“O mercado de trabalho e os rendimentos pagos e gerados na nossa economia também vão alimentando o consumo, daí a necessidade de um momento de coordenação muito idêntico àquele que tivemos de operar no contexto da pandemia, em que as nossas ações também preveniram contágios e soubemos tratar da situação sanitária”, comparou Mário Centeno na apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira (REF), em Lisboa.
“Agora temos de saber tratar da situação económica e perceber que as nossas ações do dia-a-dia, também elas promovem um contágio: quando colocamos mais pressão no consumo, quando colocamos mais pressão sobre as margens, quando colocamos mais pressão sobre os salários. É esta coordenação que é difícil de fazer — porque as nossas economias são descentralizadas — que está em causa”, acrescentou o governador do banco central português.
Findo o paralelismo, e aproveitando a referência à crise pandémica, Mário Centeno recordou as moratórias, que “constituíram uma forma de aligeirar as despesas que as famílias tiveram durante a crise da covid-19”.
Nessa situação, e de acordo com o governador do BdP, estas moratórias foram “uma almofada de precaução” e de liquidez que constituíram “uma forma de acumular poupança porque houve uma despesa que deixou de se fazer”.
O momento de coordenação referido pelo governador decorre de “uma outra tensão”: o “extraordinário comportamento dos mercados de trabalho na Europa”.
Sublinhando o caso de Portugal, Centeno disse que o mercado de trabalho do país “tem hoje o maior nível de emprego alguma vez registado” no seu território.
“O nosso mercado de trabalho tem hoje o maior nível de emprego alguma vez registado em Portugal, também nunca houve tantos portugueses a trabalhar com tantas qualificações, portanto é natural que nunca tenha havido tantos salários pagos em Portugal”, afirmou, acrescentando que a massa salarial subiu 4.400 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano face a igual período de 2021.
“É muito dinheiro, e não é natural pedir às pessoas, tendo por base este comportamento do mercado de trabalho, que é um dos grandes pilares da recuperação económica que vivemos, que não consumam ou poupem mais”, defendeu.
O governador do BdP já registou por várias vezes a importância das poupanças para o combate à inflação, tendo voltado a fazê-lo na conferência de imprensa de hoje.
Questionado sobre se a banca pode remunerar melhor a poupança, Centeno alertou para a necessidade de os agentes económicos em Portugal “pensarem duas vezes sobre o ganho marginal a curto prazo de aumentarem as suas margens de lucro, face ao ganho para todos e permanente a médio prazo” para a contenção da espiral inflacionista.
“E a mesma coisa se aplica aos bancos. Tudo o que os bancos possam contribuir para reforçar este sinal positivo e que tenha no fim da linha uma contenção dos preços, é positivo. Se houver incentivos adicionais à poupança, estamos certos que esses incentivos adicionais à poupança vão ajudar à contenção dos preços e vão ajudar nesta nossa batalha pela inversão do ciclo em que estamos neste momento”, reforçou o governador.
O BdP assinalou no REF hoje publicado que a guerra na Ucrânia e a evolução económica na China têm tido consequências nas políticas monetárias e estabelecido uma “elevada incerteza das projeções económicas”, colocando em risco a estabilidade financeira.
“A invasão da Ucrânia e a evolução económica na China, com impacto sobre a atividade económica e a inflação, geram incerteza com consequências sobre a condução das políticas monetárias no mundo”, refere o documento.
Segundo o relatório, esta intensificação das tensões geopolíticas “materializou-se num reforço das pressões inflacionistas, em particular através do aumento dos custos da energia e dos bens alimentares que se repercutem nos preços de outros bens e serviços”.
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