Decorrem por estes dias conversações para o prolongamento do contrato de Victor Moses com o Chelsea. O clube londrino vê-se forçado a agir, oferecendo melhores condições salariais ao versátil extremo nigeriano, uma vez que são já muitos os rumores que ligam o Barcelona ao jogador. É pública a vontade do clube blaugrana em reforçar a sua ala direita e o jogador sensação dos blues é um dos principais nomes a vir à tona, devido à sua disponibilidade para defender e atacar. Moses, que completa 26 anos de idade dentro de dias, está não só na melhor forma da sua carreira como também é uma das peças mais importantes no sucesso da sua equipa, como veio a provar o golo no passado fim de semana contra o Tottenham que não só deu a vitória ao Chelsea como segurou os Blues no topo da tabela.
Mas nem sempre a vida de Victor Moses foi tão auspiciosa. Novembro de 2002, Kaduna, Nigéria. Após vários dias de protestos pacíficos, a violência irrompe. O que para muitos não passava de um concurso de beleza, para outros era um atentado à moral e aos bons costumes. Mas situemo-nos: um ano antes, em 2001, o concurso Miss Mundo tinha sido ganho por uma concorrente nigeriana e como tal em 2002 seria a vez da Nigéria ser anfitriã do evento. Num país onde a religião e o fanatismo estão, algumas vezes, associados, não se esperava outra coisa que não polémica nos meses que antecipavam o evento.
E assim foi: após aquilo que alguns elementos da comunidade muçulmana na Nigéria consideraram ser um artigo blasfémico num jornal católico local, a violência irrompe e o extremismo apodera-se dos protestantes. E as diferenças entre católicos e muçulmanos vêm, mais uma vez, ao de cima. Em pouco tempo, os protestos passaram de pacíficos a violentos e os confrontos entre radicais católicos e muçulmanos, que duraram três dias, acabam num banho de sangue com mais de duzentas vítimas mortais.
Entre elas, encontravam-se Austin, um pastor católico e Josephine, os pais de Victor Moses. Estavam ambos em casa quando sofreram o ataque que lhes colocaria termo à vida. A jogar à bola na rua quando recebeu a notícia, resta-nos a imaginação para tentar perceber a dor de Moses que, aos 11 anos de idade, se via agora órfão. Infelizmente os ataques tinham mais do que o concurso Miss Mundo como razão e, sendo ele filho de ativos católicos na comunidade, Victor Moses tornou-se também ele alvo dos radicais. Vivendo escondido durante uma semana, ajudado por amigos e familiares, Moses é então enviado para Inglaterra onde é acolhido por uma família no sul de Londres. Tragicamente curioso é o facto de o concurso Miss Mundo 2012 ter sido também transferido para Londres...
"Onde quer que eles estejam, tenho a certeza que estão a olhar para mim e se sentem orgulhosos” - Victor Moses sobre os seus pais
Prestes a completar doze anos de idade, Moses recomeça então a sua vida. Em Londres agarra-se com unhas e dentes ao futebol, que se torna a sua única razão de viver. Começa a jogar pela escola e por um clube local, até que um dia é identificado pelo Crystal Palace e aos 14 anos Moses vê-se a jogar por uma academia num clube profissional. A sua capacidade física e técnica impressiona e, depois de vários anos no clube de Londres, Moses chama a atenção do Wigan. Então a militar na Premier League o clube no norte de Inglaterra aposta no jovem talento e dá-lhe mesmo a oportunidade de se estrear na primeira equipa aos dezasseis anos de idade. Moses não desilude e a sua carreira está, em definitivo, lançada.
Inglaterra vs. Nigéria
Nos tempos do Crystal Palace Victor Moses começa a representar as seleções jovens inglesas. Com internacionalizações pelos escalões de sub-16, sub-17, sub-19 e sub-21, o jogador teve, chegando a sénior, uma decisão muito importante a tomar. Representar, ou não, a seleção inglesa ao mais alto nível, em detrimento, claro está, do seu país natal, a Nigéria. Em 2011 Moses recebe a chamada à seleção principal do seu país de origem e resolve aceitar. Mesmo depois do que passou no país que o viu nascer, Victor resolve representar orgulhosamente as cores da Nigéria.
As boas exibições no Wigan entre 2010 e 2012 e a convocatória à seleção chamam mais uma vez a atenção, mas desta feita é o tubarão Chelsea que está de olho no nigeriano. Nesta altura com Roberto Di Matteo ao comando dos Blues, o sonho do menino que há bem pouco tempo jogava de pé descalço nas ruas de Kaduna é agora maior e mais real que nunca. E em 2012 Victor Moses torna-se, oficialmente, jogador do Chelsea.
Depois de uma primeira época ao serviço do Chelsea, com quatro golos em trinta e cinco participações, Moses passa as próximas três épocas em empréstimos pelo país fora: Liverpool, Stoke City e, na época passada, West Ham. Nestes três anos, mais do que os seus feitos a nível de clubes, é a sua carreira internacional que o leva à sua primeira grande conquista. Em 2013 ajuda o seu país a ganhar a Taça da Nações Africanas - nós, portugueses, que tivemos há bem pouco tempo a sensação de ganhar o troféu equivalente na Europa, podemos apenas tentar imaginar o turbilhão de emoções que o jogador nigeriano terá sentido naquele momento.
“Sem botas, de pé descalço, uma bola era atirada para o meio e começávamos a jogar” - Victor Moses sobre os tempos em que jogava na rua
No verão passado, decidido mais uma vez a pedir para que fosse emprestado, é o seu compatriota John Obi Mikel que o convence a tentar ficar no Chelsea e lutar pelo seu espaço. É então em estágio nos Estados Unidos que Moses capta a atenção de Conte e ganha um lugar no plantel. Depois de um começo de campeonato com muita instabilidade defensiva por parte do clube londrino, é em Moses que Conte confia para a revolução táctica dos Blues. Com um papel importantíssimo no sistema de 3-4-3 do italiano, já lá vão sete vitórias em sete jogos jogados, dezanove golos marcados e apenas um sofrido.
Em 14 anos Victor Moses foi de jogar descalço nas ruas da sua cidade aos maiores palcos europeus e vê-se agora assediado por um dos melhores clubes da história do futebol. As ideias de um treinador e a adaptação de jogadores à equipa – ou da sua estratégia aos jogadores que tem disponíveis – pode ser fulcral para o clube, mas pode também mudar a vida e a carreira daqueles que lutam dentro do campo.
“Tenho que agradecer a Deus por estar onde estou. Se continuar a trabalhar, quem sabe, um dia até poderei jogar no Barcelona” - Victor Moses em 2012
Todos os jogadores e desportistas têm a sua história, têm o seu caminho. E entre muitos que poderão ter tido um caminho mais folgado, temos casos como o de Moses que, como todos, lutou e suou por tudo o que tem hoje, mas sempre com a dificuldade acrescida de não ter a companhia e o apoio daqueles que mais queria. Da próxima vez que olharmos para o Chelsea e para Victor Moses podemos ver mais que o equipamento azul e os lances fantásticos ou os erros que este poderá cometer. Podemos ver o seu caminho, a sua força de vontade, e a sua vida, sabendo que ninguém lutará mais dentro de campo por si e pela sua equipa do que o nigeriano.
A abrir a jornada este fim de semana temos então o segundo grande teste de Antonio Conte, Victor Moses e companhia: sábado (3 Dezembro), pelas 12:30, Manchester City - Chelsea FC.
Pedro Carreira é um jovem treinador de futebol que escolheu a terra de sua majestade, Sir. Bobby Robson, para desenvolver as suas qualidades como treinador. Tendo feito toda a sua formação em Inglaterra e tendo passado por clubes como o MK Dons e o Luton Town, o seu sonho é um dia poder vir a treinar na melhor liga do mundo, a Premier League. Até lá, pode sempre acompanhar as suas crónicas, todas as sextas, aqui, no SAPO24.
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