Tudo começa com o pousar de um rádio no chão. Carrega-se no play e a música atrai os curiosos, que observam os movimentos dos Momentum Crew e de outros quatro grupos, ou crews, que se juntaram à iniciativa "Desporto no Bairro", lançada a 9 de setembro deste ano, depois de ser adiada devido à pandemia de Covid-19.
A Câmara do Porto quer levar o Breaking —um estilo de dança nascido nas ruas de Nova Iorque e praticado em jeito de batalha ou à vez — a oito bairros da cidade (Aldoar, Fonte da Moura, Viso, Ramalde, Pasteleira, Pinheiro Torres, Lagarteiro e Cerco) e atrair os jovens para este desporto urbano.
A iniciativa representa um investimento de cerca de 66 mil euros e está a ser coordenada no terreno pelo Max Oliveira, diretor do MXM ArtCenter, B-boy (nome dado aos homens que praticam a modalidade, B-girl, no caso das mulheres) e fundador dos Momentum Crew.
“O projeto avança numa altura em que sinto que é mais necessário do que nunca porque estar tudo parado afeta os jovens também”, conta Max ao SAPO24. “Os jovens não tinham opções nos bairros para poderem se divertir, aprender e descobrir novos amores”.
É disso que se trata o “Desporto no Bairro”: descobrir novas paixões. “Estamos com escassez de amor neste momento e é tudo muito negativo". Max vai tentar inverter a tendência.
Max Oliveira é um dos membros fundadores da Momentum Crew. Pode lembrar-se deste grupo se puxar pelas memórias de 2011. Nesse ano, o grupo esteve na final do programa de televisão “Portugal Tem Talento”. Não ganhou essa competição, mas o trabalho trouxe ao grupo de Breaking do Porto o título de campeões mundiais na modalidade.
A Momentum Crew já soma 17 anos e este é o primeiro projeto com caráter desportivo que abrange tantos bairros, apesar de a crew já se ter envolvido noutros projetos de menor dimensão.
Do grupo fazem parte 13 homens e uma mulher, que se foram juntando ao longo dos anos, “mas do projeto ‘Desporto no Bairro’ não faz apenas parte a Momentum Crew”, salienta Max: “Fiz questão de envolver outras quatro crews: a Gaiolin Roots, a Zoo Gang, a Excelence Crew e a FlyBboys”, todas da zona do Porto.
A dança urbana como um reinício
O território do projeto está dividido em quatro polos, em que cada polo representa dois bairros. “Em cada equipa que vai aos bairros estão pessoas escolhidas a dedo pelo passado que tiveram – algumas delas cresceram nesses bairros”, descreve Max. Entre as equipas há, inclusive, ex-reclusos que “se salvaram graças ao Breaking”. É uma “equipa de gente madura, experiente – e de várias crews”, algo muito importante para Max já que o seu objetivo, conta ao SAPO24, não é a autopromoção da Momentum Crew, mas sim da modalidade perante a sociedade.
O desporto já se foi apresentar aos jovens. “Já fomos a todos os polos. Sentimos muito interesse e entrega, mas também surpresa.” Os jovens não estavam à espera de que música irrompesse pelas ruas, mas não a conseguiram combater.
“Causamos um impacto que surpreende pela positiva. E depois é a magia deste projeto: não entramos ali como professores ou monitores. Entramos ali como quem quer curtir com eles. Pousamos o rádio no chão e a nossa estratégia é uma jam session de curtição, onde há música e uma pista de dança, onde eles podem ir um a um dançar e praticar uma modalidade nova”, explica Max, salientando que as normas de segurança estão a ser respeitadas, porque o Breaking é uma dança individual.
À vez, os jovens mostram que passos têm na manga ou imitam o formador. Mas o Breaking não se resume a isso. “A parte competitiva”, explica Max Oliveira, “assenta em batalhas porque é assim que nasce a modalidade nas ruas. Quer-se ver quem tem melhor jogo, mas há uma vertente cultural. O Breaking pertence à subcultura do Hip Hop e os elementos culturais que se transmitem através desta dança são de muito valor: o respeito, a união, a paz.”
Assim, há muito a aprender e a absorver para além da vertente da batalha. “Todo o processo de treino e aprendizagem passa por um domínio físico, que traz aos praticantes vantagens motoras muito grandes, como flexibilidade, força, e o controlo do corpo e mente.”
“Os jovens podem apaixonar-se por uma cultura nova, um desporto olímpico, que tem bases que não existiam quando começámos. Fico muito feliz que finalmente haja algum respeito e reconhecimento pela modalidade — e os jovens são os grandes responsáveis por isso.” Max explica que a atenção da comunicação social, dos governos e dos próprios Jogos Olímpicos se devem ao gosto que os jovens têm pelo Breaking e pelo Hip Hop.
Mas esta dança é um desporto olímpico?
A resposta é sim e não. O Breaking já é um desporto olímpico desde os Youth Olympic Games de 2018, em Buenos Aires, mas falta estrear-se nos Jogos Olímpicos de Verão.
A mira é Paris2024, que é a ocasião perfeita para o Breaking se apresentar: “França é uma Meca do Breaking mundial e a Meca do Breaking europeu. Pela ligação histórica à cultura e desporto urbano que o país tem à modalidade faz todo o sentido estrear-se em Jogos Olímpicos de adultos em Paris”.
Agora que haverá medalhas para o Breaking, Max Oliveira recorda a história que tem com esta dança. Em pequeno, algumas imagens de dança ficaram-lhe na memória, “mas não especificamente de Breaking”, salienta. Essa modalidade só se ia cruzar com ele aos 18 anos, quando conhece alguns B-Boys, em Madrid. Começou a treinar com eles numa das principais artérias dessa capital, a Gran Vía e saltitavam pela capital espanhola, levando com eles o ritmo. “Apaixonei-me por aquilo para a vida. Mas achei que nunca seria profissional porque nunca seria visível nem respeitado”, conta.
Apesar de achar que a dança não lhe daria de comer, quando volta a Portugal, com 20 anos, conhece ‘Mix’ Ivanou. Ouviram a famosa frase “It only takes two to start a crew” (Só é preciso dois para começar um grupo) e, com o impulso do mentor norte-americano ‘Kujo’, começam a Momentum Crew.
Uma jam session para aquecer o projeto
Max Oliveira dá agora aulas no Balleteatro, uma escola profissional de dança, e já deu aulas na Escola Superior de Dança de Lisboa, do IPL, mas dia 25 de outubro, não estará num estúdio de dança, mas sim no arranque da iniciativa.
Nesse dia, os jovens do Porto estão convidados a assistir a uma jam session em formato de competição, ao ar livre. “Isto porque é muito engraçado ir aos bairros e estimular os jovens, mas há que os levar a um evento, onde vêm os melhores a batalhar. Não há nada melhor que ver para ganhar o bichinho, a paixão, pela modalidade, e perceber até que nível podem chegar”, diz.
A última vitória mundial que a Momentum Crew teve foi no Warsaw Challenge, em 2018, numa competição de 5 elementos contra 5. Mas mais importante para Max foi a vitória contra a França, em Marselha, em que se sagraram campeões mundiais de grupo em formato de batalha 8x8, “curiosamente no mesmo ano em que a seleção nacional de futebol vence a França, em casa”, ri Max.
Depois de treinos duas vezes por semana com os jovens, nos próprios bairros, de vários workshops e pequenas exibições na cidade chega o evento final do “Desporto no Bairro”. E quem se junta aos campeões para fechar com chave de ouro? A crew de Jacob 'Kujo' Lyons, o grupo ILL Abilities - de que fazem parte artistas de todo o mundo com incapacidades físicas - vai voar até ao Porto.
“As pessoas não sabem, mas o Kujo é surdo e dança através das vibrações da música”, explica Max. Uma tradução possível do nome do grupo é “habilidades doentes”. Foram-se juntando atletas de várias partes do mundo – do Japão ao Canadá, passando pelos Países Baixos – e nenhuma deficiência lhes tira a vontade de mostrar os seus ‘moves’ (termo técnico, assegura Max).
O fundador da Momentum Crew tem muitas razões para admirar os ILL Abilities, e uma delas parte de algo que Kujo lhe ensinou: o significado de “momentum”. A palavra em latim transmite um movimento contínuo, sem atrito, e foi essa sensação que transportaram para o grupo Momentum Crew, que já leva um caminho de quase duas décadas.
Max Oliveira exprime a admiração que tem pelo grupo do americano: “Todos, exceto um membro, têm deficiências sérias, mas nada os impede de competir contra B-Boys sem deficiências. São brutais. O líder da crew não mexe as duas pernas e dança de muletas, alguns deles têm membros amputados, por exemplo”. O líder é o canadiano Luca “Lazylegz” Patuelli e em 2010 fez parte da abertura dos Jogos Paralímpicos de Inverno de 2010, em Vancouver.
A alegria e capacidades que este atleta vê nos ILL Abilities fez com que os convidasse para este projeto da Câmara municipal do Porto. Será a primeira vez desta crew em Portugal e vêm dançar com os jovens e os formadores da iniciativa, no dia 7 de dezembro. O local ainda vai ser definido.
"A questão não é a quantos jovens o programa vai chegar. É quantos vão ficar"
Hoje com 41 anos, Max é feliz a dançar e é com este tipo projetos que tenta passar “valores e ferramentas aos jovens, que permitem viver esta vida de sonho”, uma vida que Max não imaginava, mas que é possível graças à visibilidade da modalidade como uma peça de cultura.
A autarquia portuense salienta que o "Desporto no Bairro" tem como objetivo envolver até cerca de centena e meia de jovens nesta primeira fase. Max vê esse número com otismo: “Nós vamos ultrapassar os 150 jovens, de certeza. Aliás, só numa primeira ida até aos bairros já contactámos com 30 ou 40. Mas a questão não é a quantos jovens o programa vai chegar. Vamos chegar a centenas, se não milhares de jovens. A questão é quantos vão ficar”, clarifica Max ao SAPO24.
A medida de êxito pela qual Max se quer guiar é o número de jovens que prosseguem na aprendizagem deste desporto. “Se a cada centena de jovens com que contactamos ficarmos com um ou dois que seguem um rumo de vida positivo devido a este projeto, triunfamos”, explica Max, destacando o potencial do projeto para melhorar a vida dos jovens e criar mais valor desportivo e artístico no país.
Para conhecer mais sobre o Breaking, Max diz que, nas jam sessions, “basta que os jovens se aproximem e perguntem quem somos e como podem aprender”.
Do Douro para o mundo
Ao SAPO24 conta que já fizeram projetos deste género em diversos países - no ano passado no Cazaquistão e em fevereiro deste ano na Sibéria. E “esquecendo a Covid”, conta, “já é regular fazermos isto em bairros de Nova Iorque, com a crew Dynamic Rockers, que têm o projeto KBL (Kids Breaking League)”.
Max explica que “o estranho era que Portugal nunca avançava com estes projetos”, até que a Câmara Municipal do Porto mostrou abertura em o fazer.
Sobre o possível alargamento da iniciativa por parte da crew a Lisboa, Max Oliveira, diz: “É a capital do meu país, adorava. Se fazemos pelo mundo, por que não havemos de fazer por Lisboa, pelo Algarve ou pelas ilhas? Para mim, o Breaking e o Hip Hop demostram isso mesmo: não há fronteiras, mas sim pessoas com vontade de partilhar e praticar”.
Pesquisa e testemunhos por Magda Cruz
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