Quando se trata de risco na tomada de decisão o bom senso é a chave, mas o equilíbrio é difícil. Casper Berry sugeriu no 15º Fórum Económico de Limassol que as decisões empresariais se devem basear não só em “boas informações”, como também em “boas suposições”, “ambas propensas a erros e incertezas”.
Perante a profissionalização do risco Demetris Demetriou, diretor de risco do Banco de Chipre, questionou o campeão de póquer se “não estamos todos continuamente a tentar dar sentido à incerteza e a elaborar estratégias para optimizar a relação risco-recompensa?” Usa a sua experiência de risco muito calculado numa área bastante regulada e supervisionada onde se calculam riscos “modelando a incerteza, usando dados históricos e métodos estatísticos, que incluem análise de cenário, e testamos os resultados para testes de stress para parâmetros de mudança extremamente inesperados. Estabelecemos limites aos diferentes tipos de riscos com base na nossa capacidade e apetite para aceitar perdas. Como se isto não fosse suficientemente desafiante, o exercício de modelação de riscos está a tornar-se cada vez mais complexo num mundo que está a mudar, a um ritmo sem precedentes e que atualmente atravessa um período prolongado de mudanças climáticas impulsionadas pela instabilidade, pandemias, um mundo em crise permanente.”
Por mais calculados que sejam os riscos na tomada de decisão Demetris Demetriou continua a questionar-se se os cálculos baseados em dados suficientes para ter sucesso nos negócios? Ou será que outras atitudes como coragem, sorte, intuição ou talvez ter um ás na manga desempenham papéis igualmente importantes no sucesso?
A pergunta do homem da banca é particularmente interessante se se pensar no interlocutor Timur Turlov que aos 37 anos tem uma empresa (Freedom Holding Corp) com 15 anos que entrou na Nasdaq há cinco, que serve mais de 9 milhões de pessoas na Ásia Central e que através da corretora Freedom24 tem 300 mil clientes na Europa. Um fintech que alavanca muito dos seus sucessos em produtos de risco.
Mas se hoje é dos seus sucessos que fala, faz o exercício oposto de pensar nos riscos que avaliou - e falhou - quando começou a planear a empresa. Lembra que as pessoas não são boas a prever o futuro e que não é excepção “Sou especialmente mau a prever alguns eventos geopolíticos. Mas também falho muitas vezes em muitas decisões económicas.” Partilha que “sempre pensei que era muito importante ser preciso nas previsões e que era isso que me poderia tornar muito bem sucedido”.
Contudo, continua, “mais tarde compreendi que, na vida real, nos negócios, é muito benéfico correr riscos e a incerteza é muito grande.” Se o segredo é a alma do negócio, Timur parece partilhar o dele com uma plateia cheia de empresários e pessoas do setor.
“Não importa muito o que escolher porque geralmente muito poucas pessoas estão dispostas a correr riscos e se for corajoso o suficiente para aceitá-lo, aplicará alguns esforços, talentos e recursos para defender a situação, isso provavelmente será muito mais benéfico do que evitar esse risco”.
Lição número um na tomada de decisões arriscas é, portanto, “assumir responsabilidades e tentar levar a cabo coisas muito difíceis que a maioria das pessoas não gosta de fazer.” Não obstante o empresário reconhece a importância e a necessidade e por vezes se desistir, “é realmente o que faz o sucesso”. Contudo, “às vezes também é muito lucrativo assumir responsabilidade por coisas que ninguém realmente quer assumir”. Na sua experiência, “a maioria das pessoas não gosta de fazer isso porque querem estar em uma zona de conforto. Eu prefiro correr riscos com frequência.” E conclui: “Se posso influenciar, então é melhor correr riscos do que não correr e depois aplicar os seus esforços para gerir a situação.”
Claro que arriscar hoje em dia nada tem a ver com o arriscar no passado. Se por um lado tudo é mais volátil, por outro há a tecnologia a funcionar a favor daqueles que arriscam. Vasileios Chatzikos, CEO Siemens A.E., lembra que o poder das “ferramentas muito completas de como avaliar e analisar mensalmente esse tipo de risco, mais relacionado ao desempenho financeiro da empresa. Essa análise é muito valiosa para ver a previsão e prever o nosso desempenho.” Contudo, no que diz respeito ao risco do mercado “está principalmente ligada aos negócios. Quais são os riscos do negócio, adaptar-se rapidamente e como identificar esse risco. Por exemplo, isto está muito ligado também às novas tecnologias que estão a ser transformadoras no mercado.” É neste topo de risco de negócio que Vasileios Chatzikos opera, ao analisar o mercado e perceber qual é mais flexível para lidar com as novas tecnologias. Mas também, “trabalhar com o nosso pessoal para reduzir o risco ao implementar essas tecnologias nas nossas soluções. Damos e fornecemos ao mercado.”
No dia-a-dia Vasileios Chatzikos tem que tomar decisões arriscadas lucrativas, já Clea Evagorou, partner para risco na Deloitte Chipre, tem a arriscada função de aconselhar os clientes na tomada de decisões arriscadas, avaliando sempre a a importância da relação risco-recompensa. Mas começa por alertar que “nem sempre recompensa significa resultado financeiro”. Tal como Timur Turlov, também abre a porta ao segredo do seu negócio, “encontrar aquele ponto que cada cliente nosso define como o seu próprio limite de risco”.
Se o fundador da Freedom falava em risco calculado, Clea Evagoro lembra que o mundo é incerto e com desafios constantes. Mas há uma coisa que talvez seja o engenho e a prática a aguçar que é a “intuição”.
“Quando todos os dados são reunidos e toda a análise é feita para identificar esse limite de risco dos nossos clientes, minha única pergunta macro para os clientes é sempre: qual é o ponto que te incomoda? Em que ponto é que está a linha vermelha?
E esse número é, intuitivamente, aquele número que vemos ali? Caso contrário, teremos de repensar novamente, porque a relação risco-recompensa simplesmente não funciona.”
Se, por um lado, todos falam no medo da incerteza, Casper Berry surpreende ao lembrar que afinal “as empresas gostam de incerteza”. Acrescenta que, de facto, nenhum humano gosto de incerteza, tal como nenhum jogador de póquer gosta de perder. Mas “dinheiro que fica debaixo do colchão não rende”. Logo tudo o que tem retorno “vem do envolvimento de alguma incerteza”. E lembra que nos negócios, “o que realmente se está a fazer é vender a incerteza do processo, mas a vender como certeza. Quanto mais se absorver isso e vender certeza ao consumidor que deseja isso porque é humano, maiores serão os retornos obtidos.”
Arriscar numa startup vs Arriscar numa empresa consagrada
Se à incerteza dos negócios se juntar a incerteza que a evolução das novas tecnologias imprime nas tomadas de decisões a vida dos gestores não está facilitada principalmente se não falamos de empresas estabelecidas e não de startups. No caso do CEO da Siemens, Grécia, Vasileios Chatzikos, o segredo está em perceber as necessidades e maturidades diferentes de cada país.
“Por exemplo, estamos prontos na Grécia e em Chipre para um robô que produza um produto? Eu diria que não. Mas estamos prontos para introduzir as novas tecnologias relativas à segurança cibernética na nossa infraestrutura? Eu diria que sim.”
Ou seja, segundo diz estar pronto para arriscar num gigante multinacional é também saber adaptar “portfólio global de soluções” à realidade local.
“Nos últimos 10 anos investimos mais de 10 mil milhões na aquisição de empresas de software. Portanto, implementar agora novas ferramentas de software em aberturas de produtos e soluções é um esforço enorme. E é aqui que precisamos das prioridades estratégicas daquilo que adaptamos muito rapidamente aos mercados locais.”
Se Clea Evagoro referia a intuição, Chatzikos refere a formação como caminho. “Todos os anos temos um workshop estratégico com os principais stakeholders da empresa, colegas, nível de gestão sénior, onde analisamos o mercado. Temos todos os dados, a análise de dados de mercado de todas as áreas, focamos e fazemos o plano de ação. E o plano de ação envolve muitas pessoas que estão envolvidas nisso. Criamos a visão e temos as pessoas para seguir esse plano de ação e também para investir o seu pessoal qualificação para poder fornecer soluções. Temos uma prioridade definida para o próximo ano, e para os próximos três anos consecutivos, e é assim que estamos a conseguir mudar e transformar o nosso negócio.”
Timur Turlov que já arriscou na Freedom enquanto startup e que agora arrisca enquanto empresa que vale 6 mil milhões de dólares. Reconhece que no início quando começou “do nada” e tinha “menos experiência e muito menos recursos” e muita necessidade “de subir” era mais fácil “evitar a área arriscada”. Mas, por outro lado, “não é muito lucrativo ser tentar ser seguro. Mas é definitivamente necessário para evitar o máximo de riscos numa linha de negócios e, infelizmente, no início tem que se lidar com a parte mais arriscada do ambiente”.
Adianta que, contudo, “para sobreviver, para finalmente encontrar o nicho no mercado, tem que se lidar com riscos muito maiores que empresas mais maduras costumam correr. Tem que se ser muito mais eficiente, tem que ter muito mais sorte, tem que estar muito mais envolvido. Tem que lidar com um risco muito, muito alto, caso contrário não terá nenhuma chance de sobreviver. E muitas vezes irá à falência, mas também não terá muito a perder no início.”
E, tal como Casper Berry, lembra que falhar às vezes faz parte do processo e que se lhe segue começar de novo. “Mas se vai construir algo grande, tem que protegê-lo mais e o apetite pelo risco de qualquer forma deve tornar-se um pouco menor.”
Mas, assegura, “a arte é manter esse apetite pelo risco alto o suficiente para evitar apenas as más decisões óbvias e que poderiam ser curadas pelo profissionalismo da equipa.”
Afiança que no início da Freedom o que mais pesou foram as suas decisões “fiz muitos cálculos no início e a maioria deles foi completamente inútil”. “Estava planeado e no dia seguinte mudou tudo, tivemos que tomar novas decisões e assumir responsabilidades”. Reconhece que a sua principal capacidade de liderança foi processar a incerteza, assumir responsabilidades e ir repetindo que estava pronto, enquanto ajudava a equipa a superar a incerteza.
Afinal, qual o segredo para saber arriscar? E para recuperar depois da decisão errada?
Clea Evagorou recorre ao exemplo das sessões de estratégia referidas por Vasileios Chatzikos para explicar que antes demais o cliente tem que definir o que aceita como recompensa e alinhar-se com as contrapartes.
“Muitas vezes há muitas partes interessadas que, na verdade, têm de pontos de vista diferentes. Um deles quer resolver o problema do negócio, outro quer resolver o problema regulatório, outro quer resolver o problema dos custos. Qual é o problema real? Ou qual é o objetivo final? É para sustentar a nossa participação no mercado? É em hiperescala? É para crescer como negócio? O que é? É necessário que haja um objetivo comum e, em seguida, tomar ações claramente distribuídas entre os vários negócios.”
Este equilíbrio, garante, é para os seus clientes uma luta difícil e é exatamente para isso que tenta treiná-los. “Passamos muito tempo com os nossos clientes a articular isso, inserimos muitos dos componentes: análises, visões macro e por aí adiante, mas, em última análise, é preciso haver uma declaração clara de direção estratégica."
Mas, às vezes, mesmo com o melhor aconselhamento, planeamento e estratégia as coisas ainda podem correr mal, até porque, lembra, há coisas que não se prevêm. Muitas vezes “os clientes estão emocionalmente envolvidos com a decisão. Gastaram muito dinheiro, muito esforço, na verdade não se sentem confortáveis em envolver-se. A primeira coisa que aconselhamos o cliente é avaliar a situação e tomar uma decisão difícil para reduzir as perdas”.
Adiante que este cenário é extremo e quando surge “pensamos sobre como podemos ser ágeis na tomada de decisão, como podemos minimizar o que investimos e a perda realmente ocorrerá ao reestruturarmos a estratégia e regressarmos ao caminho certo. E será um caminho diferente porque a decisão não se concretizou como planeado.”
Acima de tudo “não se trata de parar tudo ou aconselhar os clientes a parar tudo”, mas sim “pensar em como podemos evoluir, reequilibrar e voltar a um caminho que não é o mesmo” porque “algo fundamental mudou, especialmente no mundo dos dados e análises."
Timur Turlov corrobora a teoria e acrescenta que é “extremamente difícil descrever algumas decisões como decisões completamente más, ou completamente boas. Porque às vezes algumas decisões extremamente más podem-se transformar da noite para o dia num resultado muito positivo e decisões muito boas também podem ter resultados muito negativos.” “É tudo muito filosófico”, conclui.
*O SAPO24 foi para o 15º Fórum Económico de Limassol a convite da Freedom24
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