Ao longo do ano de 2013 sinais de problemas no Banco Espírito Santo (BES) e no Grupo Espírito Santo (GES) vão-se evidenciando, já criando instabilidade e danos reputacionais.
O apertar do cerco do Banco de Portugal (BdP) revela buracos financeiros em empresas do grupo (desde logo na ESI - Espírito Santo International) e a promiscuidade entre áreas financeira e não financeira. Ao mesmo tempo, vem a público que o presidente do BES, Ricardo Salgado, recebeu milhões de euros do construtor civil José Guilherme e que não os declarou ao fisco, Salgado e Álvaro Sobrinho (ex-presidente do BES Angola) entram em rota de colisão e a luta de poder entre Salgado e o primo José Maria Ricciardi acentua-se.
O ano de 2014 é de adensar dos problemas do GES (empresas com dívidas ocultas e ativos sobreavaliados) e do BES (o banco usava os clientes para financiar empresas do grupo através da colocação de dívida, como papel comercial), mas nos primeiros meses a perspetiva é de que o banco se conseguirá estabilizar.
O BdP recomenda um aumento de capital e mais de 1.000 milhões de euros são subscritos em junho, apesar de o prospeto indicar já irregularidades financeiras e legais. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários diria depois que foi graças a si que o prospeto alertava para riscos e que houve 30 versões até ao documento final (posteriormente percebeu-se que a realidade era bem pior do que aí constava).
Ainda durante o processo do aumento de capital, Salgado contacta o primeiro-ministro, Passos Coelho (Governo PDS/CDS-PP), a quem pede que interceda por um empréstimo de 2.000 milhões de euros da Caixa Geral de Depósitos ao GES. Este recusa.
Salgado tenta publicamente dar uma imagem de confiança - considera que o aumento de capital foi o de maior sucesso desde a privatização do banco, em 1992 - mas ainda em junho é forçado pelo BdP a sair do cargo que ocupava há mais de 20 anos.
A instabilidade e os rumores não abrandam e, no início de julho, o BdP diz que "a situação de solvabilidade do BES é sólida", que foram tomadas medidas "para evitar riscos de contágio ao banco resultantes do ramo não financeiro do GES" e que se for preciso haverá um novo aumento de capital.
Mas a derrocada prossegue: as ações do BES e da Espírito Santo Financial Group (a ‘holding’ familiar que detinha 25% do BES) tombam em bolsa, empresas do grupo entram em reestruturação, o suíço Banque Privée Espírito Santo atrasa o reembolso a clientes que investiram em dívida da ESI e começa a fuga de depósitos no BES. O escândalo vira internacional, com o Financial Times (FT) e o Wall Street Journal a noticiarem que os mercados internacionais "caem com receios sobre banco português”.
É antecipada a entrada da nova gestão, sendo presidente Vítor Bento (atual presidente da Associação Portuguesa de Bancos).
As garantias do supervisor são recordadas em 21 de julho pelo Presidente da República, Cavaco Silva. “O BdP tem sido perentório, categórico, a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo”, disse aos jornalistas, declarações recorrentemente recordadas por quem perderia dinheiro na resolução passados 15 dias.
A nova gestão do BES vai descobrir que a situação é ainda mais grave. O banco tinha continuado a usar os seus clientes para financiar empresas do grupo, a exposição ao BES Angola de 3,0 mil milhões de euros está em risco de ser perdida (a garantia soberana angolana acabaria revogada) e há as cartas de conforto passadas por Salgado a duas empresas da Venezuela (que passam para o BES responsabilidades por dívida do GES). Com as notícias sobre incumprimentos, muitos clientes de retalho exigem o reembolso do investimento o que BES faz por questão reputacional e agrava a sua situação.
Vítor Bento dirá em maio de 2015 ao Expresso que "o BES era como um campo de minas, rebentavam por todo o lado".
Na noite de 30 de julho de 2014, as contas do primeiro semestre revelam prejuízos de 3,6 mil milhões de euros e desnudam irregularidades financeiras e legais. Mais, o banco tinha rácios de solvabilidade abaixo do exigido para funcionar.
Ainda assim, nessa noite, tanto Vítor Bento como o governador do BdP, Carlos Costa, garantem por escrito que o banco vai continuar. Em cinco dias tudo mudaria.
O livro 'O Governador' (de Luís Rosa) conta que a situação tornava obrigatório um novo aumento de capital e que - perante o desaparecimento imediato dos investidores privados anteriormente disponíveis - a solução era a resolução ou a capitalização estatal (uma nacionalização, ainda que parcial).
Contudo, por um lado, a equipa de gestão do BES nunca pediu formalmente a capitalização pública e, por outro lado, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, disse que tal não era opção.
Em 31 de julho, é relatado no mesmo livro, o vice-governador do Banco Central Europeu (BCE), Vítor Constâncio, liga ao governador do BdP a informar que o BES será suspenso das operações de política monetária. Perante isso, Carlos Costa informa então o presidente do BCE, Mario Draghi, de que será aplicada uma medida de resolução e articula com o Governo esse processo.
Perto das 23:00 de domingo 03 de agosto de 2014, o governador anuncia ao país, numa declaração transmitida por televisões, uma solução "urgente" para o BES.
O BES torna-se o 'banco mau', em que ficam os ativos considerados 'tóxicos' e depósitos de administradores e membros da família. É criado o banco de transição Novo Banco para onde passam os ativos 'bons' (muitos revelar-se-iam problemáticos) e os depósitos dos clientes.
A rápida e estrondosa queda deixa na mira auditores, poder político, mas sobretudo reguladores, em especial o Banco de Portugal e o seu governador.
Nos meses seguintes, será acusado de supervisão ineficaz, de não ter afastado Ricardo Salgado atempadamente, de ter feito pequenos acionistas e clientes do retalho acreditar no banco apesar de já saber dos problemas. Surgem então muitas críticas de diversos quadrantes parlamentares, manifestações de lesados do BES/GES (frente ao Banco de Portugal mas também frente à casa de Carlos Costa) e centenas de processos em tribunal (contra o Banco de Portugal, mas também contra Carlos Costa, pessoalmente).
"No fim de semana fui chamado de gatuno. Não roubei nada a ninguém. O Banco de Portugal não roubou nada a ninguém", disse Carlos Costa na comissão parlamentar de inquérito, em março de 2015.
Irina Melo, da agência Lusa
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