Bessemer está em contagem decrescente. Os quase 6000 trabalhadores da Amazon no armazém desta cidade no Alabama têm até 29 de março para decidir se querem ou ter um sindicato que os represente — o que seria uma estreia em 27 anos de história da empresa de Jeff Bezos nos EUA e representaria uma vitória histórica para o movimento sindical no país.
A votação, que começou a 8 de fevereiro, tem feito correr tinta, com políticos, atores e comediantes a pronunciarem-se.
Joe Biden, que tem sido muito vocal sobre esta matéria, lembrou que "a América não foi construída em Wall Street, foi construída pela classe média e a classe média foi construída pelos sindicatos. Os sindicatos colocam o poder nas mãos dos trabalhadores, eles equilibram o jogo, eles dão [aos trabalhadores] uma voz mais forte na saúde, na segurança, nos salários, protegem-nos contra a discriminação racial e contra o assédio sexual. Os sindicatos elevam os trabalhadores, sejam sindicalizados ou não... (...) Não me cabe a mim decidir se alguém se deve ou não sindicalizar, mas também não cabe ao empregador decidir isso".
O ator Danny Glover viajou para Bessemer e esteve à porta ao armazém da Amazon com um cartaz a dizer "Lembre-se, envie por correio o seu voto a dizer sim [à sindicalização]". Tina Fey, Seth Meyers e Damon Lindelof estão entre os quase 1800 signatários de uma carta de apoio aos trabalhadores que querem passar representados pelo Retail, Wholesale and Department Store Union (RWDSU). Os senadores Bernie Sanders e Marco Rubio também apoiaram o direito dos trabalhadores à sindicalização, assim como organizações de peso, como a NFL Players Association ou o movimento Black Lives Matter.
Algum contexto prévio: a sindicalização nos EUA têm perdido expressão nos últimos anos. Em 1983 só 20,1% dos trabalhadores pertenciam a sindicatos; em 2020 a percentagem era de 10,8%, dizem os números do Bureau of Labor Statistics. A sindicalização é mais comum no setor público, nomeadamente com professores, polícias e bombeiros. Enquanto 34,8% dos empregados do setor público estão sindicalizados, o número desce para 6,3% no setor privado.
O declínio, explica a Insider, é resultado de uma combinação de fatores: por um lado, muitos postos de trabalho "mudaram-se" para o estrangeiro quando as empresas, em busca de mão de obra mais barata, deslocalizaram as suas unidades produtivas; por outro lado, a oposição de políticos e empresários ao longo dos anos tem enfraquecido os sindicatos.
Reflexo disto é a lei do "direito ao trabalho" que existe em alguns estados, incluindo no Alabama, e que tira capacidade aos sindicatos de organizarem os trabalhadores. Esta lei permite aos trabalhadores escolherem se querem ou não ser representados pelo sindicato e tornam opcional o pagamento de quotas, quer os trabalhadores estejam sindicalizados ou não. Por oposição, os estados sem leis de direito ao trabalho exigem aos empregados que paguem taxas sindicais como termo de contratação.
Assim, uma vitória no Alabama representaria muito para o movimento sindical, que há anos tenta fazer frente à Amazon, o segundo maior empregador do setor privado no país.
Escreve o The New York Times que a crescente atenção mediática está a transformar o caso de Bessemer num referendo nacional sobre as difíceis condições laborais de muitos funcionários destes armazéns, sobretudo negros (85% dos trabalhadores da Amazon no Alabama são afro-americanos, segundo estimativas dos sindicatos). Mais: o caso está a incentivar debates sobre o papel da Amazon na desigualdade salarial nos EUA e na justiça racial.
De acordo com um relatório de 2020 do Economic Policy Institute, trabalhadores sindicalizados na América ganham em média mais 11,2% do que os pares não sindicalizados. A diferença é ainda mais significativa para trabalhadores negros (que recebem mais 13,7%) ou hispânicos (mais 20,1%).
Jennifer Bates, funcionária da Amazon e um dos rostos mais visíveis da luta pela sindicalização, explicou ao Senado que os trabalhadores se começaram a organizar em Bessemer para contestar as condições de trabalho no armazém.
"A Amazon orgulha-se de pagar aos seus trabalhadores acima do ordenado mínimo, mas o que não vos dizem é como é que esses trabalhos realmente são". Turnos de 10 horas, com duas pausas de meia hora minuciosamente contabilizadas, uma monitorização constante e um ritmo de trabalho "super-rápido", contou. Os trabalhadores são ainda sujeitos a verificações de segurança aleatórias durante as suas pausas.
"Parece quem olham para ti como se fosses mais uma máquina", concluiu.
Segundo uma fonte da Amazon, citada pela Recode, a empresa não podia estar a levar mais a sério esta tentativa de sindicalização — só o trabalho de consultoria de uma firma de advogados especializada na matéria custa à gigante tecnológica 10 mil dólares por dia.
Já no que diz respeito a convencer os funcionários a votar contra a sindicalização, as estratégias são várias: desde afixar cartazes nas casas de banho, passando por convocar reuniões presenciais obrigatórias durante os turnos de trabalho para salientar o lado positivo das condições de trabalho atuais face às desvantagens que a sindicalização traria, até enviar textos frequentes aos trabalhadores com mensagens anti-sindicais ou lembrá-los das quotas que vão ter de pagar para serem representados desta forma.
E se é um facto que o salário base no armazém Bessemer começa nos 15,30 dólares por hora (no Alabama o valor mínimo por hora ronda os 7,25 dólares), o valor médio por hora em Birmingham, a área metropolitana que inclui Bessemer, é cerca de três dólares acima do que a Amazon paga.
Oficialmente, a empresa diz que não acredita que as visões do RWDSU estejam alinhadas com as da maior parte dos trabalhadores do seu armazém e que as sessões de esclarecimento visam garantir que os funcionários da empresa tomam uma decisão informada. A par, destaca os benefícios — como o valor do salário ou seguro de saúde — que já garante quem contrata a tempo inteiro.
Os 5,800 trabalhadores em Bessemer são uma gota no oceano de mais de 500 mil funcionários da Amazon só nos Estados Unidos, mas a decisão tomada neste armazém pode ter um efeito dominó e impactar outras unidades da empresa — ou até outras empresas com negócios semelhantes no país.
Em 27 anos de história, a Amazon conseguiu escapar a esta realidade — em 2001 fechou um call center cujos trabalhadores estavam a procurar organizar-se sindicalmente e em 2014 uma tentativa similar acabou com 21 de 27 técnicos da empresa em Delaware a votar contra a sindicalização —, mas desta vez o cenário parece ser menos favorável para a gigante tecnológica.
Joseph McCartin, professor de história do Trabalho em Georgetown, disse ao The Guardian que "há um sentimento crescente anti-Amazon no país". Em causa está a ideia "de que empresas como a Amazon se tornaram demasiado poderosas e precisam de ser escrutinadas".
Os votos são contados a 30 de março. Se David ganhar Golias, Bessemer pode ser só o início.
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