o presidente norte-americano Joe Biden, acompanhado pela mulher Jill, fez, através do ecrã do palco da final, um discurso na abertura do evento.
Raymond James Stadium, na Florida, casa dos Buccaneers, recebeu a final que opôs os vencedores das duas conferências do Futebol Americano: Kansas City Chiefs (AFC), campeão em título da NFL e o Tampa Bay Buccaneers (NFC).
Foi a primeira vez na história da competição que uma das equipas (franchise) disputou o encontro decisivo no seu próprio estádio. No caso concreto, os Bucs. Com capacidade para 65.890 pessoas, registou, fruto da situação pandémica, a pior assistência de sempre de um Super Bowl. Somente 22 mil adeptos, 7.500 dos quais, profissionais de saúde, verdadeiros heróis da linha da frente a quem foram oferecidos os ingressos.
Depois de uma temporada marcada pela ausência e redução de público nos diversos estádios, há muito que se sabia que nada seria normal durante a noite. Nos EUA, nem em Portugal.
dEm território lusitano, o jogo das jardas, jogado por homens de capacete, ombreiras, leggins e luvas, tem os seus fiéis seguidores. Com bares fechados e proibição de ajuntamentos, as redes sociais deram voz aos fãs portugueses durante a temporada, no geral, e o jogo mais esperado, em particular.
Rui Luz, 33 anos, assumiu-se, perante o SAPO 24, como um seguidor do Futebol Americano desde "o início da década 2000", embora a fidelização fosse criada "mais a sério a partir de 2010". Desde então, não perdeu um Super Bowl. No entanto, a escolha da equipa do outro lado do Atlântico nasce a partir de "uma espécie de associação". O culpado foi Michael Jordan, jogador de basquetebol.
"Em 1998 vi um draft da NHL [a liga norte-americana de hóquei no gelo] em que a primeira escolha foi o Vincent Lecavalier para os TB Lightning. Ora, salvo o erro, o presidente da organização de Tampa na altura apelidou o jogador de Michael Jordan do hóquei no gelo, e a partir daí comecei a seguir essa equipa", explica. "Depois os videojogos fizeram o resto. Tinha um colega que me emprestou o NFL 2k, vi que estava uma equipa de Tampa Bay (os Bucs), gostei das cores do logo e foi assim que fiquei 'agarrado'", acrescenta.
Gonçalo Marta, 25 anos, segue os touchdowns desde 2014. Uma vitória (41-14) dos Chiefs frente aos Patriots, nesse ano, fez com que inclinasse a escolha para a equipa de Kansas. "Torço pelos Chiefs por ter sido a primeira equipa que vi ganhar e por querer ser do contra com o meu pai que é fã dos Patriots e de Tom Brady", sublinha o adepto que ainda não tem o equipamento do seu clube.
"Este é o meu sétimo Super Bowl. Vi os dois últimos com amigos num bar, e todos os outros em casa. Mas durante a época regular sou cliente regular do bar The Couch com mais dois amigos", frisou o criador do podcast "NFL às Terças".
Suzie, a enfermeira escolhida para lançar a moeda ao ar
Numa emissão especial levada a cabo pela Elevens Sports, antes do início da partida, as imagens recordaram duas histórias que caem que nem uma luva nos dias de hoje.
A primeira, de Alex Smith, vencedor do troféu "Comeback Player of the year", prémio para o regressado do ano, anunciado na noite de sábado durante a noite de Honra da NFL. O quarterback de Washington regressou aos relvados depois de dois anos, 17 cirurgias e uma quase amputação da perna. A história poderá ser conhecida aqui.
Ora, depois de uma história de superação, foi tempo de uma de altruísmo. Laurent Duvernay-Tardif, formado em medicina, vencedor da edição 2019 do Super Bowl ao serviço dos Chiefs, suspendeu a carreira para se dedicar a outra. Médico de formação, juntou-se à linha da frente, no Canadá, no combate ao novo coronavírus.
Imagens de Vince Lombardi, treinador que deu nome ao troféu e a frase "It takes us of all", aceleravam o ponteiro do relógio para um dos momentos mais aguardados de domingo. A cantora H.E.R., a solo, acompanhada de uma guitarra, cantou "America the Beautiful", e Jazmine Sullivan, artista de R&B, entoou, em dueto, ao lado de Eric Church, cantor de música country, o The Star-Spangled Banner, Hino Nacional dos Estados Unidos da América, finalizado ao som de fogo artificio e do barulho de três caças que sobrevoaram o estádio.
Depois dos primeiros grandes momentos da noite, a jovem poetisa Amanda Gorman, de 22 anos, recitou um poema, em honra dos três capitães honorários do jogo: Trimaine Davis, educador, Suzie Dorner, a enfermeira de Tampa e o veterano da Marinha, James Martin.
Gronkowski, o melhor amigo de Brady
Coube a Suzie a honra da moeda ao ar. Na escolha do "cara ou coroa", a primeira vitória da noite caiu para o lado de Kansas, de Tom Brady, o eterno n.º 12 e do veterano treinador Bruce Arians, 68 anos, que se tornou, ao início da madrugada nos EUA, no treinador mais velho a levar com o famoso balde de líquido (cor azul). Conquistou o segundo Super Bowl, tantos quantos a equipa em que é treinador principal (head coach).
Liderados em campo pelo n.º 15, o quarterback Patrick Mahomes, os Chiefs chegaram, aos 10 minutos da primeira paragem, à vantagem através do kicker Harrison Butker, num pontapé a 49 jardas. E, assim, estavam feitos os três primeiros pontos do Super Bowl LV.
Os Buccaneers responderam com passes, ora curtos para corridas tendo em vista o confronto físico, ora mais longos, quase todos certeiros a saírem das mãos mágicas de Tom Brady.
Num passe rasgado encontrou na endzone Gronkowski, o seu melhor amigo, também ele vindo dos Patriots. A boa receção deu o primeiro touchdown da edição 55 do Super Bowl. Somado igualmente o primeiro ponto extra (Ryan Succop), quando faltavam pouco mais de 30 segundos para o fim do primeiro período (cada um dos quatro tem 15 minutos), a formação de Tampa passava para a frente do marcador, por 3-7. Um estatuto que manteria ao longo da noite.
Com o adiantar do jogo, era percetível que as constantes faltas penalizavam os campeões em título. Mas como os tempos são de pandemia os árbitros, munidos de máscara, com recurso à ajuda de outros árbitros ou do VAR, só destapavam a face para explicar a razão da bandeira amarela.
Sara Thomas, a primeira mulher juíza num Super Bowl deu o primeiro down à equipa de Tampa — e os laços de amizade entre Brady e Gronkowski saíram certamente reforçados após o segundo touchdown, acrescido de mais um ponto extra (3-14).
O jovem de 25 anos, Mahomes, número 15 nas costas, falhava mais do que o habitual nos passes, contrabalançando com jardas ganhas a correr, apesar da lesão no dedo grande do pé detetada na semana anterior a final.
Nesta fase, os field goals (três pontos) eram a única forma da formação treinada pelo veterano Andy Reid (62 anos) entrar na discussão do jogo. Reduziram para 6-14.
Enquanto houver segundos para jogar, Tom Brady obriga-nos a estar atentos ao que poderá fazer. Faltavam 13 segundos para o intervalo, os Chiefs fazem a sétima penalização e o suspeito do costume lança a bola para o touchdown de Antonio Brown (6-21, após ponto extra).
Mas, a três segundos do final da 1.ª metade, Brady coloca o joelho no chão. Estavam cumpridos 95 minutos, tempo corrido de jogo.
Intervalo de 30 minutos trouxe novos artistas, na segunda parte, brilhou o mesmo da primeira
Às 1h26 da última madrugada em Portugal, o cantor canadiano, The Weeknd entra em cena no Raymond James Stadium. De luzes apagadas, entre danças e o som de violinos, discorre ao longo de 13 minutos um reportório musical que termina com o celebrizado hit "Blinding Lights". No relvado, uma coreografia cintilante de dezenas de figurantes vestidos de preto, casaco vermelho e rosto tapado colocam um final num dos momentos aguardados da noite.
Depois de 30 minutos, a história da hora e meia anterior repetiu-se. Os Chiefs só somavam pontos (mais três) através de Butker e a resposta da formação de Tampa vinha em forma de um touchdown de Leonard Fournette (9-27). Através de um novo field goal, Succop colocaria o resultado em 9-31, uma vantagem de 22 pontos que encerrou o terceiro período.
Mahomes, o menino 500 milhões, mostrou um pouco da sua graça com dois lançamentos impossíveis para a endzone na primeira metade da última parte, mas ficariam por aqui os seus intentos.
O ritmo foi quebrado com uma invasão de campo, uma entrada circense sem direito a filmagem oficial, focada no Rei de todos os tempos do Futebol Americano, Tom Brady.
"Sabíamos que isto ia acontecer"
A 20 segundos do tempo regulamentar (1 hora divididos em quatro períodos de 15 minutos), Brady ajoelha-se no relvado e coloca um ponto final no Super Bowl 2021.
O jogador nascido em San Mateo, Califórnia, a 3 de agosto de 1977, conquistava o sétimo anel numa carreira de mais de duas décadas.
Entre dúvidas se se reforma no topo da montanha, ou se, ainda não será 2021 o ano para pendurar as botas, uma certeza saiu da noite passada, às 3h12 de Portugal Continental e Madeira: é o maior jogador de todos os tempos. E maior do que a própria Liga onde brilha.
Confettis de cor vermelha e branca espalham-se pelo relvado, Brady é cumprimentado por todos, alguns jogadores dos Chiefs mostram veneração e Gisele Bundchen e filhos abraçam o pai que não sabe falar português.
"Estou tão orgulhoso de todos estes homens. A equipa teve muita confiança, juntamo-nos no momento certo. Acho que todos sabíamos que isto ia acontecer, certo?", sublinhou Tom Brady, rodeado da família.
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