No recurso para a Relação de Lisboa da sentença proferida no passado dia 15 de dezembro pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, o BdP afirma que, se não for revertida a decisão que absolveu a auditora e cinco dos seus associados, num processo contraordenacional relacionado com a informação prestada no âmbito das contas consolidadas do BES entre 2011 e 2013, pode abrir caminho a jurisprudência que “representa um grave retrocesso no caminho que vem sendo aprofundado na sequência das mais recentes crises bancárias”.
No recurso consultado pela Lusa, o BdP afirma que a decisão surge “ao arrepio da intensificação da supervisão das instituições de crédito a que se vem assistindo nas décadas mais recentes (acentuado com a crise financeira internacional de 2007-2009)”, correndo “o sério risco, se não vier a ser revertida, de exonerar os revisores/auditores externos das instituições de crédito de um dever qualificado de comunicar” ao supervisor factos ou decisões suscetíveis de determinar a recusa da certificação das contas ou a emissão de reservas, informações consideradas “essenciais para o pleno e eficaz exercício” dos poderes de supervisão.
Os mandatários do BdP, Pedro Pereira dos Santos e Ana Luísa Joaquim, realçam que, apesar de exercidas por privados, as funções de auditoria externa “são de interesse público”, pelo que prevalece “o dever de comunicação sobre quaisquer restrições” resultantes da relação com o cliente.
O Banco de Portugal (BdP) sublinha que, no processo que foi julgado pelo TCRS, estava em causa a omissão de comunicação, pela KPMG e alguns dos seus quadros superiores, “de factos que eram do seu conhecimento” relacionados com o Banco Espírito Santo Angola (BESA), “que, pela sua relevância e materialidade em termos da situação financeira do BES, deviam ter sido prontamente comunicados”, de modo a que fossem adotadas “medidas preventivas adequadas”.
Para o BdP, o dever de comunicação de revisores oficiais de contas e auditores constitui uma “valiosíssima linha de defesa contra o eventual risco de ocultação” por parte das instituições de crédito, apresentando-se como “instrumento maior de alerta do supervisor”.
No seu recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o BdP pede que seja realizada uma audiência para debate da interpretação do artigo 121, n.º1, alínea c) do Regime Geral de Instituições de Crédito e Serviços Financeiros (RGICSF) e da alínea r) do artigo 211, que, afirma, estiveram em causa no julgamento que decorreu no TCRS.
Por outro lado, junta dois pareceres, um de Lúcia Lima Rodrigues, catedrática da Universidade do Minho e representante de Portugal no Accounting Regulatory Commitee da Comissão Europeia, e outro de Luís Silva Morais e Lúcio Tomé Feteira, docentes das Faculdades de Direito das Universidades de Lisboa e Nova de Lisboa, respetivamente.
O primeiro no sentido de que, perante a ausência de prova, o auditor “não pode fazer mais nada exceto expressar uma reserva por limitação de âmbito” e o segundo também no entendimento de que a emissão de reserva deve ser fornecida “por antecipação”.
Para estes dois especialistas, a interpretação feita pelo TCRS do artigo 121, n.º 1 alínea c) do RGICSF representaria “não só um perigoso e insidioso precedente, como um grave retrocesso no plano de supervisão bancária e, mais latamente, da supervisão financeira”.
Também o Ministério Público recorreu para a Relação de Lisboa da decisão proferida em 15 de dezembro pela juíza Vanda Miguel, considerando que a sentença “cometeu erros notórios na consideração de vários factos como não provados” e que o MP pede que sejam considerados provados.
O procurador Manuel Pelicano Antunes pede que seja “refixada parte da matéria de facto que foi subtraída ilegitimamente da prova documental”, com base numa “interpretação errada de regras” como a alínea c) do n.º 1 do artigo 121 do RGICSF, e que os arguidos/recorrentes sejam condenados pela prática das três contraordenações imputadas pelo BdP, agravando-se as coimas “face à gravidade sem precedentes da ilicitude e da culpa”.
O MP pede ainda que o TRL pondere a colaboração de um perito que coadjuve os desembargadores na apreciação deste caso, dado tratar-se de “matéria grave e sem precedentes para a supervisão bancária e cuja análise implica a compreensão do exercício profissional de uma atividade eminentemente técnica”.
O supervisor tinha condenado a KPMG ao pagamento de uma coima de 3 milhões de euros, o seu presidente, Sikander Sattar, de 450.000 euros, Inês Viegas (425.000 euros), Fernando Antunes (400.000 euros), Inês Filipe (375.000 euros) e Silvia Gomes (225.000 euros).
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